#TOLERÂNCIA347 - "TOLERATION" E "TOLERANCE"
A autora do livro que descobri praticamente por acaso diz que "toleration" e "tolerance", sendo diferentes, o facto de serem "compagnons de route" dificulta a distinção entre ambos. Para já, mais difícil do que fazer a distinção conceptual entre "toleration" e "tolerance", é difícil traduzir "toleration" para português.(1)
Pedi à minha mana Vanda, super-especialista, como diriam na Ordem dos Psicólogos Portugueses, na língua inglesa. Não, não está nada fácil traduzir 'toleration' com uma palavra só. Recomenda a prudência e a preocupação de clareza optar por um substantivo composto, talvez tolerância-constitucional, tolerância-jurídica, tolerância-institucional. Qualquer sugestão, entretanto, é bem-vinda.
Vou guardar o livro na estante das segundas prioridades. Não tenho, por agora, disponibilidade mental para avançar neste assunto mais profundamente. Para já, transcrevo para aqui o texto que encontrei num 'site' da Net, texto que tenta ser uma apresentação geral do livro (que, descontando bibliografia e índices, tem cerca de 170 páginas) (2):
«As leis sobre laicidade em França proíbem certas práticas e símbolos religiosos do espaço público em nome da 'laïcité' — a interpretação dinâmica do conceito constitucional de Estado laico. Contudo, leis recentes sobre laicidade, embora descritas pelos seus proponentes como antidiscriminatórias e liberalizadoras, têm tido um impacto desproporcionado sobre as mulheres muçulmanas. Esta intolerância do “Outro”, sancionada pelo Estado, tem uma longa história na Europa e continua a moldar tanto Estados contemporâneos “liberais” como “não-liberais”.
»Na sua recente 'Harney Lecture', a Dra. Marietta van der Tol, investigadora na Universidade de Cambridge, descreveu um 'continuum' de tolerância do início da era moderna (early modern tolerance)
que ainda hoje molda as atitudes em relação ao “Outro”, mas que agora inclui outras formas de diferença, como a diversidade de género e a orientação sexual. As ideias históricas de comunidade na Europa baseavam-se no princípio cristão fundamental do 'corpus christianum' — em que o corpo de Cristo está unido às pessoas, aos espaços em que vivem e ao seu destino. As tentativas de criar esta unidade — que lidavam com questões de ordem e paz públicas, de lealdade em tempos de conflito e de benefícios económicos — podiam incluir uma variedade de atitudes em relação àqueles com práticas minoritárias.»Num extremo, impunha-se a conformidade absoluta, muitas vezes através do uso — ou da ameaça de uso — da espada. Nalgumas situações, a presença do Outro era tolerada se permanecesse escondida da vista em espaços privados, como confissões religiosas minoritárias que praticavam à porta fechada. Um pouco mais inclusivo era o 'auslauf', um conceito alemão que se traduz por “escape” ou “válvula de escape” e que permitia certas actividades — por exemplo, a venda de bens, alimentos e serviços de outro modo proibidos pela religião predominante — desde que se realizassem fora do espaço público principal. Por fim, ao Outro religioso podia ser concedida paridade visível na vida pública. Questões de visibilidade, invisibilidade e tolerância do outro têm, assim, existido há muito num espectro.
»Segundo a Dra. van der Tol, muitos aspectos da tolerância do início da era moderna foram incorporados nas estruturas do constitucionalismo actual. Tal como antes a intolerância subia e descia, também agora os Estados procuram usar o direito constitucional para definir e conter o Outro, seja a diferença de etnia, género, orientação sexual ou religião. Além disso, esta produção do Outro não pode ser claramente delimitada entre Estados liberais tolerantes e Estados não-liberais mais opressivos. Para demonstrar estes pontos, a Dra. van der Tol apresentou quatro estudos de caso — de França, dos Países Baixos, da Polónia e da Hungria — em que tanto Estados liberais como não-liberais usaram as suas constituições para definir e limitar os direitos de um Outro.
