#TOLERÂNCIA160 - O RISCO DO INTOLERÁVEL SE TORNAR NORMAL
As minhas últimas aulas do 12.º ano, nas duas últimas semanas de aulas, tiveram um protagonista especial: Mia Couto. Porque ele escreveu um texto muito bonito, que leu precisamente a estudantes, em que falava sobre aprender, educar, professores, alunos, racismo, discriminação e exclusão; e porque ele criou deu vida ao fascinante Mwanito, o afinador de silêncios.
O texto dá pano para mangas, é recurso precioso para várias sessões de reflexão e discussão em grupo, sobre muitos temas, entre eles, a Tolerância. Foi lido numa Aula inaugural, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo (Moçambique), em 2012.
A certa altura, Mia Couto diz assim:
«Todos os dias centenas de chapas de caixa aberta transitam por esta cidade que parece afastar-se do seu próprio lema “Maputo, cidade bela, próspera, limpa, segura e solidária”. Cada um destes “chapas” circula superlotado com dezenas de pessoas que se entrelaçam apinhadas num equilíbrio inseguro e frágil. Aquilo parece um meio de transporte. Mas não é. É um crime ambulante. É um atentado contra a dignidade, uma bomba relógio contra a vida humana. Em nenhum lado do mundo essa forma de transporte é aceitável. Quem se transporta assim são animais. Não são pessoas. Quem se transporta assim é gado. Para muitos de nós esse atentado contra o respeito e a dignidade passou a ser vulgar. Achamos que é um erro. Mas aceitamos que se trata de um mal necessário dada a falta de alternativas. De tanto convivermos com o intolerável, existe um risco: aos poucos aquilo que era errado acaba por ser “normal”. O que era uma resignação temporária passou a ser uma aceitação definitiva. Não tarda que digamos: “nós somos assim, esta é a maneira moçambicana.” Desse modo nos aceitamos pequenos, incapazes e pouco dignos de ser respeitados.»(1)
Por seu lado, Mwanito, o afinador de silêncios do "Jesusalém" é um personagem que nos mostra o labor pessoal, interno, auto-assumido, progressivo, ao longo da sua viagem pelo enredo do livro, de ir
construindo a Tolerância, aos outros e a si mesmo, por entre a imensa floresta de fantasias, negações da realidade, misticismos, motivações claras e ocultas, mentiras e violências.É, Mwanito não se resigna. No fundo, desenvolve uma imensa capacidade de tolerar, provavelmente com a ideia do apaziguamento e da pacificação. Para que a mentira, o esquecimento, a violência e a negação não vençam.
O "Jesusalém" tem 16 capítulos. Cada um é uma sessão de trabalho. Para se ir fazendo com tempo, para que a realidade e os personagens do romance possam ser assimilados por cada um dos membros do grupo de discussão. Quem sabe, até o próprio Mia Couto possa, aqui e ali, participar. Hoje em dia é tão fácil participar à distância.
Quando hoje me encontrei com Mia Couto na Feira do Livro, não sabia ainda que ia fazer este escrito. Nem mesmo quando lhe mostrei a fotografia da aula em que estou com os alunos e a falar do Mwanito e do Jesusalém. Se já o estivesse a congeminar, teria lançado o convite ao autor moçambicano.
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