terça-feira, julho 22, 2025

#TOLERÂNCIA205 - O RISO, COMPREENSÃO E TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA205 - O RISO, COMPREENSÃO E TOLERÂNCIA

Como já por aqui fui dizendo, leio, estudo muito sobre o sono, comportamento biológico tão importante que ocupa cerca de um terço da vida dos seres humanos.

O desenvolvimento das sociedades têm dificultado a relação do Homem com o sono. Os abusos na redução do tempo do sono criam riscos tremendos para a nossa saúde física e mental.

Volto a um livro de que já por aqui falei, a sua leitura tem sido atropelada por outros livros que circunstancialmente tenho considerado prioritários, até mesmo outros livros sobre o sono.

Na transcrição que vou fazer, a perturbação do sono junta a narcolepsia a a cataplexia. São essencialmente 3 falas diante do médico (o autor do livro), um casal cujo relacionamento entre si e o ambiente social de bem-estar que criavam à sua volta era por muitos reconhecido como exemplar e único.

Repare-se como os nossos comportamentos podem promover a Tolerância. Repare-se na essência saudável do comportamento do riso. Estão em jogo a empatia, a compreensão, a tolerância e o respeito. E não preciso de dizer mais nada. Vamos ao texto:

«[...] Para ambos [Phil, o doente, e Kim, a mulher] , as atitudes de outros acrescentam o insulto aos danos [Está a falar dos efeitos da catalepxia]. «É uma doença invisível. Para as outras pessoas, o Phil parece estar bem e ser normal», diz a Kim.

«As pessoas não compreendem de todo a doença. Também nos debatemos com isso. O Phil, que Deus o abençoe, tem de se explicar um milhão de vezes a certas pessoas de cada vez que as vê, porque elas continuam sem perceber. Não me parece que as pessoas sejam sensíveis à pressão e à tensão que isto

exerce sobre nós como unidade familiar, como casal, como alguém que tem de lidar com a doença. Nem a quanto mais esforço e energia são necessários para aguentar tudo e prosseguir com a vida, com o trabalho, os filhos, a família e os amigos.»

Ela continua:

«As pessoas ainda acham que é muito engraçado. Vamos a um evento ou algo do tipo dos espectáculos dos nossos filhos na escola, e em seguida alguém pode fazer uma piada como: «O Phil conseguiu ficar acordado?» Interrogo-me: «Porque é que acham que tem graça? Aquilo será sequer uma pergunta? Como é que vos passou pela cabeça perguntar isso? Se o Phil tivesse cancro, perguntavam "O Phil sentiu-se mesmo doente durante o espectáculo?" Não perguntavam! Então, não perguntem. Não tem graça.»

Penso que a ira da Kim deriva de um desejo de proteger o Phil. Ele é um pouco mais tolerante. «Não me importo de me rir do assunto. Penso que se eles compreenderem do que se trata, podemos rir-nos todos. Porém, se não se percebe e se é ignorante, não acho que tenha piada alguma.»(1)

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(1) Guy Leschziner, "O Cérebro Nocturno - pesadelos, neurociência e o mundo secreto do sono", 20|20 Editora (2020 Vogais), 2020

segunda-feira, julho 21, 2025

#TOLERÂNCIA204 - OS "AMIGOS" QUE NEGAM A TRAGÉDIA HUMANITÁRIA EM GAZA

#TOLERÂNCIA204 - OS "AMIGOS" QUE NEGAM A TRAGÉDIA HUMANITÁRIA EM GAZA

A questão é: que fazer com os amigos que negam a tragédia humana em Gaza? Quais são os limites que a Tolerância deve ter?

Defender o direito de Israel a defender-se da incursão perpetrada pelo Hamas no dia 7 de Outubro de 2023, é uma coisa. Inclusivamente, tomando-se esse dia como o primeiro depois de um tempo em que tudo estava justo naquela região do mundo entre Palestinianos e Judeus.

Calar-se perante o que Israel está a fazer na Faixa de gaza é outra coisa. Se um dia Jesus respondeu a Pedro que deveria perdoar 70 vezes 7 a um irmão que pecasse contra ele, o que se vê na Faixa de Gaza é que parece que o governo israelita esta determinado a castigar 70 vezes 7.

Mais uma vez, hoje dou uma pequena volta, bastou uma pequena volta, ao mural do Facebook, e encontro risos a publicações que mostram o que se passa na Faixa de Gaza. Encontro também publicações que dizem que são mentiras, boatos, tolices, disparates e balelas o que se conta da fome, das mortes por inanição, a destruição dos cuidados de saúde de pessoas martirizadas por serem palestinianas.

Fico incrédulo perante os requintes de desumanidade que gente de bom nome, de boas famílias, diz, escreve, reage perante tanto sofrimento humano, perante a tragédia daqueles pais e mães que querem dar comida e protecção aos filhos. Tais pessoas nem sequer têm o pudor de se remeterem ao silêncio. Ostensivamente negam-no, para tais pessoas não se passa nada — apoiam que os governantes e militares israelitas continuem a barbárie, destas tais pessoas, eles, os governantes e militares, recebem "educada" anuência.

O mínimo que posso fazer é "desamigar" pessoas assim. Foi o que acabei de fazer. Desisti de qualquer intenção e esforço de mudar ideias e pontos de vista. Aquelas pessoas sabem que querem que as coisas sejam assim. A minha tolerância chegou ao limite. Repito: desamiguei um "amigo" do Facebook. Infelizmente, não é nada que ajude o tão sofrido povo palestiniano.

Àqueles que perversamente, desumanamente negam a tragédia do Povo Palestiniano, permito-me lembrar a fórmula completa do Talmude (Sanhedrin 4:4-5, Rabi Jack Abramowitz), que o filme "A Lista de Schindler" popularizou numa forma bem mais abreviada: "Quem salva uma vida salva o mundo inteiro".

É esta, então, a forma completa que os autores e os apoiantes do massacre do Povo Palestiniano evitam olhar e tomar consciência:

«Apenas um homem, Adão, foi originalmente criado para nos ensinar que, se alguém destruir uma única vida, é como se tivesse destruído um mundo inteiro, enquanto que, se alguém salvar uma única vida, é como se tivesse salvo um mundo inteiro.»

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domingo, julho 20, 2025

#TOLERÂNCIA203 - O VALOR DOS INIMIGOS

 #TOLERÂNCIA203 - O VALOR DOS INIMIGOS

Todos os dias recebo na minha caixa de emails principal um email da "Sélection Quora". O de hoje dava destaque a duas publicações do "Cercle des entrepreneurs" (Círculo de Empreendedores, "Associação de empresários reunida 'online' com o objetivo de promover o empreendedorismo").

A primeira das publicações é de Emmanuel Kasongo, que se apresenta como co-fundador do Círculo de Empreendedores Africanos, e diz dele mesmo o seguinte: «Olá, Sou o Emmanuel Kasongo, também conhecido como Emmanuel.tmt, jovem empresário congolês residente em Lubumbashi. Sou designer gráfico, 'community manager' e coach em desenvolvimento pessoal e financeiro. Jovem empreendedor e apaixonado por tudo o que diz respeito ao digital, inovação, tecnologias, finanças, avicultura e empreendedorismo, acompanho criadores de empresas, figuras públicas e políticas em diversas áreas. Cultivo um espírito de iniciativa e inovação, transmitindo a minha paixão pelo digital através das minhas criações gráficas e diversas competências.»

Embora o Sélection Quora divulgue o texto hoje, a data da publicação original é de 13 de Dezembro do ano passado. Depois de o ler, li também os comentários que recebeu. Acho o texto interessante, decidi juntá-lo aos meus recursos da Pedagogia da Tolerância.

