sexta-feira, novembro 14, 2025

#TOLERÂNCIA320 - A TOLERÂNCIA COM AS TRADUÇÕES

 #TOLERÂNCIA320 - A TOLERÂNCIA COM AS TRADUÇÕES

«Traduttore, traditore.» [Traduzir é trair] é uma afirmação frequentemente associada a Umberto Eco, muito compreensivamente ligada a Umberto Eco, embora a sua origem pareça ser bem mais antiga, aliás, como serão também mais antigas a grande maioria das citações que enchem os discursos, as redes sociais, os tantos livros que há de citações, sejam de um autor só ou de vários autores.

Isto vem a propósito de hoje ter "tropeçado" neste aforismo de Karl Kraus, depois duma breve passagem pela livraria Buchholz: "How imperiously an idiot deals with time! He beguiles it or kills it. And time puts up with it; no one has ever heard of time beguiling or killing an idiot."

A tradução que o Gemini quase automaticamente me entrega é "Com que soberania um imbecil trata o tempo! Ele o seduz ou o mata. E o tempo tolera isso; nunca se ouviu falar que o tempo tenha seduzido ou matado um imbecil." (Pergunto-me se não ficaria melhor sobranceria em vez de soberania, mas adiante...) É claro, assim que apareceu a palavra Tolerância, eu fiquei agarrado.

Fui à procura da forma original, em alemão da Áustria. Encontrei assim: "Wie souverän doch ein Dummkopf die Zeit behandelt! Er vertreibt sie sich oder schlägt sie tot. Und sie läßt sich das gefallen. Denn man hat noch nie gehört, daß die Zeit einen Dummkopf vertrieben oder totgeschlagen hat."

A seguir peguei nesta frase original e pedi a 3 'chatbots' que ma traduzissem.

Gemini: "Com que soberania um imbecil trata o tempo! Ele passa-o ou mata-o. E o tempo deixa que isso aconteça. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tenha afastado ou matado um imbecil."

ChatGPT: "Como é soberano um parvo ao lidar com o tempo! Ele mata-o ou distrai-se com ele. E o tempo aceita isso. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tenha expulsado ou morto um parvo.»

DeepSeek: "Eis como um imbecil domina o tempo com soberania! Ele entretém-se ou mata-o. E o tempo deixa-se maltratar. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tivesse entretido ou morto um imbecil."

Repare-se: o tempo "tolera", "deixa que aconteça", "aceita", "deixa-se". Noutros lados encontrei "suporta", "resigna-se". (Estamos a tocar em coisas que já tocamos noutras vezes, noutras estações da viagem, não é? Isto tem a ver com a a proximidade e a diferenciação entre conceitos — que deve ser sempre aprofundada)

Fui um pouco mais longe, mas sem sair da exploração ligeira, e que encontrei eu:

1 - Na versão que encontrei na Internet do "Sprüche und Widersprüche", de 1909, a palavra Tolerância nunca aparece. O Gemini diz-me que Karl Kraus "não era um defensor da tolerância passiva; pelo contrário, era notoriamente intolerante para com o cinismo, a estupidez e a vulgaridade da sua época."

2 - A edição americana de que me servi é de 2001 e é a tradução da edição revista de 1923, mais extensa que a original de 1909. Tem o título "Dicta and Contradicta". Nesta edição em língua inglesa a palavra Tolerância (ou intolerância) aparece 9 vezes. Cá estará o «Traduttore, traditore.»

3 - A edição portuguesa é de 2018 e tem como título "Aforismos - Ditos e contraditos. Pro Domo Et Mundo. À noite"

Ora bem, o que escrevi antes são apenas notas para noutra altura ir mais longe, procurar mais fundo. Uma das coisas que certamente farei é pôr lado a lado os aforismos ingleses que contêm a palavra Tolerância, os portugueses e, evidentemente os originais em língua alemã. Para já, por hoje, ficamos só com estas notas que nos põem a pensar — espero que tolerantemente — nas questões da tradução da Tolerância e da Intolerância.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

quinta-feira, novembro 13, 2025

#TOLERÂNCIA319 - O BUDISMO É UMA RELIGIÃO PACIFISTA?

 #TOLERÂNCIA319 - O BUDISMO É UMA RELIGIÃO PACIFISTA?

O texto “Le bouddhisme est-il une religion pacifiste ?”, de Bernard Faure, professor na Universidade de Stanford, Califórnia) é publicado pela revista "Sciences Humaines" (edição de 15 de outubro de 2025).

(Eu servi-me da edição digital, de que sou assinante, que saiu hoje)

É um texto que confirma que, em todo o lado, em todas as geografias, culturas e filosofias do Mundo, a Tolerância é atitude, é um comportamento que se adquire, que se aprende, que se educa. Que pede empenho constante.


O budismo é uma religião pacifista?

Monges combatentes, assassinatos, guerras… O budismo é realmente uma religião pacifista?

Desde a sua origem, o budismo insiste na compaixão para com os outros: o primeiro budismo, chamado 'theravāda', ainda presente no Sudeste Asiático e no Sri Lanka, dá ênfase a uma introspecção pessoal que deve permitir compreender a natureza das nossas relações com o outro.

Não existe um dogma fundamental, para além de algumas noções herdadas do hinduísmo. Também não existe uma autoridade eclesiástica suprema. Estes dois traços tornam, à primeira vista, difícil falar em ortodoxia, e ainda mais em fundamentalismo budista. Os budismos, por natureza plurais, souberam acolher no seu seio as doutrinas mais diversas.

Todos os seres merecem compaixão

Mais tarde, o budismo 'mahāyāna' (“grande veículo”), hoje em dia difundido na China, Coreia, Japão e Vietname, preconiza a compaixão para com todos os seres, mesmo os piores. Esse sentimento de comunhão baseia-se na crença na transmigração das almas, que leva os seres a renascer em diferentes formas de existência, humanas e não humanas. O 'mahāyāna' insiste na presença de uma “natureza de Buda” em todos os seres.

