terça-feira, maio 20, 2025

#TOLERÂNCIA142 - DIVAGANDO, ENCONTREI UMA CEREJA

 #TOLERÂNCIA142 - DIVAGANDO, ENCONTREI UMA CEREJA

Quase preguiçosamente, fazendo uma pausa, folheei o grande volume "Vida de um Homem, Toda a Poesia", de Giuseppe Ungaretti. Uma poética alusão à (in)Tolerância bastou para que escolhesse para hoje este trecho do capítulo "Um grito e paisagens", tudo indica que escrito em Amesterdão, em Março de 1933.

«Uma cereja, costuma dizer-se, puxa outra, e na memória — na memória e no sonhar de olhos abertos — uma segunda primavera compareceu.

»Fui a Ravenna, em finais de março passado. No Mausoléu de Gala Placídia, o azul intenso até ao

desespero, pode, com o íntimo furor do fogo, fundir-se e pulverizar-se em raios; pode, lá fora, desbotar o azul, ser o céu celeste, azul quase branco, diáfano, que dá sede, como perenemente sem mácula, até como intolerante que para o acalmar aconteça arriscar-se o pousar carinhoso de um nada de nuvem; o azul pode até adulterar-se, refletindo-se na chapa de água impaciente já de aflorar, lúcida, sobre a erva, ou, no Sepulcro de Teodorico, glauca, a enviscar o muro, água lembrança corrompida, lembrança, estéril mais do que nunca, do azul, ou então, consoante os momentos, lívida, água em crescente obnubilação por ausência, pelo aprofundar-se do desvanecimento pela ausência do azul, chapa de água cor de olhos mortos; pode existir em volta todo este variado azul de inalcançável beleza, mas o amor quando se manifesta nos jovens é indiferente a tudo exceto a si mesmo, e com razão. Apercebemo-nos do azul — é verdade quando o amor não pode senão ser melancolia, quando cada lugar parece já não albergar senão melancolia.

»Ah, estava a esquecer-me: os pombos que não querem senão ser jovens pombos: por cor variável e por façanhas, tremam eles nas pedrinhas dos mosaicos ou corram pelos campos ou nas calçadas, são animais verdadeiros, animais de facto — espanta-vos? — no sentido ornitológico da palavra ainda que — todos os animais se assemelham no desejo físico — cheguem a parecer-me antropomórficos, se fantasiar.»(1)

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(1) Giuseppe Ungaretti, "Vida de um Homem, Toda a Poesia", Imprensa Nacional, colecção Itálica, Lisboa, 2021.

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