O texto tem como título: "Os inimigos desempenham um papel crucial." É curto, lê-se bem.

"Para acedermos plenamente ao amor e à compaixão, é indispensável praticar a paciência e a tolerância.

É por isso que devemos esforçar-nos por encarar o ódio de um inimigo como uma oportunidade para fortalecer a nossa paciência e tolerância, tratando os nossos inimigos com a maior atenção,

precisamente pelas oportunidades que nos oferecem para amadurecer.

Os inimigos são por vezes mais úteis do que os amigos. Sim, se analisarem bem as coisas, perceberão que são eles os vossos verdadeiros amigos. Porque são implacáveis, não vos poupam, sublinham tudo o que está mal.

Dir-me-eis: «Mas muitas vezes exageram!» Sim, é verdade, mas não importa, servem-vos como microscópios, e isso é muito útil por vezes, os microscópios; os cientistas usam-nos todos os dias. Permitem ver pormenores que, de outro modo, passariam despercebidos.

Portanto, se querem verdadeiramente progredir, têm de aceitar a ideia de que os vossos inimigos são frequentemente mais úteis do que os vossos amigos. São eles que vos obrigam a trabalhar, a corrigir-vos, a encontrar soluções para os problemas que vos colocam e, assim, graças a eles, tornam-vos mais fortes, mais inteligentes."(1)

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(1) https://cercledesentrepreneurs.quora.com/Les-ennemies-jouent-un-r%C3%B4le-crucial

sábado, julho 19, 2025

#TOLERÂNCIA202 - A PANDEMIA DA INTOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA202 - A PANDEMIA DA INTOLERÂNCIA

"A intolerância como padrão de resposta colectiva".

O Pedro Almeida Vieira e eu tornámo-nos "amigos" no Facebook. Há muito tempo que somos "amigos" no Facebook. O Facebook tem-me permitido conhecer pessoas muito interessantes. Uma delas, que não reconheci na primeira vez que estive com ela face a face, foi o linguista Fernando Venâncio, que faleceu recentemente. Acabámos por nos tornar muito amigos, ele tratava-me por Fernandinho e ele para mim era o Fernandíssimo.

O Pedro Vieira de Almeida é jornalista, escritor e investigador; e é director do jornal Página Um. Hoje ele escreveu um texto acerca dum tema bem actual, de difícil manejo. Recomendo tão vivamente a sua leitura que o transcrevo para aqui, numa espécie de colaboração externa na minha peregrinação pela geografia da Tolerância. Depois de terminar o artigo, ele faz um convite: "Partilhe esta notícia nas redes sociais." Sim, vou fazê-lo aqui, no Facebook, no Blogger e no Instagram. Obrigado, Pedro! Parabéns pelo texto!

Título: "A pandemia da intolerância: da covid à imigração, não há adversários – apenas inimigos"(1)

De repente, uma estranha simetria une dois dos fenómenos sociais mais fracturantes do nosso tempo recente: a pandemia de covid-19 e a actual crise em torno da imigração. À primeira vista, parecem realidades inconciliáveis: uma, sanitária e de impacte global; outra, demográfica e de impacte nacional.

Mas, ao observarmos os mecanismos sociais, políticos e comunicacionais, que ambas desencadearam, partilham algo de essencial: a intolerância como padrão de resposta colectiva. E daí parte-se para uma hostilidade crescente não apenas em relação às posições extremas opostas, mas — talvez ainda mais

inquietante — contra quem tenta compreender, dialogar ou propor soluções de equilíbrio.

Durante a pandemia, bastava levantar uma dúvida sobre a proporcionalidade das medidas, questionar os confinamentos, interrogar a eficácia das vacinas ou simplesmente defender direitos constitucionais elementares para ser etiquetado de “negacionista”, “antivacinas”, “irresponsável” ou mesmo “assassino”. A emotividade pública, catalisada por uma comunicação social subserviente e por peritos promovidos ao estatuto de sacerdotes da verdade, interditava qualquer subtileza. O dogma instalou-se com uma eficácia capaz de ombrear com a Inquisição: quem não se ajoelhava perante o altar do medo era excomungado da vida cívica.

Hoje, algo semelhante sucede com o debate sobre imigração. Quem aponta os efeitos reais — e documentados — da imigração desordenada sobre o sistema de saúde, habitação, educação ou segurança, corre o risco de ser acusado de xenofobia ou racismo. Mas o contrário também se verifica: quem rejeita o alarmismo identitário e sublinha os direitos humanos, as histórias de vida dos migrantes ou a necessidade de políticas de integração bem desenhadas é de imediato classificado como “globalista”, “vendido ao sistema” ou “traidor da pátria”.

Pior ainda está quem ousa interrogar ambas as visões com prudência, tentando distinguir entre migração legal e tráfico humano, entre integração e guetização, entre impacto económico e vulnerabilidade social. Este é aquele que acaba por ser atacado de todos os lados — por traidor, por frouxo, por centrista táctico.

Na verdade, nos debates sobre a pandemia e agora sobre a imigração — e talvez noutros tantos campos — aquilo que se perdeu foi precisamente o que garante a sanidade de uma democracia: a capacidade de pensar o meio-termo, de analisar com rigor, de propor soluções ponderadas que evitem tanto a repressão cega como a permissividade ingénua.

A pulsão de radicalização em ambos os lados — alimentada por redes sociais, algoritmos de indignação e agendas políticas maniqueístas — transforma tudo em trincheira. Já não há adversários: há inimigos. E a posição intermédia, que sempre foi mais difícil de construir do que os extremos, parece hoje terreno minado.

Na pandemia, quem procurava uma via equilibrada — por exemplo, defendendo a protecção dos mais vulneráveis sem destruir as liberdades fundamentais — foi marginalizado, insultado, silenciado. Ou processado — como eu, que ainda este ano terei de responder judicialmente em três processos.

Na questão migratória, quem procura agora aplicar políticas sérias de controlo de fronteiras, mas ao mesmo tempo defender a dignidade humana — tanto dos imigrantes como dos autóctones —, sofre a mesma sorte: é demasiado duro para os progressistas e demasiado mole para os populistas.

O consenso tornou-se heresia.

Há nisto um paradoxo revelador. Se, teoricamente, os extremos se combatem melhor a partir do centro (não me refiro ao espectro ideológico) — com racionalidade, dados e proporcionalidade —, o que vemos hoje é o contrário: os extremos prosperam precisamente porque conseguiram minar o prestígio do centro, esvaziar-lhe a credibilidade, converter a prudência em tibieza e o pensamento crítico em traição. É a vitória do ressentimento contra o equilíbrio. Do ruído contra o discernimento. Do algoritmo contra o argumento.

As redes sociais, que durante a pandemia foram usadas como instrumentos de controlo emocional e repressão simbólica, agora funcionam como aceleradores de pânico moral e de fúria identitária. A lógica binária de “salva vidas” versus “negacionistas” foi apenas substituída por outra: “defensores da pátria” versus “traidores pró-imigração”. O molde é o mesmo; apenas se trocam os actores. E, mais curioso e preocupante, muitos daqueles que na pandemia sofreram penalidades por serem minorias, estão agora na linha da frente para serem algozes dos que pensam diferente na imigração.

E, como antes, quem tentar desmontar o jogo, desmontar o medo, desmontar a encenação, é eliminado do palco.

Talvez estejamos a assistir a um processo mais profundo: o esgotamento da razão pública como espaço de construção comum. O velho ideal iluminista de que podemos, pela razão e pela evidência, fundar consensos mínimos para enfrentar problemas complexos, está em erosão. Em seu lugar, estão a erguer-se afectos inflamados, tribalismos digitais e dogmas emocionais. E com eles vem a recusa do diálogo, a humilhação do outro, a purga dos moderados.