Quanto ao budismo 'vajrayāna' (esotérico, tântrico), originário do 'mahāyāna' e actualmente praticado sobretudo no Tibete e na Mongólia, oferece uma visão grandiosa do Universo inteiro, que não é senão o corpo do Buda cósmico. Na época contemporânea, compaixão e tolerância tornaram-se, em parte graças à figura mediática do atual dalai-lama — ícone moderno do budismo tibetano —, a imagem de marca do budismo como um todo.

Os pensadores budistas elaboraram rapidamente conceitos próprios para explicar diversos graus de verdade. O próprio Buda, segundo um ensinamento que foi depois sintetizado, em particular pelo 'mahāyāna', ensinava assim uma verdade convencional (acessível a todos), adaptada às faculdades limitadas dos seus ouvintes, reservando a verdade última a uma elite espiritual. Este recurso constante a expedientes salvíficos ('upāya'), que marcam vias diferentes e mais ou menos complexas de acesso à salvação, torna o dogmatismo difícil, pois todo dogma pertence ao domínio da palavra, portanto, da verdade convencional.

Um sincretismo militante

As teorias budistas favoreceram diversas formas de sincretismo, como as de Zhiyi (538-597) e Guifeng Zongmi (780-841) na China, Kūkai (774-835) no Japão, e Tsongkhapa (1357-1419) no Tibete. Muitas vezes trata-se de uma espécie de sincretismo “militante”, em que os cultos rivais (como o bön tibetano, o confucionismo e o taoísmo na China, ou o xintoísmo no Japão...) são integrados num plano subalterno dentro de um sistema cujo ponto culminante é a doutrina do autor.

Estas elaborações conduziram rapidamente o budismo a tornar-se num politeísmo, que assimila e mistura nos seus panteões os deuses das religiões que o precederam (do hinduísmo, do bön, do taoismo…).

Na prática, porém, a harmonia teórica nem sempre se confirmou. Entre os séculos VIII e XIII, no budismo chinês e japonês, surgiu a tendência para privilegiar uma prática única (como a meditação sentada ou a recitação do nome do Buda Amida), que se supõe subsumir todas as outras.

É o caso de certas escolas da corrente do amidismo, chinês e japonês, que postulam que aquele que recita simplesmente uma fórmula cultual no momento de morrer tem garantida a sua reencarnação no paraíso da Terra Pura.

O budismo e a violência

Mas é sobretudo devido à sua evolução histórica que o budismo é levado a cometer infracções aos seus grandes princípios. O principal obstáculo reside nas relações desta religião com as culturas que encontra ao longo da sua expansão. A atitude dos budistas para com as religiões locais é frequentemente descrita como um exemplo clássico de tolerância. Trata-se, na realidade, de uma tentativa de controlo: os deuses indígenas mais importantes são convertidos, os outros são rejeitados nas trevas exteriores, rebaixados à categoria de demónios e, se for o caso, submetidos ou destruídos por ritos apropriados.

É certo que o processo é frequentemente representado nas fontes budistas como uma conversão voluntária das divindades locais. Mas a realidade é frequentemente bem outra, como testemunham certos mitos, que sugerem que o budismo por vezes procurou erradicar os cultos locais que lhe faziam obstáculo.

Foi assim que o Tibete foi «pacificado» no século VIII pelo mestre indiano Padmasambhava, quando este submeteu todos os «demónios» locais (na realidade, os antigos deuses) graças aos seus formidáveis poderes. Um século antes, o primeiro rei budista, Trisong Detsen, já tinha submetido as forças telúricas (energias terrestres de natureza «mágica» que influenciam indivíduos e habitats), simbolizadas por uma demónia, cujo corpo cobria todo o território tibetano, ao «pregar» esta ao solo por meio de 'stûpa' (monumentos comemorativos e muitas vezes centros de peregrinação) fincados nos doze pontos do seu corpo. O templo de Jokhang em Lassa, local sagrado do budismo tibetano, seria o «pio» cravado na parte central do corpo da demónia, o seu sexo.

Budistas conquistadores

Este simbolismo, que descreve a «conquista» budista como uma espécie de submissão sexual, encontra-se num dos mitos fundadores do budismo tântrico, a submissão do deus Maheshvara por Vajrapâni, emanação aterradora do buda cósmico Vairocana.

Maheshvara é um dos nomes de Shiva, um dos grandes deuses da mitologia hindu. Este último, rebaixado pelo budismo à categoria de demónio, não cometeu outro crime senão o de se julgar o Criador e de recusar submeter-se a Vajrapâni, em quem não vê senão um demónio. A sua arrogância vale-lhe ser espezinhado até à morte ou, segundo um piedoso eufemismo, «libertado», apesar da branda intercessão do buda Vairocana para travar a fúria destrutiva do seu avatar Vajrapâni. Tomados pelo medo, os outros demónios (deuses hindus) submetem-se sem resistência.

Numa versão ainda mais violenta, o deus Rudra (outra forma de Shiva) é empalado pelo seu temível adversário. O mito da submissão de Maheshvara encontra-se no Japão, embora, neste último país, as coisas aconteçam, em geral, de forma menos brutal. Certamente, também aqui se vêem numerosos relatos de conversões mais ou menos forçadas dos deuses autóctones. Mas, em breve, é encontrada uma solução mais elegante, com a teoria dita «essência e vestígios» ('honji suijaku'). Segundo esta teoria, os deuses japoneses ('kami') são apenas «vestígios», manifestações locais cuja «essência» ('honji') reside em budas indianos. Não há, portanto, mais necessidade de conversão, uma vez que os kami já são reflexos dos budas.

O budismo, as mulheres e as “heresias”

Paradoxalmente, a noção de absoluto libertada pela especulação budista irá permitir aos teóricos de uma nova religião, o chamado «antigo» xintoísmo, questionar a síntese budista em nome de uma reforma purificadora e nacionalista. A prazo, este fundamentalismo xintoísta levará à «revolução cultural» de Meiji (1868-1873), durante a qual o budismo, denunciado como religião estrangeira, verá grande parte dos seus templos destruídos ou confiscados.

