#TOLERÂNCIA136 - QUANDO ESTAMOS PREDISPOSTOS PARA SER INTOLERANTES
Quando cheguei ao cais da estação de Metro dos Olivais, a caminho de casa, à hora do almoço, já estava lá um número razoável de pessoas o que indicava que a próxima composição não deveria tardar.
Alinhei-me na posição do costume, para ficar de frente para a porta do costume. Ficaram, assim, atrás de mim, sentados num dos bancos do cais, dois indivíduos novos, altos, com, como se costuma dizer, ar suspeito. Suspeito de nada, mas com ar a que não somos indiferentes e que nos faz despertar automaticamente um alerta, um esboço de evitamento ou repulsa.
Chegou a composição, deixei-os entrar à minha frente, eles tinham-se posto de pé rapidamente e estava ali no cais há mais tempo do que eu; e, além disso, eu ficaria logo ali junto à porta prontinho para sair na estação seguinte.
Para onde íamos entrar estavam 4 indivíduos de farda, não fixei neles qualquer atenção, fui apenas sensível a 4 fardas iguaizinhas ali naquele espaço junto à porta da carruagem por onde eu estava a entrar.
Acabei por ter de dar um passo atrás porque os dois indivíduos, tão depressa entraram, da mesma maneira saíram e foram-se sentar outra vez onde eu os tinha visto.
Pensei que não sabiam o que queriam, ou melhor, pensei que estivessem em estado mental alterado (lá estava o ar esquisito!, concluía eu triunfalmente), a lucidez de pensamento não acontecia na cabeça deles naquele momento, muito bem, eles é que sabiam da vida deles...
Entretanto, eu puxava já do telemóvel para mandar à minha parceira de almoço a mensagem de que não
demoraria a chegar. É nessa ocupação circunstancial que oiço, quase em eco, um dos indivíduos de farda dizer «Assustaram-se connosco, devem ter pensado que nós somos fiscais do Metro, entraram à borla e ficaram com medo que lhes pedíssemos os bilhetes.» Os outros riram-se.Como disse, ouvi isto em eco. Ainda com a mensagem no WhatsApp por acabar, olho para eles e reparo que o logótipo das camisolas da farda era o da EMEL. Sim, fazia sentido, até eu, naquele instante, tomei consciência de que, caso tivesse dado mais atenção às fardas, poderia também ter sido sensível a ver os quatro homens como fiscais.
Já estou de cabeça dobrada outra vez sobre o telemóvel para acabar a mensagem quando oiço um dos quatro homens dizer: «É assim que eles fazem lá na terra deles, entram para todo o lado sem pagarem e aqui fazem o mesmo.»
Pois é, onde eu vi um ar e um comportamento "esquisito" e atribuí-os a fumo de coisas esquisitas, os quatro homens viram um comportamento reprovável típico dos imigrantes que, como dizem os preconceitos e estereótipos dominantes, vêm para cá viver à custa dos portugueses e com regalias e condescendência que os portugueses, os de cá, não têm.
Pensei que os quatro funcionários da EMEL tinham muito mais hipóteses de terem razão do que eu: estou a falar da parte de os dois indivíduos "com ar esquisito" tivessem tido uma reacção de medo de serem apanhados a viajarem no Metro sem pagar. A parte dos imigrantes, não: não me pareceram encaixar em nenhum dos grupos típicos de imigrantes que tendem a ser objecto de discriminação e rejeição.
A viagem de Metro foi curta, os dois indivíduos da estação de Metro dos Olivais entraram e saíram logo de seguida da composição; eu mandei a mensagem e saí logo a seguir, em Chelas; e os quatro funcionários da EMEL continuaram a conversa, continuaram a viagem, e não me dei conta de qualquer outro comentário de acusação, recriminação ou repulsa — às tantas, até já se tinham esquecido dos dois hipotéticos imigrantes.
Fica para mim a consciência de que, por um lado, é muito fácil criarmos opiniões erradas, à custa de atribuições grosseiras e sincréticas; e injustas. E, por outro lado, a intolerância e a repulsa que temos associadas, unha com carne, a percepções preconceituadas e estereotipadas está logo ali pronta a saltar, sem qualquer preocupação de verificação de serem ou não serem verdadeiras.
Já estive a esforçar-me, a tentar chegar ao grupo de imigrantes que tão rapidamente apareceu na cabeça do homem da EMEL, mas nenhum me satisfaz: não tinham cor de pele nem forma de trajar para os identificar como ciganos, pretos ou paquistaneses (só para falar dos que mais facilmente saltam à cabeça hoje em dia).
Mais uma vez concluo que a Educação da Tolerância, e também a do auto-controlo dos estereótipos e preconceitos, é para ser feita continuadamente. E não só nas escolas.
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