Na pandemia, fomos empurrados para o medo absoluto como forma de controlo. No debate migratório, estamos a ser empurrados para o medo difuso como forma de fragmentação. Em ambos os casos, o efeito é idêntico: o desaparecimento da política como espaço de ponderação e a sua substituição por actos reflexos emocionais e moralistas. No limite, deixa de haver verdade: apenas versões armadas da verdade.

É por isso que, mais do que escolher entre extremos, importa reconstruir o valor do meio. Não o meio-termo cómodo e inócuo, nem sequer ideológico, mas o meio ponderado, exigente — aquele que resiste à emotividade e se ancora na realidade.

A pandemia ensinou-nos, ou devia ter ensinado, que a histeria colectiva não é boa conselheira. A questão migratória exige agora essa mesma lição: sem tabus, mas também sem ódio. A liberdade — e a civilização — moram nesse equilíbrio precário que os radicais de ambos os lados querem demolir. Mas é lá que vale a pena continuar a construir. Mesmo que seja mais difícil — ou sobretudo por isso.

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(1) https://paginaum.pt/2025/07/19/a-pandemia-da-intolerancia-da-covid-a-imigracao-nao-ha-adversarios-apenas-inimigos?fbclid=IwY2xjawLoi9JleHRuA2FlbQIxMABicmlkETBkSkJEd1JhNGU0cHVMRHRyAR5w30xRSHeJju23j-X5Ogd-A22VCgdFZwAtfGg3r9Z_0KLeGVuklhXgx9XtyQ_aem_C9gqw-Kes-SPcUtJeIJmjw

sexta-feira, julho 18, 2025

#TOLERÂNCIA201 - INTOLERÂNCIA ÀS MEMÓRIAS

 #TOLERÂNCIA201 - INTOLERÂNCIA ÀS MEMÓRIAS

Na entrevista que dá à revista Chimères (n.º 106, de 2025), de que falei há pouco tempo (#TOLERÂNCIA197), a psicanalista Zorka Dormić fala do livro "A guerra não tem rosto de mulher", de Svetlana Alexijevich (nascida em 1948), publicado em 1985, em russo. A escritora veio depois a ganhar o Prémio Nobel da Literatura em 2015.

Baixei da Internet uma versão espanhola do livro. A autora bielorrussa procura dar voz a centenas de mulheres que serviram no Exército Vermelho, durante a 2.ª Grande Guerra, como atiradoras, condutoras

de tanques, enfermeiras e 'partisans' (membros da Resistência). A edição que baixei não diz a data, deverá ser de 1988. "Folheei" o livro no ecrã do computador, li trechos aqui e ali.

Este chamou-me especialmente a atenção, é que falava de Tolerância. Faz parte do testemunho de Valentina Pávlovna Chudaeva, sargento, comandante numa unidade de artilharia:

(Pedi a um 'chatbot', o Grok, que fizesse a tradução do espanhol para português de Portugal)
"No Dia da Vitória, eu estava na Prússia Oriental. Há dois dias que tínhamos calma, ninguém disparava. De repente, à noite, soaram os alarmes: «Alerta aéreo!». Levantámo-nos num salto. E logo se ouviram os gritos: «Vitória! Capitulação!». A parte da capitulação não percebemos muito bem, mas a da Vitória, essa apanhámo-la logo: «A guerra acabou! A guerra acabou!». Todos começaram a disparar com o que tivessem à mão: metralhadoras, pistolas... canhões... Um enxugava as lágrimas, outro dançava: «Estou vivo! Estou vivo!». Um terceiro atirou-se ao chão e abraçava, abraçava a areia, as pedras. De alegria... Eu estava ali a pensar: «Se a guerra acabou, o meu pai já não vai voltar para casa, nunca mais». A guerra tinha acabado... Depois o comandante ralhou connosco: «Não vão para casa até compensarem o custo de todos os projécteis. Mas o que fizeram? Quantos projéteis dispararam?». Achávamos que a partir daí no mundo reinaria sempre a paz, que ninguém iria querer outra guerra, que devíamos destruir todos os projécteis. Para que serviriam agora? Estávamos cansados de tanto ódio. De disparar.

"Que vontade tinha de voltar para casa! Apesar de o meu pai não estar lá, nem a minha mãe. A casa é algo superior às pessoas que a habitam, e superior à própria casa. É algo... As pessoas precisam de ter uma casa... Agradeço à minha madrasta, que me recebeu como uma mãe. Depois disso, chamava-lhe «mãe». Estivera à minha espera, esperou-me muito tempo. E isso apesar de o chefe do hospital lhe ter enviado uma carta a explicar que me iriam amputar uma perna, que me devolveriam como inválida. Queriam prepará-la. Prometiam-lhe que era temporário, que depois me levariam para... Mas ela queria que eu vivesse com ela...

"Aos dezoito ou vinte anos fomos para a frente, voltámos aos vinte ou vinte e quatro. Primeiro vivemos alegria, depois medo: o que faremos quando formos civis? Medo da vida em paz... As minhas amigas tinham acabado os estudos, mas o que éramos nós? Uns inadaptados sem profissão. Só sabíamos fazer a guerra, a única profissão que dominávamos era a guerra. Que vontade tínhamos de nos livrar da maldita guerra! Rapidamente arranjei o meu capote, que me serviu para fazer um casaco, e mudei-lhe os botões. Vendi as botas militares num mercado e comprei uns sapatos. Vestia um vestido e banhava-me em lágrimas. Não me reconhecia no espelho, em quatro anos não tiráramos as calças. Teria coragem de confessar que fui ferida, que tinha lesões? Se o reconhecesses, depois ninguém te dava trabalho, ninguém queria casar contigo. Calávamo-nos. Não confessávamos a ninguém que tínhamos combatido. No máximo, mantínhamos contacto entre nós, trocávamos cartas. Passaram pelo menos trinta anos até começarem a prestar-nos homenagens... A convidar-nos para palestras... No início escondíamo-nos, nem mostrávamos as nossas condecorações. Os homens usavam-nas, as mulheres não. Os homens eram os vencedores, os heróis; os namorados tinham feito a guerra, mas a nós olhavam-nos com outros olhos. De modo muito diferente... Roubaram-nos a Vitória, sabes? Discretamente trocaram-na pela simples felicidade feminina. Não partilharam a Vitória connosco. Era injusto... Incompreensível... Porque na frente os homens tratavam-nos muito bem, protegiam-nos sempre. Na vida normal nunca mais vi um tratamento assim. Durante a retirada, às vezes deitávamo-nos para descansar, diretamente no chão, e eles davam-nos os capotes e ficavam em mangas de camisa: «Temos de tapar as raparigas... As miúdas...». Se encontravam um pedaço de gaze, de algodão, ofereciam-no: «Fica com isto, pode ser útil...». Partilhavam connosco o último biscoito. Neles só víamos bondade e calor humano. O que aconteceu depois da guerra? Calo-me... Calo-me... O que nos impede de recordar? Será a intolerância às recordações..."

Ui! Que testemunho!... Que riqueza de temas de conversa e reflexão!

Vem-me à cabeça o assunto dos trabalhos monográficos das minhas aulas de Psicologia. Quantos e quantos alunos me falavam dos seus avós que tinham estado na Guerra do Ultramar e que não falavam, recusavam-se a falar, do tempo que estiveram na guerra em África. Pois, também eles se confrontavam com a intolerância às recordações.