Até à Segunda Guerra Mundial, a religião oficial japonesa reinveste os mitos xintoístas e organiza-se em torno do culto do Imperador divinizado, descendente do kami nacional mais importante, a deusa do Sol. Por sua vez, o budismo refugia-se num purismo tingido de modernismo, que rejeita como «superstições» as crenças locais.

Como vimos, a metáfora que inspira os relatos de conversões das divindades locais é frequentemente a da submissão sexual. Nestes relatos, o budismo é fundamentalmente masculino, enquanto as divindades locais são frequentemente feminizadas.

A questão das relações do budismo e das mulheres constitui outro caso de dissonância entre a teoria e a prática. A história começa assim: a tradição relata que o Buda aceitou na ordem monástica que acabava de fundar a sua própria tia e mãe adoptiva, Mahaprajapati.

Foi após a intervenção reiterada do seu discípulo e primo bem-amado Ânanda que o Buda teria finalmente consentido em aceitar a ordenação das mulheres, não sem lhes impor algumas regras particularmente severas (devido à extrema imperfeição feminina). Além disso, ele previu que, devido à sua presença, a Lei (Dharma) budista estaria condenada a declinar ao fim de cinco séculos.

Uma igualdade entre as mulheres e os homens?

Em teoria, o princípio de não-dualidade tão caro ao budismo maaiana parece, no entanto, implicar uma igualdade entre homens e mulheres. Na realidade monástica, as monjas permanecem inferiores aos monges, e são frequentemente reduzidas a condições de existência precárias. Com o acesso das culturas asiáticas à modernidade, as monjas reivindicam uma maior igualdade. Contudo, as suas tentativas esbarram em fortes resistências por parte das autoridades eclesiásticas.

O budismo, por outro lado, impôs durante muito tempo às mulheres todo o tipo de tabus. A misoginia mais crua exprime-se em certos textos budistas que descrevem a mulher como um ser perverso, quase demoníaco. Vistas como fundamentalmente impuras, as mulheres eram excluídas dos locais sagrados e não podiam, por exemplo, fazer peregrinações nas montanhas. Pior ainda, devido à poluição menstrual e ao sangue derramado durante o parto, eram condenadas a cair num inferno especial, o do Charco de Sangue.

O clero budista oferecia, é claro, um remédio, neste caso, os ritos, executados, mediante pagamento de taxas, por sacerdotes. Pois o budismo, na sua grande tolerância, deve salvar até mesmo os seres mais vis...

Menos «heresias» do que nas religiões ocidentais

A noção de «heresia» é raramente empregada no budismo, e não levou aos excessos de fanatismo familiares ao Ocidente. Fala-se por vezes dos «mestres de heresia» vencidos pelo Buda, e em particular da «heresia personalista» ou «substancialista», que questionava o princípio da ausência de eu. Mas estes eventos não deram lugar a autos-de-fé — talvez porque se desenvolveram no seio de tradições orais.

O budismo chinês caracteriza-se por uma forte tendência sincrética. Uma excepção é a do chan (que se tornará o zen no Japão) da chamada escola do Sul. Esta última rejeita a abordagem doutrinal tradicional, qualificada de gradualista, segundo a qual a libertação só é adquirida após um longo processo de meditação, em nome de um Despertar súbito que postula que a libertação pode intervir a qualquer momento. O líder da escola do Sul, Shenhui (670-762), ataca violentamente os seus rivais da escola chan do Norte em 732. O seu activismo, excepcional entre os budistas chineses, vale-lhe o exílio.

No Japão, onde as correntes doutrinais tenderam a endurecer em «seitas», encontram-se exemplos de intolerância mais familiares a um observador ocidental. Assim, a seita da Terra Pura (Nembutsu), fundada por Hônen Shônin (1133-1212), cujos discípulos, na sua devoção exclusiva ao buda Amida, consideram inúteis os antigos cultos (a outros budas, mas sobretudo aos kami japoneses) – minando assim os fundamentos religiosos da sociedade medieval. É para reagir contra esta intransigência, que levou alguns dos adeptos desta seita ao iconoclasmo, que os seus rivais a denunciam e procuram a sua interdição. Hônen Shônin é enviado para o exílio em 1207, e o seu túmulo é profanado alguns anos mais tarde.

Um mestre desperto, mas veemente

Quanto ao mestre zen Dôgen (1200-1253), fundador da seita Sôtô, ele ataca a «heresia naturalista», expressão sob a qual designa, de forma indiscriminada, o hinduísmo, o taoísmo, o confucionismo, e uma corrente rival da sua, a escola de Bodhidharma ('Darumashû'). Os termos pelos quais ele condena dois monges chineses, alegados assassinos do patriarca indiano Bodhidharma, qualificando-os nomeadamente de «cães», são característicos de um novo estado de espírito polémico.

Tal atitude é surpreendente num mestre em princípio «desperto», que se quis apresentar como um dos principais filósofos japoneses.

Este espírito encontra-se em Nichiren (1222-1282), fundador da seita com o mesmo nome, que se toma por um profeta perseguido. Nichiren denuncia em particular o zen como uma «falsa doutrina» que só atrai os degenerados. Mas nenhuma das outras escolas do budismo japonês encontra graça aos seus olhos.

Segundo ele, «os sábios do Tendai e do Shingon lisonjeiam e temem os patronos do nembutsu e do zen; são como cães que abanam a cauda diante dos seus mestres, como ratos que têm medo dos gatos» (Georges Renondeau, La Doctrine de Nichiren, Puf, 1953).

Finalmente, é preciso mencionar as lutas intestinas que opõem, no seio da seita Tendai (tendência maioritária do budismo japonês do século VIII ao XIII), as fações do Monte Hiei e do Miidera. Em diversas ocasiões, os mosteiros dos dois protagonistas são destruídos pelos «monges-guerreiros» do rival. Os ataques periódicos destes exércitos monacais sobre a capital, Kyôto, preenchem as crónicas medievais. É só por volta do fim do século XVI que um guerreiro sem paciência, Oda Nobunaga (1534-1582), decide arrasar estes templos e passar a fio de espada os causadores de distúrbios.

