#TOLERÂNCIA256 - QUANDO MAIS NÃO SE PODE, CADA UM FAZ O QUE PODE
Atravessamos dias de pico no sentimento de aflição, angústia e tragédia com o que nos entra pela casa dentro nos noticiários dos canais de televisão dedicados às notícias dos acontecimentos nos países e do estado do mundo: mais um país soberano, o Catar, foi bombardeado por Israel; drones de guerra russos caíram em solo polaco e provocaram danos (a maioria foi interceptada pela Defesa polaca); um 'influencer' muito chegado a Donald Trump foi assassinado a tiro num 'campus' universitário — ironia do destino, tal 'influencer' tinha afirmado «Acho que vale a pena ter um custo, infelizmente, de algumas mortes por armas de fogo todos os anos, para que possamos ter a Segunda Emenda para proteger os nossos outros direitos concedidos por Deus. É um acordo prudente. É racional.»
Sobretudo a seguir ao encontro entre Trump e Putin no Alasca, surgiram muitas expressões de paralelismo com a esperança oca que o encontro entre Chamberlain e Hitler em 1938 trouxe. Chamberlain, à saída do avião, em Londres, acenava, com grande contentamento a carta de compromisso assinada por Hitler. Mas depois foi o que foi, no ano logo a seguir: a maior tragédia mundial na História da Humanidade.
Não sou analista político, nem comentador televisivo "especialista" destas coisas. Ao tempo de Chamberlain e Hitler também os havia. Não sei qual ou quais estavam a pensar bem, agora também não sei quais são.
Andamos com o credo na boca temendo o pior, mas não podemos ficar paralisados. Por isso me pareceu especialmente inspirador este trecho duma notícia do "Le Monde" de hoje. O artigo tem por título "O Santuário Americano dos Livros Banidos", e dá destaque a esta afirmação que, no meu entender, traz uma proposta lúcida, mobilizadora e, apesar de tudo, tranquilizadora: «Sei que não consigo mudar tudo, mas consigo transformar radicalmente pequeninas coisas se concentrar nelas todas as minhas forças.»
A primeira quinta parte do texto diz assim: «Lauren Groff nunca chorou tanto como na noite de 5 de Novembro de 2024 e no dia que se seguiu. «Foi terrível», recorda ela, durante um encontro em Paris no início do Verão. «Acho que assustei os meus filhos, que nunca me tinham visto num estado de tal abatimento e pavor.» Mas como não entrar em colapso, naquela noite eleitoral presidencial tão
crucial?
Como não estremecer perante a ideia de que se abria então uma página funesta da história dos Estados Unidos? «Porque eu sabia! Eu conhecia o racismo, o sexismo, a crueldade e a sede de vingança do campo que chegava ao poder. Eu conhecia os ataques ao direito, à ciência, ao conhecimento, à livre expressão. Eu conhecia a prevaricação e a corrupção generalizadas. Havia realmente motivos para ficar devastada.»
»A escritora consagrada — cinco romances de sucesso, três vezes finalista do National Book Award, eleita pela revista Time como uma das 100 personalidades mais influentes de 2024 — tinha votado alguns dias antes, impaciente por fazer ouvir a sua voz. E no fim de semana anterior, tinha animado, no centro de Tampa Bay (Flórida), a duas horas de carro de sua casa, um encontro com Hillary Clinton, que veio apresentar o seu último livro.
»A antiga candidata à Casa Branca tinha detalhado longamente as consequências previsíveis da eleição de Donald Trump, e Lauren Groff tinha regressado a casa extremamente angustiada. Mas mantinha a esperança. Os americanos já tinham experimentado um primeiro mandato de Trump, não iriam certamente atirar-se novamente à boca do lobo. Quanto aos seus amigos progressistas que torciam o nariz à candidata democrata, acusada de complacência para com Israel, eles compreenderiam que Trump era a pior das soluções e que não se devia, de modo algum, boicotar as urnas. «No entanto, foi exactamente o que fizeram», diz ela hoje, com amargura.
