#TOLERÂNCIA309 - A TOLERÂNCIA NUNCA ESTÁ GARANTIDA
Em 1955, Miguel Torga publica "Traço de União", livro que reúne ensaios de temática luso-brasileira, essencialmente composto por conferências feitas no Brasil em 1954. As conferências estão apresentadas por ordem cronológica.
O segundo texto do livro é de homenagem ao escritor brasileiro José Lins do Rego, em Coimbra, em 21 de Junho de 1951. O excerto que vou transcrever para aqui é parte logo do primeiro texto, "Brasil", que não tem data. Parece ser um texto de introdução, escrito no lado europeu do Atlântico; e admito perfeitamente que tenha sido escrito em 1955.
«E é justamente desse nivelamento de valores, dessa aceitação por dentro daquilo que se aceitou por fora, que é necessário partir ao desembarcar no Brasil. Estamos a pisar, cheios de responsabilidades, uma terra de policromias humanas onde os próprios já não dão por isso. Terra de encontro de raças, que permitiu a mística e maravilhosa comunhão de sangues que o mundo conhece e admira. Milagre moderno que ninguém pode contemplar sem um assomo de orgulho. E não só porque ele exalta e dignifica a espécie, mas também porque resultou daí toda uma maneira original de olhar e sentir as coisas, amável e tolerante, confiada e solidária, que resolve numa síntese de esperança as mais
desanimadoras contradições. Há um calor inédito nos actos e nas relações, uma cordialidade profunda, que vem dessa combustão íntima de lenhas variadas, desde a cepa lusa ao imbondeiro negro, do pau de cânfora asiático ao ipé indígena. E temos o colorido, a multiplicidade, a graça e a originalidade dum povo inteiro que inventa diariamente novos ritmos na alegria de viver. Alegria que é o sinal mais visível da expressão moça e promissora do Brasil. Uma alegria sã, inocente, criadora, que dura de manhã à noite, adormece, e se levanta sem remorsos no dia seguinte.»Não sei se Torga estava ainda no Brasil quando o Presidente Getúlio Vargas se suicidou (a última conferência foi a 19 de Agosto e o Presidente Getúlio Vargas suicidou-se em 24), e não tenho agora aceso ao volume do Diário que cobre os anos de, pelo menos, 1954 e 1955; e a Ditadura Militar de 1964 ainda está longe.
Não estou, portanto, capaz de equacionar o que Torga terá mudado na ideia d'«a maneira original de olhar e sentir as coisas, amável e tolerante, confiada e solidária, que resolve numa síntese de esperança as mais desanimadoras contradições.» que ele atribuía ao Brasil e ao Povo Brasileiro. Desconfio que, se fosse agora, Torga ficaria decepcionado com o rumo que as coisas tomaram no Brasil.
Da Ditadura Militar (1964-1985) ao radicalismo político de extrema-direita de Bolsonaro (aliado ao fanatismo religioso de seitas que abundam no Brasil dos dias de hoje), tudo nos deixa, e deixaria a Torga, a ideia de que a Tolerância foi chão que deu uvas e que é cepa que precisa de ser de novo cuidada e fortalecida, até porque chega a parecer estar mesmo em coma.
No fundo, vale também para a Tolerância o que se costuma dizer da Democracia: é que nunca está definitivamente adquirida e necessita de dedicação e trabalho constantes. Estás a ver, Educação, não durmas à sombra da bananeira! Não te deixes enganar pelos sucessos anteriores alcançados!
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