Fundamentalismos budistas

As relações do budismo e da guerra revelam-se complexas. Nos países onde constituía a ideologia oficial, foi obrigado a apoiar o esforço de guerra. Existe também no budismo tântrico um arsenal importante de técnicas mágicas que visam submeter os demónios. Foi sempre tentador assimilar os inimigos a hordas demoníacas, e procurar submetê-los pela espada e pelo fogo ritual.

Com a ascensão dos nacionalismos no século XIX, o budismo viu-se confrontado com uma tendência fundamentalista. É certo que a coisa não era totalmente nova. No Japão do século XIII, durante as invasões mongóis (elas próprias legitimadas pelos mestres budistas da corte de Kublai Khan), os budistas japoneses invocaram os «ventos divinos» ('kamikaze') que destruíram a armada inimiga. Também realçaram a noção do Japão «terra dos deuses» ('shinkoku'), que assumirá uma importância crucial no Japão imperialista do século XX.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os budistas japoneses tiveram de apoiar o esforço de guerra, colocando a sua retórica ao serviço da mística imperial. Mesmo Daisetz Suzuki (1870-1966), o principal propagador do zen no Ocidente, tornar-se-á o porta-voz desta ideologia belicista.

Budismo e reivindicações de independência

Mais recentemente, é no Sri Lanka que este aspecto agonístico prevaleceu, com a reivindicação de independência da minoria tâmil, que levou, desde 1983, a sangrentos confrontos entre as etnias sinhala e tâmil. O discurso dos Sinhaleses constitui o exemplo mais próximo de uma apologia budista da guerra santa. É certo que se trata de um fundamentalismo um pouco particular, pois baseia-se num grupo étnico e não num texto sagrado. Existe, de facto, uma autoridade escritural, o 'Mahâvamsa', crónica mito-histórica onde são descritas as viagens mágicas do Buda ao Sri Lanka, bem como a luta vitoriosa do rei Duttaghâmanî contra os 'Damilas' (Tâmeis) ao serviço do budismo.

O 'Mahâvamsa' serve assim de aval à crença segundo a qual a ilha e o seu governo têm sido tradicionalmente sinhaleses e budistas. É nomeadamente nas suas páginas que aparece o termo «Dharma-dîpa» (ilha da Lei budista). Restava apenas um passo, rapidamente dado, para fazer do Sri Lanka a terra sagrada do budismo, que é preciso defender a todo o custo contra os infiéis. Este fundamentalismo é, antes de mais, uma ideologia política.

O Dalai Lama e os seus partidários assassinos

Mencionemos, por fim, um caso significativo, já que põe em causa a própria pessoa do Dalai Lama, a figura que, aos olhos da maioria, encarna a imagem da tolerância budista. Trata-se do culto de uma divindade tântrica chamada Dorje Shugden, espírito de um antigo lama, rival do quinto Dalai Lama, e assassinado pelos seus partidários, adeptos dos Gelugpa, no século XVII. Por um estranho retorno dos acontecimentos, esta divindade tinha-se tornado a protectora da seita dos Gelugpa, e mais precisamente do actual Dalai Lama, até que este, com base em oráculos proferidos por outra divindade mais poderosa, Pehar, veio a proibir o seu culto aos seus discípulos.

Esta decisão suscitou um levantamento entre os fiéis de Shugden, que reprovaram a intolerância do Dalai Lama. Escusado será dizer que os Chineses souberam explorar esta disputa para todos os fins úteis de propaganda. A história foi trazida para o primeiro plano após o assassínio de um apoiante do Dalai Lama por um dos seus rivais, há alguns anos. Para além das questões de pessoa e das dissensões políticas, este facto sublinha as relações sempre tensas entre as diversas seitas do budismo tibetano.

Mesmo que não se possa negar a existência, no coração do budismo, de um ideal de paz e de tolerância, fundado em numerosas passagens escriturais, estes são contrabalançados por outras fontes segundo as quais a violência e a guerra são permitidas quando o 'Dharma' budista é ameaçado por infiéis. No 'Kalacakra-tantra', por exemplo, texto ao qual o Dalai Lama se refere frequentemente, os infiéis em questão são muçulmanos que ameaçam a existência do reino mítico de Shambhala. Àqueles que sonham com uma tradição budista monológica e pacificada, convém opor, por uma questão de verdade, esta parte de sombra.

NOTAS

Kami: Termo japonês que designa uma divindade venerada no quadro do xintoísmo. Diz-se de bom grado que existem oitocentas miríades de 'kami', que são o espírito de fontes, rochas, árvores, fenómenos naturais, antepassados divinos, mas também divindades de um ou outro lugar cujo alcance pode estender-se a todo o Japão...

Dharma: Termo sânscrito utilizado nas religiões derivadas do vedismo. No hinduísmo, ordem sociocósmica que o brâmane tem o dever de manter pelos seus actos sacrificiais. No budismo, ensinamento do Buda, frequentemente definido por extensão como a Lei budista, explicando o funcionamento do cosmos e do espírito.

Despertar: Finalidade do budismo, pela qual o sábio atinge um estado de compreensão do mundo que lhe permite escapar ao 'samsâra' e dissolver a sua individualidade no 'nirvâna' (libertação).

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

quarta-feira, novembro 12, 2025

#TOLERÂNCIA318 - A BIOÉTICA DA PAZ

 #TOLERÂNCIA318 - A BIOÉTICA DA PAZ

Ontem fizemos uma breve visita à estação da tolerância do sofrimento humano. Hoje, como que em jeito de acrescentar alguma coisa mais ao assunto, e olhando o futuro, focamo-nos numa coisa que faz parte de algumas das muito modernas tentativas de aliviar o sofrimento humano.