A incluir este excerto como texto-gatilho duma sessão à volta da Tolerância, será para ser incluído numa fase adiantada dum grupo envolvido numa formação extensiva. Inclui-lo numa sessão dum grupo esporádico (numa escola, por exemplo), o trecho pede, no mínimo, duas horas de aulas, os tradicionais 50 +50 minutos.

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#TOLÉRANCE196 (français) - PROFIL INTERNATIONAL DE LA TOLÉRANCE

#TOLÉRANCE196 - PROFIL INTERNATIONAL DE LA TOLÉRANCE Après Amora, à Unisseixal, l'après-midi du 10, avec un public majoritairement composé d'étudiants de l'université sénior, ce fut à Mação, hier matin 12, qu'un public essentiellement formé de professionnels de médecine et soins infirmiers, de psychologie, et de divers domaines de la Culture et de la Gestion Municipale produisit le premier profil international de la Tolérance. Également dans le cadre de la IIIe RENCONTRE DE SOLIDARITÉ INTERGÉNÉRATIONNELLE, qui se déroula sous la devise "Éducation et Santé, Valeurs de Transmission Intergénérationnelle". Dans le compte-rendu de la journée d'hier de cette saga (#TOLÉRANCE195), j'avais écrit une sorte de procès-verbal du panel où je fis ma communication
"L'Éducation de la Tolérance" (en français). Comme promis, voici maintenant des nouvelles du profil de la Tolérance qui commença à se construire dans le panel "Humanisme". Je dis "commença" car il n'y eut seulement le temps de produire la première phase de toute la dynamique du Tri Successif (on ne comptait pas à l'origine que quelque chose de plus puisse arriver). Comme ce rapport sera long, je passe immédiatement à la présentation des données recueillies et à l'esquisse d'une sorte d'analyse systématique des résultats obtenus. Taille de la population étudiée : 48 personnes. Oui, c'est une population, pas un échantillon. Comme je n'ai cessé de le dire, chaque groupe où je réalise cette dynamique de groupe vaut par lui-même, il n'est pas échantillon d'aucun groupe de personnes ou catégorie de personnes. Le profil de la Tolérance construit par un groupe vaut pour ce groupe, ne vaut pas pour un autre, ni par extrapolation, analogie ou toute autre forme de partage ou regroupement de données. Chaque profil naît et meurt dans le groupe qui le produit. Son objectif est de faciliter la discussion entre personnes qui construisent entre elles un univers de référence connu de tous, car ce sont toutes les personnes du groupe qui ont construit ce référentiel commun. On obtint des réponses données par des sujets de 8 pays, parlant 7 langues différentes ; et qui répondirent en 6 langues différentes (dont l'anglais, qui n'est langue officielle d'aucun des 9 pays identifiés : Allemagne, Algérie, Danemark, Espagne, France, Italie, Luxembourg, Pologne et Portugal. Note : la Rencontre eut aussi des participants du Brésil (à distance) et du Cap-Vert (qui n'étaient pas présents au moment de ma communication)). Furent listés 110 concepts différents, pour un total de 249 réponses obtenues. 84 de ces concepts ne furent mentionnés qu'une seule fois (65%). Les mots les plus fréquemment mentionnés (plus de 10 fois) furent : respect (22), acceptation (20), compréhension (18), empathie (14). Les 6 mots les plus fréquemment choisis, par ordre décroissant, sont : "Respect", "Acceptation", "Compréhension", "Empathie", "Amour", "Humanité/Humanisme". Si le dépouillement, le regroupement et le traitement des réponses s'étaient faits en présence des personnes ayant répondu à ma demande, on aurait sollicité leur participation active à certains procédures de clarification, jumelage et simplification, afin de rendre plus agile le passage à la seconde phase du tri successif. Quelques exemples :
5.1) « A répondu "comprendre". Nous avons déjà ici "compréhension". Peut-on considérer que c'est la même chose, peut-on les regrouper ? » Au passage, je demande à qui a répondu "compréhension" : « On garde "comprendre" ou on garde "compréhension" ? ». Il suffit qu'une seule personne n'accepte pas le regroupement pour maintenir les deux formes. Certainement que le niveau suivant du processus de tri choisira l'une ou l'autre forme - mais ainsi on garantit le respect de toutes les sensibilités individuelles.
5.2) Au lieu d'un mot, quelqu'un a écrit une expression ou une phrase. Un exemple : « accepter la diversité des autres ». À nouveau, devant tout le groupe, on demande à l'auteur s'il peut dire la même chose en un seul mot ; et on demande l'aide de tout le groupe, peut-être que quelqu'un suggérera un mot qui sera accepté par l'auteur de l'expression verbale ou phrase. Si on obtient ce mot unique, excellent ! ; si on n'obtient pas ce mot, mais une expression ou phrase plus courte, bien ! ; si on n'y arrive pas, on laisse tel quel pour le niveau suivant du Tri.
5.3) Quelqu'un écrit "écouter", on a déjà écrit au tableau "entendre". À nouveau, les auteurs et éventuellement le groupe sont consultés.
5.4) Quand quelqu'un écrit "supporter", que veut-il dire : porter un poids ? supporter le contact avec quelqu'un ou quelque chose qu'on n'aime pas ? ou apporter un soutien émotionnel à quelqu'un qui en a besoin ?
5.5) Ce n'est qu'après avoir clarifié et simplifié toutes les situations possibles, et après que tout le groupe se soit déclaré bien informé, qu'on passe à la phase suivante du Tri (comme je l'ai déjà dit bien plus tôt, dans une autre étape de ce voyage, un jour je consacrerai un compte-rendu entièrement à la Méthode du Tri Successif, mais ce n'est pas l'objet du présent compte-rendu).
5.6) "Humanisme" et "Humanité" sont-ils la même chose ? Que les auteurs nous éclairent... On maintient les deux ou on n'en garde qu'un ? Nous savons déjà que si on maintient les deux, le second niveau du tri successif déterminera lequel aura la préférence du groupe, il n'est pas nécessaire de prendre une décision à ce stade, que ce soit une décision autoritaire (du conducteur de la session) ou démocratique (vote du groupe).
5.7) Analyse Qualitative : Les données recueillies sont encore peu nombreuses, mais comme notre objectif est la réflexion et l'apprentissage, spéculons, avançons dans une hypothétique analyse qualitative. Nous ne nous engageons pas avec elle, nous lançons seulement des pistes d'analyse d'événements, de productions individuelles et de groupe ; nous stimulons notre capacité d'observation, d'interprétation et d'analyse ; nous ajoutons des mots, concepts, termes à notre vocabulaire, vocabulaire personnel et commun (partagé), promouvant ainsi la possibilité de mieux nous comprendre les uns les autres.
5.7.1) Analyse Qualitative - Noyau Sémantique Principal : les mots les plus récurrents sont liés à trois axes principaux (les désignations sont complètement arbitraires, informées par l'expérience de commerçant expérimenté que j'ai déjà invoquée dans le Profil de Tolérance d'Amora, dans le compte-rendu #TOLÉRANCE193 ; et sans souci de m'y lier dans une sorte de cohérence conceptuelle interne) : 1er axe : Relations interpersonnelles : respect, empathie, amitié, écoute, solidarité, compassion. 2ème axe : Ouverture à l'autre : acceptation, compréhension, ouverture, différences, diversité. 3ème axe : Vertus morales : patience, amour, humanité, humilité.
5.7.2) Analyse Qualitative : Valeurs Cognitives et Réflexives : des mots comme "connaissance", "éducation", "intelligence", "réflexion", "curiosité" et "argumenter" suggèrent que pour certains, la tolérance est aussi une construction rationnelle et critique, pas seulement émotionnelle. Êtes-vous d'accord avec moi ?
5.7.3) Analyse Qualitative : Mentions de Concepts Sociaux ou Politiques : des termes comme "égalité", "droits humains", "racisme", "immigration", "société", "diversité", "inclusion", "universalité" démontrent que la tolérance est aussi perçue comme une question sociale et politique, liée à la justice et à la coexistence dans la diversité. Encore une fois : êtes-vous d'accord avec moi ?
5.7.4) Analyse Qualitative : Termes Ambiguës ou Surprenants : "indifférence" et "ignorer" apparaissent comme des interprétations possibles de la tolérance comme distance émotionnelle, ce qui contraste avec le reste. Des termes comme "mais-oui", "en extinction" et "monopole" suggèrent des perceptions critiques ou ironiques du concept. Enfin, "non-négativiste" ou "respect de soi" montrent que certaines personnes interprètent la tolérance aussi comme une posture interne, ou même comme des limites de la tolérance. Qu'en pensez-vous ?
5.7.5) Une audace spéculative : étant donné que le groupe est international et d'âge moyen élevé, pourrait-il y avoir une tendance plus humaniste et relationnelle, avec un fort poids de valeurs classiques comme "respect", "acceptation" et "amour" ? Et que la diversité culturelle contribue à l'amplitude sémantique observée (beaucoup de mots uniques) ?
5.7.6) Une autre audace spéculative : l'âge moyen étant élevé, et beaucoup de personnes ayant vécu des tragédies européennes (guerres coloniales - France et Portugal -, la chute du Mur de Berlin et l'effondrement de l'Union Soviétique, la guerre dans les Balkans ; et encore les échos de la 2ème Guerre Mondiale), certaines réponses pourraient-elles être inspirées par des expériences personnelles accumulées avec des conflits, réconciliations, coexistence intergénérationnelle et interculturelle, comme des termes comme "sagesse", "discipline", "éducation", "limites" pourraient le suggérer ? Voilà, je ne vais pas poursuivre seul, sans interlocuteurs pour interagir avec moi, des spéculations qui frisent l'illégitimité et l'excès. Pour le reste, ce fut une dynamique de groupe très participative et bien accueillie par l'ensemble de cette intéressante mosaïque de peuples européens, sautant de pays en pays, de région en région, non en voyages touristiques, mais en méritoires et volontaires actions d'aide sociale et clinique (médico-sanitaires, psychologiques) curatives, palliatives, mais aussi, pour beaucoup, préventives. À tous les participants, mes vifs et affectueux remerciements. Merci à vous !