»A noite do dia 5, portanto, tinha sido atribulada. Depois, à medida que as sondagens e os resultados anunciavam a vitória provável de Trump, tornou-se francamente dramática. Então, depois de uma noite em claro, Lauren Groff dirigiu-se ao único sítio onde sabia que encontraria consolo: a livraria que ela e o seu marido, Clay Kallman, tinham aberto alguns meses antes no centro de Gainesville, uma localidade de 140 000 habitantes situada no norte da Flórida, sede da sua maior universidade, rodeada de florestas, pântanos e… jacarés.
Uma livraria concebida como «um farol de tolerância e liberdade» num dos estados mais reacionários dos Estados Unidos e que tinha assumido a missão de acolher os milhares de livros banidos das escolas e bibliotecas públicas da Flórida. O seu nome: 'The Lynx' [o Lince], o nome deste felino selvagem comum na região. «Eu queria algo feroz», diz, sorrindo, a mãe de dois adolescentes já crescidos. «E gostei do trocadilho com 'links' [ligações], porque o nosso projecto é construir em torno da livraria uma verdadeira comunidade.»»
Fiz uma pesquisa rápida na Internet (servi-me do 'chatbot' Perplexity.ai), que me fez uma pequena lista das vezes que, ao longo da História da Humanidade, os livros foram considerados perigosos e por isso foram destruídos porque reinava a intolerância e coartava-se a liberdade:
Dinastia Qin na China (213 a.C.): o primeiro Imperador ordenou a queima de obras ligadas à moral e à tradição dos antigos, eliminando pensadores contrários à sua ideologia; o faraó Akhnatón no Egito (c. 1350 a.C.): queima massiva de papiros, extinguindo cerca de 75% da literatura então existente; Biblioteca de Alexandria (várias destruições entre 48 a.C. e século VII): incendiada em diferentes épocas, desde Júlio César até a conquista árabe, resultando na perda de milhares de manuscritos insubstituíveis; destruição da Biblioteca de Bagdad (1258): a invasão mongol devastou a biblioteca central, consumindo vastos acervos científicos e literários islâmicos; queima do Talmude em Paris (1244): manuscritos judaicos foram queimados publicamente, após disputas teológicas; Inquisição Espanhola em Granada (1499): foram destruídos cerca de 5.000 manuscritos árabes considerados heréticos.
Na Era Moderna, fogueira das Vaidades em Florença (1497): livros, obras de arte e cosméticos foram recolhidos e incendiados em praça pública por seguidores de Savonarola; Henrique VIII 'vs' Papa (1536–1550): o conflito religioso resultou na queima de cerca de 300.000 textos católicos na Inglaterra; destruição de Manuscritos Maias e Astecas (Século XVI): conquistadores espanhóis destruíram registros históricos e religiosos dos povos indígenas das Américas; livros de Wilhelm Reich (1956): nos EUA, livros do autor foram queimados por ordem governamental, sob acusação de pornografia; queima de livros por nazis (1933): mais de 20.000 livros considerados “não alemães” foram queimados por estudantes nazis em cerimónias públicas na Alemanha.
Ataques ainda mais recentes e modernos: Biblioteca de Jaffna, Sri Lanka (1981): incendiada por forças paramilitares, destruindo 100.000 volumes e registros raros[tâmil]; Guerra da Bósnia (1992-1995): bibliotecas e arquivos culturais muçulmanos foram queimados em ataques de busca de destruição identitária; queima do Alcorão no Afeganistão (2012): exemplares do livro sagrado islâmico destruídos por soldados estrangeiros; livros comunistas na Era McCarthy, EUA (década de 1950): bibliotecas destruíram publicamente livros ligados ao comunismo; Ditadura de Pinochet no Chile (1973): livros censurados foram queimados após o golpe militar.
Outros Episódios: escritos Budistas nas Maldivas (1153): conversão ao islamismo resultou na destruição de livros budistas e execução de monges; Recaredo I, Rei dos Visigodos (c. 587): ordenou a queima de livros arianos após a sua conversão ao catolicismo.
Fernando Lopes Graça tem nas suas canções heróicas o poema de Carlos Oliveira que diz que «Não há machado que corte a raiz ao pensamento». É, mas, infelizmente, as machadadas tendem a não acabar.
Apetece-me repetir a frase de Lauren Groff: «Sei que não consigo mudar tudo, mas consigo transformar radicalmente pequeninas coisas se concentrar nelas todas as minhas forças.»
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