No número que saiu hoje da revista "As Artes e as Letras", na página da Ciência, a 23, é publicada uma entrevista que tem por título "A reflexão bioética é essencial".

Lê-se assim na primeira parte da entrevista:

«Liubliana, capital da Eslovénia, recebe de 24 a 26 de Novembro próximo a 17.ª Conferência Mundial de Bioética. Co-presidida pelo Professor Doutor Rui Nunes, que também preside à respectiva cátedra por
si criada na Faculdade de Medicina do Porto, esta Conferência reúne durante 3 dias especialistas do mundo inteiro, desde a Austrália à Índia, com forte representação portuguesa, francesa, alemã, brasileira e eslovena. Também a Argentina, a Bélgica, Itália, Paquistão, Croácia, Malásia, Israel, Bósnia/Herzgovina e Países Baixos estarão presentes.

Pergunta: »Confirmada que está a importância do tema “Bioética”, sobretudo em contexto internacional de várias guerras e de tantas violações aos direitos humanos, o que espera desta Conferência?

Resposta: »A 17th World Conference in Bioethics, Medical Ethics & Health Law é o maior evento

mundial de bioética e conta com participantes de mais de uma centena de países de todos os continentes. Ao pretender ser as “Nações Unidas da Bioética” a conferência tem diferentes eixos de actuação. Por um lado, a promoção do ensino da bioética, e dos seus valores, a nível transversal. Ou seja, em todos os países e culturas da humanidade. Naturalmente que este é o fórum indicado para a comunidade internacional se mobilizar em torno de valores essenciais, como os direitos humanos, a igualdade e a não discriminação, a sustentabilidade ambiental, ou os direitos das futuras gerações. Mas, por outro lado, este é também o espaço ideal para — com tolerância e respeito — promover a paz mundial e a harmonia entre os diferentes povos. Hoje, falar de bioética é falar de “bioética da paz”.»

Repare-se que o que, na opinião do Professor Rui Nunes, é a pedra de toque, que faz toda a diferença, é a «tolerância» e o «respeito».

Mais à frente, em resposta a outra pergunta, o Professor Rui Nunes diz assim: «a reflexão bioética é essencial para auxiliar a sociedade a tomar as melhores opções legislativas em áreas complexas, por vezes
mesmo disruptivas, como a interrupção de gravidez, a eutanásia, a transplantação de órgãos, as novas técnicas de reprodução assistida, tal como a gestação de substituição. Em todo o caso, o que importa é informar e esclarecer a sociedade para que cada cidadão tome decisões informadas e esclarecidas. E para que a medicina seja mais humanizada.»

Anoto: "Educação: da Tolerância e do respeito. Pedagogia: do informar e do esclarecer.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

terça-feira, novembro 11, 2025

#TOLERÂNCIA317 - A TOLERÂNCIA AO SOFRIMENTO

 #TOLERÂNCIA317 - A TOLERÂNCIA AO SOFRIMENTO

Estou seguro de que a geografia deste lugar é uma geografia difícil e o que nela se encontre e identifique será sempre pouco em relação ao que possamos caminhar, espreitar e escavar para a ver na sua totalidade. Por isso não me importo da insuficiência do registo de hoje.

No n.º 268 (Novembro de Dezembro de 2025) da revista OMBRES & LUMIÈRE, o grande tema de debate é o seguinte: "Deve-se aceitar ser um peso para os outros?" Respondem Zidrou (argumentista, autor de Virgile (Le Lombard)) e Claire Dierckx (autora de O Amor Custe o que Custar (Cerf))

Eles são assim apresentados: "Claire Dierckx, portadora de uma doença neurodegenerativa, guarda na memória a violência da eutanásia do seu pai, que não queria ser um peso para os que o rodeavam. Benoît Drousie, conhecido como Zidrou, acaba de publicar a banda desenhada Virgile, sobre um personagem tetraplégico que pede para ser eutanasiado. Estes dois belgas cruzaram as suas experiências para falar de vida e morte, mas sobretudo da gritante necessidade de solidariedade, numa altura em que o suicídio assistido ameaça os mais vulneráveis."

Ambos são confrontados com a seguinte questão: «Ambos viveram a morte do seu pai num contexto doloroso, com duas escolhas opostas. Ambos estão profundamente marcados pelo tema da vulnerabilidade. Contem-nos...» Respondem assim:

Claire Dierckx: «Tenho 31 anos e sou casada com Marc há dois anos, vivemos na Bélgica. Tenho uma doença neurodegenerativa que ataca o meu cérebro, e cujos principais sintomas são a perda de equilíbrio, da marcha, da fala, da visão… Muitas faculdades motoras estão afectadas, mas felizmente não ataca nem o meu coração, nem a minha mente. O meu pai tinha a mesma doença que eu, e pediu a eutanásia após quinze anos de luta.»

Benoît Drousie, também conhecido como Zidrou: «Sou um "boomer" de 63 anos, pai de quatro filhos,
com um casamento feliz, e vivo na Andaluzia. Fui professor do ensino primário, antes de me tornar
argumentista de banda desenhada. Para além dos assuntos sérios, gosto de leveza, e sobretudo de humor, porque é um sistema de defesa. Sempre fui marcado por temas fortes, como o nascimento e o luto, o fim da vida. Também tive um filho gravemente doente. Assisti a festas de eutanásia, e o meu sogro partiu assim. O meu pai, por outro lado, devido à sua fé, preferiu não recorrer a ela, apesar de ter uma doença horrível. Respeitei completamente a sua escolha, mas disse a mim mesmo que talvez ele devesse ter pensado na minha mãe, para quem esse fim foi tão penoso. Lembro-me, ao mesmo tempo, das brincadeiras do meu pai com os seus velhos amigos, das emoções positivas…»

Claire Dierckx: «Quando o meu pai disse: "Tenho vontade de morrer", ele estava a pensar nos outros, para não ser um peso para eles. No entanto, dou-me conta de que, ao longo da sua doença, havia uma enorme quantidade de coisas que mudavam nele, belos momentos de consciência. Achei tão lamentável que ele tenha desistido tão cedo… Eu tinha vontade de lhe dizer: "Não abandones o barco, nós estamos aqui!". Tantos momentos grandiosos podem ser vividos com tão pouco. Tantas coisas belas acontecem
quando aceitamos a nossa vulnerabilidade. Eu própria, depois de ter negado a minha doença durante vários anos, aceitei-a, depois de ter colocado a Deus a questão da fidelidade do seu amor: compreendi então até que ponto, apesar do sofrimento, podia haver muito amor.»