quinta-feira, julho 17, 2025

#TOLERÂNCIA200 - SOBRE O TREINO DA TOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA200 - SOBRE O TREINO DA TOLERÂNCIA

"Alguns irmãos que visitavam um santo ancião que vivia num lugar deserto depararam-se com algumas crianças à volta do seu mosteiro que estavam a guardar [animais] e a fazer comentários impróprios. Depois de revelarem ao santo homem os seus 'logismoi' [termo grego que significa pensamentos /impulsos /tentações intrusivos na mente, que podem levar a comportamentos condenáveis] e de terem beneficiado da sua sabedoria, perguntaram-lhe: «Abba [Pai], como é que toleras estas crianças e não lhes dizes para não serem tão barulhentas e inconvenientes?» O ancião respondeu: «De facto, há dias em que gostaria de lhes dizer [isso], mas repreendo-me a mim mesmo, dizendo-me: 'Se não consigo suportar este pequeno [incómodo], como poderei resistir a uma tentação grave se ela se abater sobre mim?' Por isso não lhes digo nada, para assim me fortalecer e conseguir tolerar as coisas mais sérias e difíceis que me sobrevenham.»

O parágrafo anterior contém um dito/feito dos Padres do Deserto (peguei-o no "The Anonymous Sayings
of the Desert Fathers" a Select Edition and Complete English Translation por John Wortley, Cambridge University Press, 2013).

Penso que o texto pode animar uma sessão de dinâmica de grupo à volta do tema da Tolerância, e proponho três linhas de exploração da história:

1) Chamando a atenção (a partir da atitude do velho sábio) para a evidência de que a Tolerância não está adquirida uma vez por todas, mas que precisa de ser treinada, sugerir que, em 2-3 minutos, cada participante escreva num papel uma situação do dia-a-dia que os irrite habitualmente. A seguir, cada um lê ao grupo o que escreveu. A tarefa do grupo consiste em os participantes proporem-se reciprocamente maneiras de transformar os incómodos apresentados em treino de Tolerância ou Paciência.

2) Com base no exemplo do santo ancião, que em vez de repreender as crianças se repreende a si mesmo, que estratégias pode cada um usar para autorregular as emoções, os sentimentos e os impulsos, antes de agir? (É novamente o grupo que reciprocamente sugere a um e a todos tais estratégias)

3) As crianças do texto estão fora do mosteiro, estão "à volta do seu mosteiro". Desafio para o grupo: como equilibrar a aceitação do outro (por ex: diferenças pessoais, de idade, barulho, linguagem rude) com limites saudáveis numa relação de vizinhança?

Bem, muito mais coisas se poderiam explorar, mas a nossa sessão é de apenas uma hora. Para outras coisas, precisaremos de mais horas. Assim elas surjam.

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quarta-feira, julho 16, 2025

#TOLERÂNCIA199 - TOLERÂNCIA POR FRAQUEZA

#TOLERÂNCIA199 - TOLERÂNCIA POR FRAQUEZA

A edição de hoje do Jornal de Letras é uma edição de grande angústia. Por causa do iminente desaparecimento, da morte, da revista. Mas não é dessa morte de que eu quero falar.

O tema principal da revista é a reedição do diário de Vergílio Ferreira. Lá dentro, na página 11, alguns excertos dos diário do escritor, sendo o primeiro o registo de 1 de Fevereiro de 1969. Passo a transcrevê-lo:

«Fiz cinquenta e três anos há dias. Como é obvio, não acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz cinquenta e três anos. É aliás uma idade inverosímil a minha, desde os cinquenta. A “vergonha” da idade (que não tenho) deve vir daí. E lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afectando? Admiro os que o conseguiram, desde a juventude. Nunca fui

capaz. Creio que por pudor, digamos, falta de coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto não. Mesmo que não falemos de nós (é-me difícil falar de mim). Aliás como os outros, desconheço-me. Talvez, também porque me evito. A verdade é que, quando me encontro bem pela frente, reconheço-me intragável. Mas enfim as virtudes são também desgostantes. De resto, sou pouco abonado. Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo raízes viciosas: tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por vaidade e coisas assim. Não digo que aconteça isso com todas as ditas virtudes; mas com algumas deve ser verdade. Chega. O meu “diário” está nas centenas de cartas aos amigos. Lembro as ao Lima de Freitas. L. Albuquerque, Costa Marques, Mário Sacramento, Eduardo Lourenço, alguns mais. Em todo o caso, essas mesmas, falsas. Excepto talvez quando sobre coisas “sérias”. E ainda aí há quase sempre um disfarce ou o tempero do gracejo. Serei agora capaz? Tento. Seguro-me ao argumento de que me dá prazer ler os registos dos outros. Lêem-se sempre com curiosidade. Um motivo para insistir – satisfazer a curiosidade dos outros. Mas terei eu “outros”?»

"Tolerância por fraqueza", reconhece Vergílio Ferreira. Mas será que reconhece mesmo?... Duvido. Bem, não estou capaz de grandes análises, nem o quero fazer. Até porque não sou conhecedor profundo do escritor, nem da sua obra ficcional, nem dos seus diários.