»A política de 'laïcité' em França não foi concebida contra a religião em si, mas contra o poder da Igreja Católica e do alto clero na vida pública. Com efeito, a lei de 1905 que estabeleceu o princípio foi redigida por uma comissão que incluía minorias religiosas como protestantes e judeus. Mais recentemente, as interpretações modernas deste princípio têm sido usadas principalmente para legislar contra o Islão e deram origem a uma série de exigências excessivas que revelam preconceitos institucionalizados. Entre elas contam-se a proibição da burca em espaços públicos em 2010, a subsequente proibição do burquíni em 2016, a proibição da abaya nas escolas em 2023 e até a proibição de atletas francesas usarem véu nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris. Em 2014, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aprovou o uso do conceito de 'vivre ensemble', ou viver em conjunto, como justificação para limitar os direitos de indivíduos franceses (neste caso, quanto à utilização de véus integrais, ou burcas). A 'laïcité', derivada da literatura utópica e das raízes anticlericais da Revolução Francesa, ficou enredada em debates sobre a ordem pública.
»Também deu origem a debates semelhantes noutros países europeus, como os Países Baixos. Aí, o conceito de laicidade foi usado como uma “garantia” de ordem pública, com uma proibição da burca inspirada na lei francesa. Isto aconteceu apesar de uma forte contestação legislativa, da falta de dados sobre problemas de ordem pública e, em vez disso, de apelos ao desconforto emocional em relação ao Islão. A lei foi aprovada depois de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ter validado a lei francesa, justificada pela ideia de incompatibilidade da religião com a identidade nacional holandesa. O apelo ao “viver em conjunto” sobrepôs-se às considerações práticas e foi consagrado em lei pela mera força da vontade política.
»Apesar da suposta natureza liberal destas duas democracias da Europa Ocidental, existe uma clara e identificável continuidade entre as suas políticas e as das democracias “não-liberais” como a Hungria e a Polónia.
»Na Hungria, o governo usou a identidade constitucional como instrumento político; ao formular a narrativa da nação como sendo etnicamente húngara, estabeleceu uma nova constituição que distingue entre os húngaros e as “nacionalidades que vivem connosco”. O governo híbrido-autoritário do país instrumentalizou a constituição para exercer controlo sobre as igrejas, privilegiando aquelas que demonstram lealdade ao governo e consolidando-as como parte central da identidade nacional húngara.
»O quarto estudo de caso, a Polónia e as suas declarações pseudo-constitucionais, foi notável pela ausência inicial de legislação. Com o partido Lei e Justiça (PiS) a usar a linguagem da identidade polaco-católica para promover sentimentos anti‑LGBTQ+, várias autarquias controladas pelo PiS interpretaram a retórica constitucional sobre a “família adequada” e o “bom casamento” para declararem as suas áreas “zonas livres de LGBT”. Isto remete para as questões da primeira modernidade sobre visibilidade: se uma sociedade podia ser considerada tolerante e unificada sem ser “ameaçada” pela perspectiva de uma diferença visível, e se tais declarações locais contavam sequer como leis. O Supremo Tribunal polaco decidiu subsequentemente que, por produzirem consequências tangíveis, tais declarações constituíam retórica jurídica e linguagem pseudo‑constitucional.
»Para a Dra. van der Tol, elementos de extrema-direita têm, cada vez mais, recuperado a noção de liberdade religiosa, tanto em Estados liberais como iliberais. No período do início da era moderna, a tolerância era um poder discricionário, um privilégio concedido aos outros, não um direito inerente. Ter o direito de usar a espada mas abster-se de a brandir difere do constitucionalismo contemporâneo, em que os direitos podem ser consagrados, mas também codificados de forma a possibilitar a produção do Outro. Van der Tol mostrou que a vulnerabilidade à intolerância não é uma anomalia, mas antes parte das próprias estruturas do direito em sociedades liberais e não-liberais.»
São desafiantes estas questões teóricas, doutrinárias e ideológicas, mas a Educação não as pode dispensar. São muito necessárias para reflectir sobre a prática pedagógica e para enquadrar a acção educativa em modelos sistemáticos e coerentes. É o meta-conhecimento que protege os educadores de andarem à deriva, ao sabor do vento da inspiração, por muito bem informada que seja pela longa experiência pessoal e o dom da intuição.
(1) É o livro "CONSTITUTIONAL INTOLERANCE, The Fashioning of the Other in Europe's Constitutional Repertoires», de Mariëtta D. C. van der Tol, Ed. Cambridge, 2024.
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