Zidrou: «Penso que é muitas vezes nos momentos muito difíceis, e a Claire ilustra-o bem, como um luto, um filho doente ou com deficiência, que as coisas importantes vêm à tona e que vemos os nossos verdadeiros amigos, os laços que perduram. O facto de se estar doente ou em grande sofrimento tem uma vantagem, quer se escolha ou não, que é esta possibilidade de abrir o coração ou de curar as suas feridas. Vi isto com o meu pai, e com amigos quando eles perdem os seus pais: na doença, pode-se fazer as pazes, e isso acontece mesmo com muita frequência. Esses momentos em que se está em total sinceridade e em que não se usa uma máscara. Mas depois, há esses momentos em que o sofrimento é tão intolerável, em que os doentes vivem um verdadeiro martírio…»

«em que o sofrimento é tão intolerável». Fica a dúvida, hesita-se, os afectos cruzam-se, os laços de humanidade são desafiados... Por agora não quero aproximar-me de nenhuma conclusão, só ficar a pensar.

#tolerância, #tolerance, #Tolerancia, #tolérance, #tolleranza, #toleranz, #tolerantie, #宽容, #寛容, #관용, #सहिष्णुता , #סובלנות, #हष्णत, #Ανοχή, #Hoşgörü, #tolerans, #toleranță, #толерантность, #التس

segunda-feira, novembro 10, 2025

#TOLERÂNCIA316 - E A SOLUÇÃO É A EDUCAÇÃO

 #TOLERÂNCIA316 - E A SOLUÇÃO É A EDUCAÇÃO

Ainda não tinha avançado por caminhos que me levassem ao que acerca da Tolerância se diz, nos dias que correm, em alemão. As facilidades de busca e de chegada, seja onde seja, na Internet, são cada vez maiores.

Hoje encontrei um texto interessante, daqueles em que se vê uns aos olhos dos outros. Neste caso, um jornalista alemão a falar dos franceses; e duma muito importante experiência de educação social: aconteceu uma tragédia e a resposta foi um projecto de educação.

O artigo, da edição de hoje do jornal "Süddeutsche Zeitung"de hoje, do jornalista germano-francês Nils Minkmar, titula "Deixa-te abraçar." E logo a seguir subtitula: "Dez anos após os atentados islamistas em Paris, os franceses recolheram-se à sua vida privada. Aí, são inundados por programas de debate que anunciam o fim dos tempos. Mas também há consolo e ajuda."

A meio da terceira parte do artigo, o autor (jornalista e historiador) escreve assim: «Também os socialistas sob François Hollande desiludiram. Não tinham conseguido impedir os atentados de 2015 e,

sobretudo, faltaram-lhes, no período posterior, ideias políticas para desenvolver, a par da repressão constante, uma prevenção abrangente. Uma boa resposta aos atentados teria sido uma nova política urbana, um urbanismo político que bloqueasse as vias de recrutamento dos jihadistas. Embora a sua ideologia seja de origem globalizada e transmitida digitalmente, os jovens terroristas vêm dos subúrbios de França, por vezes da Bélgica. Um plano nesse sentido, elaborado pelo popular político socialista Jean-Louis Borloo, dorme há anos numa gaveta do Eliseu.

»Em vez disso, o então Presidente da República, François Hollande, lançou-se no endurecimento das regras sobre a dupla nacionalidade. Assim, os terroristas deveriam poder perder a sua cidadania francesa — mas, para tipos que matam em massa frequentadores de concertos e cafés e procuram, com um colete explosivo, uma glória póstuma como mártires, a perda da cidadania talvez não seja algo particularmente determinante. Uma obra educativa e esclarecedora como a de Latifa Ibn Ziaten(1), mãe de uma vítima do terrorismo islamista (o filho foi uma das vítimas do atentado em Toulouse em 11 de Março de 2012), que visita as escolas dos subúrbios para falar sobre Islão, violência e tolerância, continua a ser uma excepção.»

A Educação como excepção?... Seja, mas que não se desista da Educação. A Educação é o caminho que vale sempre a pena.

O documentário de Latifa Ibn Ziaten teve lançamento público em 4 de Outubro de 2017. Vou tomar nota. Um dia vou visitá-lo. Passaram 8 anos, quero saber se foi excepção ou semente.

(1) Latifa Ibn Ziaten é uma ctivista franco-marroquina de 61 anos (publicado em 11/15/2022). Trabalhou no domínio da luta contra o extremismo e da promoção da tolerância. Tornou-se instantaneamente conhecida após um trauma profundo em 2012, quando perdeu tragicamente o seu filho, soldado do exército francês, num atentado terrorista perpetrado por um francês de origem argelina. Esse acontecimento despertou nela uma determinação firme em dedicar-se seriamente à luta contra o extremismo em França e noutros países, combatendo a intolerância ideológica e todas as formas de discriminação baseadas na religião, na raça, na língua, no género ou na cor, e promovendo a cultura do diálogo, da convivência e da harmonia. Em poucos anos, passou de mãe enlutada a ícone da tolerância e da luta contra o extremismo. (https://www.imctc.org/en/eLibrary/Magazine/Topics/Pages/topicM15112022.aspx)

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

domingo, novembro 09, 2025

#TOLERÂNCIA315 - TOLERAR NÃO É ADERIR

 #TOLERÂNCIA315 - TOLERAR NÃO É ADERIR

A edição deste fim-de-semana do jornal belga "Le Soir" traz um artigo com este título: "Video-vigilância e cidadãos: penso nas câmaras e depois esqueço-me delas — Os sistemas de video-vigilância instalaram-se no espaço público. Mas a adesão dos cidadãos não é incondicional: assim que se passa do olho que vê para o algoritmo que identifica ou prevê, o consentimento desfaz-se." O autor é o jornalista belga Joël Matriche.