Mas ele também nos avisa, se calhar, para não o levarmos muito a sério. São estratégias de autor dizer que não acredita que tem 53 anos e que isso é apenas a opinião do Registo Civil. E quanto às virtudes, essas coisas boas são... más, são desgostantes. No que diz respeito à tolerância, "nem sou eu quem diz  que ela é fraqueza, quem o diz é a minha Regina".

Pronto, está bem, caro escritor, andarás carregado de amarguras, de descontentamentos, até talvez te comprazas numa certa mortificação interior. Seja. Não sei...

Para ficares satisfeito, informo-te que, sim senhor, vou guardar este texto para uma sessão de trabalho da formação de longa duração sobre a tolerância.

Na tese de doutoramento "De Conta Corrente aos diários Pensar e Escrever de Vergílio Ferreira", de Célia Maria Costa Pinto, de 2013, a autora fala com frequência da Tolerância. Quando chegar a tal sessão na formação de longa duração, espero já ter lido a tese toda. Mas suspeito já que nos vai ser pedida tolerância para tanta amargura e descontentamento...

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terça-feira, julho 15, 2025

#TOLERÂNCIA198 - TOLERÂNCIA E TEMPERANÇA

#TOLERÂNCIA198 - TOLERÂNCIA E TEMPERANÇA

Jean-Pierre Demange é um psicólogo francês, especialista em adictologia, com uma longa carreira na intervenção clínica médico-social. Conheci-o durante a pandemia, participando em webinares internacionais animados por ele e, em Portugal, pelo psiquiatra Luís Patrício.

O nosso contacto foi-se aprofundando e foi-se enchendo de afecto que ambos prezamos. Ele tem um sentido de humor desarmante que obriga os seus interlocutores a pensar e... e a rirem-se. É exigente consigo mesmo e também com os outros "psi's", sejam do lado da Psiquiatria ou da Psicologia.

Assume que as suas referências teóricas são W.R. Bion, D.W. Winnicott, J. Bergeret e F. Roustang. Conheci-o já ele era presidente da rede europeia T3E (Toxicomanies-Europe-Echanges-Etudes).

É cidadão de intervenção activa, e fez parte do grupo internacional que o dr. Luís Patrício conseguiu juntar em Mação após os trágicos incêndios de 2017, com o objectivo de chamar a atenção dos governantes portugueses, e do Mundo, para a bem sofrida região; e, por outro lado, foi também uma maneira de promover a revitalização de algumas actividades económicas locais, nomeadamente as ligadas à hotelaria e à restauração. Nessa altura, a rede T3E, já liderada por Jean-Pierre Demange, envolveu-se nessa iniciativa, que foi designada por "I Encontro Internacional de Solidariedade Intergeracional", que teve lugar, então, em Mação, em Setembro de 2018. Depois aconteceu o II Encontro em Setembro de 2023.

Por último, teve lugar o III Encontro de Solidariedade Intergeracional, que acaba de acontecer, nos dias 11 e 12 deste mês.

Foi neste Encontro que, como deixei escrito nos 3 últimos relatos desta saga, fui falar da Pedagogia da Tolerância. Jean-Pierre Demange já tinha feito parte do pequeno grupo que, num dos webinares em francês que à volta da T3E se têm vindo a realizar, me ouviu falar da Tolerância.

Já nessa altura, o meu colega psicólogo falou da sua preferência do conceito de Temperança em vez da centralidade do conceito de Tolerância. Agora, em Mação, no dia 12, depois de outra vez me ouvir, outra vez me sugeriu especial atenção à ideia da Temperança. No jantar celebrativo que ainda nesse dia fizemos, prometi-lhe que tão depressa quanto me fosse possível, me ocuparia da Tolerância e da Temperança. Aqui estou a cumprir a promessa.

De acordo com o "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa", de José Pedro Machado, a raiz de "temperança" (uma virtude ou qualidade) encontra-se no verbo latino 'tempĕräre', que entre os seus significados incluía os de "moderar, temperar, equilibrar".

Quanto à Tolerância (uma qualidade), mesmo que numa das primeiras etapas desta viagem eu tenha parado na estação da etimologia da Tolerância, e de maneira a facilitar a comparação entre ambos os conceitos, junto o que o mesmo dicionário de José Pedro Machado diz acerca da Tolerância: s. Do lat. 'tolerantĭa', «constância a suportar, resistência; paciência»

Vamos então fazer a abordagem exploratória, a primeira, acerca da Temperança e da Tolerância e do que uma pode ter a ver com a outra; e, finalmente, o que as distingue ou contrasta.

A temperança e a tolerância são "qualidades" que se caracterizam pelo equilíbrio e moderação que ambas exigem — esta é, portanto, a primeira forma por que se relacionam. O que as distingue ou contrasta será o domínio de actuação: a Temperança é uma qualidade que a pessoa faz actuar de si para si-própria, ao passo que a Tolerância é (nesta altura da viagem já sabemos que estou a falar apenas da forma mais elementar de Tolerância) uma qualidade que a pessoa faz actuar de si para os outros. Podemos dizer "autodomínio 'versus' relacionamento".

A Temperança refere-se ao controle sobre os próprios apetites, desejos e impulsos, especialmente em relação a prazeres excessivos (como comida, bebida ou luxúria); e das emoções e sentimentos.

    A Tolerância refere-se à capacidade de aceitar diferenças nos outros, mesmo quando discordamos ou nos incomodam.

    A moderação é o princípio que desafia a Temperança e a Tolerância. No caso da Temperança, procura-se moderar o excesso, o desbragamento; ou a repressão excessiva, espartana e inibidora de motivações, desejos e apetites legítimos. No caso da Tolerância, procura-se moderar as reacções impulsivas de rejeição de opiniões, comportamentos, pessoas e grupos de pessoas (assim promovendo a discriminação e a exclusão); ou de aceitação absolutamente passiva, permissiva e conivente, sem sentido crítico, da arbitrariedade e os excessos dos outros.

      Pode-se dizer que sem temperança uma pessoa pode reagir com raiva, sarcasmo ou intolerância. Entretanto, com temperança a mesma pessoa consegue conter a impulsividade, reflectir, escutar — e, assim, praticar a tolerância com mais autenticidade.

      Como primeira conclusão da primeira incursão, exploratória, na estação da relação entre a Temperança e a Tolerância, proponho assumirmos que a temperança é um alicerce do equilíbrio psico-afectivo, interno, da pessoa, alicerce que tem em si o precioso potencial de fortalecer a expressão da tolerância na dinâmica sócio-afectiva, externa, da pessoa com os outros.

      Sem a moderação da temperança, a tolerância torna-se um esforço muito mais difícil. Será que o meu estimado amigo Jean-Pierre Demange concorda que eu diga que a temperança é a disciplina interna que capacita a aceitação externa que é a tolerância?

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      segunda-feira, julho 14, 2025

      #TOLERÂNCIA197 - TOLERÂNCIA: EDUCAÇÃO 'VERSUS' INVESTIGAÇÃO

      #TOLERÂNCIA197 - TOLERÂNCIA: EDUCAÇÃO 'VERSUS' INVESTIGAÇÃO

      Haverá uma tolerância no feminino e outra no masculino?

      Faço esta pergunta a partir da pergunta que Zorka Domić me fez no final do painel Humanismo do III Encontro Intergeracional, no sábado passado: se, no âmbito da construção dos perfis de Tolerância que eu tinha obtido junto dos alunos, os resultados dos rapazes e das raparigas, os resultados duns e outros, eram diferentes.