O artigo está divido em 3 partes, a segunda é a que leva o título "Tolerar não é aderir". A seguir transcrevo integralmente esta parte do artigo:

«Na Universidade de Neuchâtel, os investigadores Francisco Klauser e Raoul Kaenzig sondaram, entre 2015 e 2016, os habitantes e utilizadores do bairro dos Pâquis.(1) O veredicto é, desta vez, igualmente

matizdo: instaladas nos seus mastros, agarradas a uma parede ou a um tecto, as câmaras acabam rapidamente por ser esquecidas, incomodam tanto quanto tranquilizam. «O sistema perde progressivamente a sua pertinência na vida quotidiana das pessoas», escrevem, em substância, os investigadores. Tanto mais que, segundo Francisco Klauser, mesmo que a recepção dos habitantes e utilizadores do bairro seja geralmente positiva, estes não conseguem apropriar-se destes sistemas desencarnados: os operadores das câmaras estão distantes e invisíveis, observadores e observados não estão em relação, o cidadão torna-se um simples objecto de informação e não mais de comunicação. «Como as câmaras estão afastadas, espacial e socialmente, acabam por se tornar uma abstracção à qual já não se presta atenção.»

Outra linha de fractura: se os dispositivos policiais são geralmente aceites, as câmaras privadas que vão invadindo o espaço público são, estas sim, muito mais criticadas.

A atitude face às câmaras — aceitação, rejeição, resignação, indiferença… — depende também do contexto, seja numa carta geográfica ou numa linha do tempo. Do «quando» e do «onde». Os atentados de Nova Iorque (2001), Madrid (2004), Londres (2005), Paris e Bruxelas (2015–2016) criaram «picos de aceitabilidade emocional», segundo um inquérito pan-europeu realizado em 2024 por investigadores checos junto de 20.000 pessoas. E se a video-vigilância é uma das formas de controlo público mais toleradas (média europeia à volta de sete em dez, ainda mais na Bélgica), esta aprovação é mais elevada na Europa Ocidental e Setentrional do que na maioria dos países do antigo bloco comunista, onde se sabe até onde pode ir o controlo do indivíduo pelo Estado.

Por fim, e de modo mais geral, relata este vasto inquérito, esta aceitação só é válida se o uso que é feito destes dispositivos permanecer «visível, proporcionado, não intrusivo». «Após os atentados de Bruxelas, os políticos e a polícia insistiram na necessidade de multiplicar estas câmaras», acrescenta Corentin Debailleul. «Hoje, controlam as zonas de baixas emissões, os excessos de velocidade, perseguem veículos suspeitos, já não se sabe bem para que servem…»

O primeiro parágrafo da 3.ª e última parte é crítico para se formar uma opinião clara, e livre!, acerca do assunto: «"Do olho que vê ao algoritmo que deduz": Acima de tudo, uma constante sobressai no conjunto dos trabalhos recentes: quanto mais se acrescentam camadas "inteligentes" – reconhecimento facial/biometria, análise em tempo real, dispositivos predictivos – mais a aceitabilidade diminui. Os europeus mostram-se manifestamente mais reticentes em partilhar dados biométricos e exigem salvaguardas: base legal clara, proporcionalidade, controlo independente, duração limitada, avaliação pública da eficácia.»

(1) A primeira resposta da IA da Google à minha busca do "quartier des Pâsquis" foi a seguinte: "O bairro de Les Pâquis é uma zona de Genebra conhecida pelo seu ambiente cosmopolita, animação e proximidade com o Lago Léman. É reconhecido pela sua diversidade cultural, pelos numerosos restaurantes e bares, assim como pelos 'Bains des Pâquis', uma instituição genebrina com praia, trampolim, sauna e restaurante. O bairro é também descrito como um local onde existe comércio sexual e onde os rendimentos de vários sectores estão entre os mais baixos da cidade."

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس

sábado, novembro 08, 2025

#TOLERÂNCIA314 - É FÁCIL MELHORAR. MAS MELHORAR EM QUÊ?

 #TOLERÂNCIA314 - É FÁCIL MELHORAR. MAS MELHORAR EM QUÊ?

Evidentemente, pouco mais de 24 horas não dá para percorrer todo o "The Daily Stoic# de R. Holiday e S. Hanselman, dá apenas para leituras selectivas. A geografia desta viagem é a Tolerância, por isso fui à prcura dela em todas as 366 entradas.

Se ontem quis fazer uma breve apresentação do livro que encontrei na livraria da FNAC do aeroporto de Lisboa, hoje o meu foco foi o aparecimento da palavra Tolerância na citação que abre cada uma das 366 entradas. Aparece uma vez, numa afirmação das Meditações de Marco Aurélio.

Numa das primeiras estações desta viagem, escrevi que o conceito de Tolerância apareceu muitos séculos depois de Marco Aurélio. Não, não me esqueci do que escrevi nessa altura, nem estou a contradizer-me. Acontece que temos de, tentando não perder o rigor de linguagem, ser tolerantes para os tempos históricos, as línguas dos tempos históricos e as traduções, as maneiras como as coisas passam de umas línguas para outras. Adiante. O que escreveu Marco Aurélio? (os autores dizem-no na entrada do dia 22 de Outubro)

«Alguém pode ser excelente a derrotar um adversário, mas isso não o torna mais solidário, nem mais modesto, nem mais preparado para qualquer circunstância, nem mais tolerantecom as falhas dos outros.»Marco Aurélio, Meditações, 7.52

Os autores do livro propõem a seguinte reflexão: «O auto-aperfeiçoamento é uma busca nobre. A maioria das pessoas nem sequer tenta. Mas, entre as que o fazem, é fácil que a vaidade e a superficialidade corrompam esse processo.