      Zorka Domić é psiquiatra e psicanalista. É profunda conhecedora dos comportamentos e patologias

      ligadas à coca e à cocaína. Pertence ao comité redactorial da revista de psicanálise Chimères, tendo nela publicado diversos artigos É autora de livros sobre adictologia e psicanálise.

      No último número, até à data, da revista Chimères, o n.º 106, já de 2025, lê-se, na entrevista que Zorka dá a Franz Himmelbauer, em 20 de Janeiro também deste ano, «Cresci na Bolívia a falar espanhol e também tinha aprendido algumas palavras de servo-croata com a família do meu pai, imigrante jugoslavo na Bolívia, depois fui estudar Medicina em Moscovo, portanto, em russo, e finalmente estabeleci-me em França, onde trabalhei em Marmottan com o dr. Olievenstein. Mas aconteceu-me também dar consultas em português (brasileiro) e italiano. Em suma, juntei-me à equipa da Europa Central do centro Minkowska.»

      O aperto de horas (a pressão do almoço organizado à nossa espera e a densidade de trabalhos da parte da tarde) tirou-me a oportunidade de responder à querida amiga Zorka. Vou tentar responder agora:

      1) A questão que a psicanalista Zorka me põe é bastante pertinente, e desafia a coerência interna da minha comunicação no Encontro, "A Pedagogia da Tolerância". Na parte final da comunicação, eu digo, a propósito da "Condução Pedagógica" da educação da Tolerância, que devemos dizer «Sim!» ao acolhimento de estereótipos e preconceitos: se melhor os conhecermos, melhor os entendemos; se melhor os entendermos, melhor os ajustaremos; se melhor os ajustarmos, melhor respeitaremos as diferenças; se melhor respeitarmos as diferenças, melhor conviveremos uns com os outros.

      2) De certeza, de certeza certezinha, que quando qualquer um de nós pensa nas respostas das raparigas e nas respostas dos rapazes uma configuração mental se assume à consciência. Qualquer que ela seja, está informada por estereótipos e preconceitos, sejam favoráveis ou desfavoráveis. É a partir deles que, em pensamento quase automático, nos inclinamos para tolerância mais presente num ou noutro sexo — e até adivinho para qual deles o pensamento é mais favorável... Adivinho, mas não digo. Repito, qualquer resposta que desse, estaria marcada pelos meus estereótipos e preconceitos pessoais.

      3) Quando peço aos alunos (nas suas turmas escolares) e aos membros das minhas audiências (nas palestras, conferências ou formação de professores) a tal lista de 6 palavras que associem ao conceito de Tolerância, não peço mais nada: nem idade, nem sexo, nem curso, nem profissão, nada. A ideia é tentar que a pessoa responda o mais livremente possível, sem que se sinta inibida com a possibilidade de alguma identificação pessoal comprometedora.

      4) Como tenho repetidamente afirmado, a ideia de Tolerância, nas dinâmicas de grupo que realizo, é circunstancial, vale exclusivamente para aquele universo de pessoas; e esse universo de pessoas não representa ninguém fora dele. Estou a dizer que, por exemplo, os resultados da turma do 12.º H1, com 24 alunos, não devem ser extrapolados para as outras turmas do 12.º ano da escola, e muito menos para o universo de alunos do 12.º ano do concelho de Lisboa, do distrito de Lisboa, ou do País inteiro. Um grupo é um universo. Podemos comparar universos — quer dizer, podemos comparar diferenças e similitudes — mas não devemos amalgamá-los ou tirar-lhes a média. Na verdade, ao estarmos a comparar os pequenos universos (as turmas), não estamos já a fazer a Pedagogia da Tolerância, olhando as diferenças entre os grupos, compreendendo-as e aceitando-as? No mínimo, discutindo-as com cordialidade e respeito, tomando consciência de estereótipos e preconceitos?

      5) Ora, a pergunta da Zorka não está, de modo nenhum, a dizer que o meu procedimento está errado ou é insuficiente. O que a psiquiatra multi-pátria ou apátrida (na entrevista ao Chimères, ela diz: «O meu pai foi da Croácia para a Bolívia, por isso eu conhecia esse país, ele era um pouco como uma das minhas pátrias — eu tenho várias pátrias, ou não tenho nenhuma, é como preferires.») me estava a dizer, na verdade, não era uma correcção ou ajustamento no meu procedimento; isso sim, estava a fazer-me uma proposta, um desafio, de investigação. Ora bem, precisamente, acção pedagógica é uma coisa, trabalho de investigação psicológica, sistemática, é outra.

      6) Se refiro a condição multi- ou apátrida de Zorka Domić, é porque considero que essa condição pessoal lhe permite uma sensibilidade especial para as diferenças, e só se põe a questão da Tolerância à volta das diferenças, as diferenças que se aceitam ou se excluem, que se valorizam ou se depreciam.

      7) Como posso eu aceitar ou acrescentar a mais-valia (Sim, considero-a uma mais-valia) que a Zorka me propõe, sem que essa mais-valia interfira negativamente com o clima emocional, a ambiência afectiva, de serenidade, confiança e sem receio de censura, que pretendo que alimente as dinâmicas de grupo de construção dos perfis da Tolerância? Para já, numa primeira tentativa de resposta, o que me vem à cabeça é responder que vou testá-la em próximas oportunidades, pedindo aos sujeitos que indiquem a idade e o sexo (eventualmente, outros dados, tais como a nacionalidade e a língua materna). Mas atenção! Que indiquem livremente, sem carácter de obrigatoriedade! Indica apenas quem quiser! Se, mesmo assim, com essa liberdade de indicação de dados pessoais, me parecer que tal pedido é constrangedor ou inibidor da espontânea, serena e confiante participação dos sujeitos, retiro-a, e voltarei ao anonimato tão completo quanto possível. Nessa caso, a investigação psicológica terá de procurar outras vias.

      8) Querida Zorka, que te parece? E todos os demais podem dizer aqui o que quiserem, tenham ou não tenham estado nas dinâmicas da Amora e de Mação. Muito grato lhes ficarei.

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      domingo, julho 13, 2025

      #TOLERÂNCIA196 - PERFIL INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA

      #TOLERÂNCIA196 - PERFIL INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA

      Depois da Amora, na Unisseixal, na tarde do dia 10, com uma audiência maioritariamente formada por alunos da universidade sénior, foi em Mação, na manhã de ontem, dia 12, que uma audiência composta essencialmente por profissionais da Medicina e Enfermagem, da Psicologia, e de diversas áreas da Cultura e da Gestão Autárquica produziu o primeiro perfil internacional da Tolerância. Também no âmbito do III ENCONTRO DE SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL, que correu sob o lema "Educação e Saúde, Valores de Transmissão Intergeracional. No apontamento da jornada de ontem desta saga (#TOLERÂNCIA195), escrevi uma espécie de acta do painel em que fiz a minha comunicação "A Educação da Tolerância" (em francês).

      Como o prometido é devido, trago agora notícia do perfil da Tolerância que no painel "Humanismo" se começou a construir. Digo começou porque houve apenas tempo para se produzir a primeira fase de toda a dinâmica da Triagem Sucessiva (nem qualquer coisa mais se contava à partida que pudesse acontecer). Como este relato vai ser longo, passo imediatamente à apresentação do apuramento de dados e ao esboço duma espécie de análise sistemática dos resultados obtidos.

      1) Tamanho da população estudada: 48 pessoas. Sim, é população, não é amostra. Como tenho insistido em dizer, cada grupo em que realizo esta dinâmica de grupo vale por si mesmo, não é amostra de qualquer grupo de pessoas ou categoria de pessoas. O perfil da Tolerância construído por um grupo vale para esse grupo, não vale para outro, nem por extrapolação, analogia ou qualquer outra forma de partilha ou agrupamento de dados.

      Cada perfil nasce e morre no grupo que o produz. O seu objectivo é facilitar a discussão entre pessoas que constroem entre si um universo de referência que é do conhecimento de todos, porque foram todas as pessoas do grupo que construíram esse referencial comum.

      2) Obtiveram-se respostas dadas por sujeitos de 8 países, falantes de 7 línguas diferentes; e que responderam em 6 línguas diferentes (sendo uma delas o inglês, que não é língua oficial de nenhum dos 9 países identificados: Alemanha, Argélia, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Polónia e Portugal. Nota: o Encontro teve ainda participantes do Brasil (à distância) e de Cabo Verde (que não estavam presentes na altura da minha comunicação)).

      3) Foram listados 110 conceitos diferentes, num total de 249 respostas obtidas. 84 destes conceitos foram mencionados apenas uma vez (65%).

      4) As palavras mais frequentemente mencionadas (mais de 10 vezes) foram: respeito (22), aceitação (20), compreensão (18), empatia (14). As 6 palavras mais frequentemente escolhidas, por ordem decrescente, são: "Respeito", "Aceitação", "Compreensão", "Empatia", "Amor#, "Humanidade/Humanismo".

      5) Se o apuramento, o agrupamento e o tratamento das respostas fosse feito na presença das pessoas que responderam ao meu pedido, solicitava-se a sua participação activa em alguns procedimentos de clarificação, emparceiramento e simplificação, de maneira a tornar mais ágil a passagem à segunda fase da triagem sucessiva. Alguns exemplos:

      5.1) «Respondeu "compreender". Já temos aqui "compreensão". Podemos considerar a mesma coisa, podemos juntar?» Já agora, peço a quem respondeu "compreensão": «Fica "compreender" ou fica "compreensão"?». Basta uma das pessoas não aceitar a junção para se manterem as duas formas. Seguramente que o nível seguinte do processo de triagem optará por uma ou outra forma — mes desta maneira garante-se o respeito por todas as sensibilidades individuais.

      5.2) Em vez duma palavra, alguém escreveu uma expressão ou uma frase. Um exemplo: «aceitar a diferença dos outros». Mais uma vez, perante todo o grupo, se pergunta ao autor se consegue dizer a mesma coisa numa palavra só; e pede-se a ajuda de todo o grupo, pode ser que alguém sugira alguma palavra que seja aceite pelo autor da expressão verbal ou frase. Se se conseguir essa palavra única, óptimo!; se não se conseguir essa palavra, mas uma expressão ou frase mais curta, boa!; se não se conseguir, deixa-se ficar o que está para o nível seguinte da Triagem.

      5.3) Alguém escreve "escutar", já se escreveu no quadro "ouvir". Mais uma vez, os autores e, eventualmente, o grupo, são ouvidos.

      5.4) Quando alguém escreve "suportar" está a querer dizer o quê: carregar um peso?, aguentar o contacto com alguém ou alguma coisa de que se não gosta?, ou dar suporte emocional a alguém que dele necessite?

      5.5) Só depois de todas as situações passíveis de clarificação e simplificação serem esclarecidas, e depois de todo o grupo se dar como bem informado, se passa à fase seguinte da Triagem (como já lá bem para trás, noutra estação desta viagem, eu disse, um dia dedicarei um apontamento integralmente ao Método da Triagem Sucessiva, mas esse não é o foco deste apontamento).

      5.6) "Humanismo" e "Humanidade" são a mesma coisa? Que nos esclareçam os autores... Mantêm-se ambos ou fica um só destes conceitos? Já sabemos que, em mantendo-se ambos, o segundo nível da triagem sucessiva determinará qual deles terá a preferência do grupo, não tem de se tomar uma decisão nesta fase, seja a decisão autoritária (do condutor da sessão) ou democrática (votação pelo grupo).

      5.7) Análise Qualitativa: Os dados recolhidos são ainda poucos, mas como o nosso objectivo é a reflexão e a aprendizagem, vamos especular, vamos avançar numa hipotética análise qualitativa. Não nos comprometemos com ela, apenas vamos lançar pistas de análise de acontecimentos, produções individuais e de grupo; vamos estimular a nossa capacidade de observação, interpretação e análise; vamos acrescentar palavras, conceitos, termos, ao nosso vocabulário, vocabulário pessoal e comum (partilhado), assim promovendo a possibilidade de nos entendermos melhor uns com os outros.

      5.7.1) Análise Qualitativa - Núcleo Semântico Principal: as palavras mais recorrentes estão ligadas a três eixos principais (as designações são completamente arbitrárias, informadas pela experiência de merceeiro experiente que já invoquei no Perfil de Tolerância da Amora, no apontamento #TOLERÂNCIA193; e sem a preocupação de a ele me ligar numa espécie de coerência conceptual interna):

      - 1.º eixo: Relações interpessoais: respeito, empatia, amizade, escuta, solidariedade, compaixão.
      - 2.º eixo: Abertura ao outro: aceitação, compreensão, abertura, diferenças, diversidade.
      - 3.º eixo: Virtudes morais: paciência, amor, humanidade, humildade.

      5.7.2) Análise Qualitativa: Valores Cognitivos e Reflexivos: palavras como conhecimento, educação, inteligência, reflexão, curiosidade e argumentar sugerem que, para alguns, tolerância também é uma construção racional e crítica, não apenas emocional. Concordam comigo?

        5.7.3) Análise Qualitativa: Menções a Conceitos Sociais ou Políticos: termos como igualdade, direitos humanos, racismo, imigração, sociedade, diversidade, inclusão, universalidade demonstram que a tolerância é também percebida como uma questão social e política, ligada a justiça e convivência em diversidade. Mais uma vez: concordam comigo?

        5.7.4) Análise Qualitativa: Termos Ambíguos ou Surpreendentes: indiferença e ignorar surgem como possíveis interpretações de tolerância como distanciamento emocional, o que contrasta com o restante. Termos como pois-pois, em extinção e monopólio sugerem percepções críticas ou irónicas do conceito. Finalmente, não-negativista ou respeito por si mostram que algumas pessoas interpretam tolerância também como postura interna, ou mesmo limites da tolerância. O que acham disto?

        5.7.5) Uma ousadia especulativa: dado que o grupo é internacional e com média etária elevada, será que pode haver uma tendência mais humanista e relacional, com forte peso em valores clássicos como "respeito", "aceitação" e "amor"? E que a diversidade cultural contribua para a amplitude semântica observada (muitas palavras únicas)?

        5.7.6) Outra ousadia especulativa: sendo a média de idades elevada, e sendo que muitas das pessoas viveram na pele tragédias europeias (guerras coloniais - França e Portugal -, a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, a guerra nos Balcãs; e ainda os ecos da 2.ª Grande Guerra), estarão algumas das respostas inspiradas em possíveis experiências pessoais acumuladas com conflitos, reconciliações, convivência intergeracional e intercultural, como termos como "sabedoria", "disciplina", "educação", "limites" podem sugerir?

          Pronto, não estique eu, sozinho, sem interlocutores que interajam comigo, a especulações que raiem a ilegitimidade e o excesso.

          De resto, foi uma dinâmica de grupo muito participada e bem acolhida pela generalidade de tão interessante mosaico de gentes europeias, saltitando de país em país, de região para região, não em viagens turísticas, mas em meritórias e voluntariosas acções de ajuda social e clínica (médico-sanitárias, psicológicas) curativas, remediadoras, mas também, muitas delas, preventivas.

          A todos os participantes o meu muito vivo e afectuoso agradecimento. Bem-hajam!

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