»Queres abdominais definidos porque te desafiaste e te comprometeste com um objetivo difícil? Ou porque queres impressionar os outros quando tiras a camisola? Estás a correr essa maratona porque queres testar os teus limites ou porque estás a fugir dos problemas em casa?

»A nossa vontade não deve ser dirigida a tornar-nos alguém em excelente forma física ou com várias línguas dominadas, mas sem tempo nem paciência para os outros. De que serve vencer no desporto se falhas na tentativa de ser um bom marido, esposa, pai, mãe, filho ou filha?»

E rematam com o seguinte aviso-sugestão: «Não confundamos tornar-nos melhores em algo com tornar-nos pessoas melhores. Uma dessas coisas é uma prioridade muito maior do que a outra.»

Não me espantarei se num grupo de discussão que se ocupe desta entrada estoica aparecer a crítica de que os autores exageram na crítica à actividade física e argumentem, a contrapor, o clássico "Mente sã em corpo são". Pois que as críticas apareçam! O desafio, no fundo, fica para quem tiver a seu cargo a moderação da discussão de grupo. Porque da discussão nasce a luz, não é? Acho que lá mais para trás já o disse...

#tolerância, #tolerance, #Tolerancia, #tolérance, #tolleranza, #toleranz, #tolerantie, #宽容, #寛容, #관용, #सहिष्णुता , #סובלנות, #हष्णत, #Ανοχή, #Hoşgörü, #tolerans, #toleranță, #толерантность, #التس

sexta-feira, novembro 07, 2025

#TOLERÂNCIA313 - MÁXIMAS DE TRÊS HOMENS SÁBIOS

 #TOLERÂNCIA313 - MÁXIMAS DE TRÊS HOMENS SÁBIOS

O livro "The Daily Stoic: 366 Meditations on Wisdom, Perseverance, and the Art of Living", de Ryan Holiday e Stephen Hanselman, de 2016, tem como ideia-central apresentar uma meditação para cada dia do ano — 366 entradas (portanto, um ano bissexto) — com citações dos grandes filósofos estóicos (como Marco Aurélio, Epíteto, Séneca, entre outros) e comentários práticos sobre como essas ideias se aplicam à vida actual. O livro está dividido por meses/temas: “Disciplina da percepção”, “Disciplina da acção”, “Disciplina da vontade”. Para cada entrada, os autores apresentam uma citação estoica, fazem uma reflexão e sugerem um passar à prática.

É um livro interessante, para ser lido tanto solitariamente como na animação de uma dinâmica de grupo. Em 10 delas fala da tolerância. Trago a que foi arrumada num hipotético dia 19 de Novembro. Está incluída na parte III do livro, a da disciplina da Vontade. Tem como título "Máximas de três sábios" (mesmo que, na verdade, sejam quatro):

A CITAÇÃO

“Perante qualquer desafio, devemos ter três pensamentos orientadores: «Guia-me, ó Deus e Destino,» «até à Meta que há muito me foi destinada.» «Seguirei e não tropeçarei; mesmo que a minha vontade seja fraca, prosseguirei como um soldado.»” — Cleanto de Assos.

“Aquele que abraça a necessidade conta como sábio, versado em assuntos divinos.” — Eurípedes

“Se agrada aos deuses, que assim seja. Podem muito bem matar-me, mas não me podem magoar.” —Platão, Críton e Apologia — Epíteto, Enchiridion, 53

A REFLEXÃO

Estas três citações compiladas por Epíteto mostram-nos — numa sabedoria ao longo da História — os temas da tolerância, da flexibilidade e, por fim, da aceitação. Cleanto e Eurípedes invocam o destino e a sorte como conceitos que ajudam a facilitar a aceitação. Quando se tem fé num poder superior ou mais elevado (seja Deus ou deuses), não há nada que possa acontecer que vá contra o plano.

Mesmo que não acredite numa divindade, pode encontrar algum conforto nas várias leis do universo ou até mesmo no círculo da vida. O que nos acontece enquanto indivíduos pode parecer aleatório, perturbador, cruel ou inexplicável, quando, na verdade, estes acontecimentos fazem todo o sentido quando a nossa perspectiva é ampliada, mesmo que ligeiramente.

A SUGESTÃO

Vamos praticar esta perspectiva hoje. Finja que cada acontecimento — seja desejado ou inesperado — foi destinado a acontecer, destinado especificamente para si. Não lutaria contra isso, pois não?

#tolerância, #tolerance, #Tolerancia, #tolérance, #tolleranza, #toleranz, #tolerantie, #宽容, #寛容, #관용, #सहिष्णुता , #סובלנות, #हष्णत, #Ανοχή, #Hoşgörü, #tolerans, #toleranță, #толерантность, #التس

quinta-feira, novembro 06, 2025

#TOLERÂNCIA312 - HÁ UM LADO MORAL, O OUTRO É ESPIRITUAL; E HÁ A TOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA312 - HÁ UM LADO MORAL, O OUTRO É ESPIRITUAL; E HÁ A TOLERÂNCIA

Como uma folha de Outono que esvoaça ali à nossa frente, recebe a nossa atenção, cai a nossos pés, e por isso paramos para a apanhar porque ficamos a pensar que ela quer mesmo que nós a apanhemos, assim hoje aconteceu comigo, enquanto caminhava, a outonal folhinha caiu ali à minha frente. Pois claro, apanhei-a. Falava de Einstein e de Tagore, do encontro deles em 1930. Discutiam a verdade e a realidade, e eu quis ir mais além.

Procurei e pouco depois estava com mais de mil páginas com escritos de Tagore, fui ver o que ele dizia sobre a Tolerância e a Intolerância. Depressa percebi que tenho muito que ler.

Hoje deixo só 3 citações, prontinhas para servirem uma das conversas que tanto quero que aconteçam em encontros de reflexão nas escolas, nas associações de pais; entre professores; entre líderes políticos e líderes empresariais.

A primeira (a primeira de todas, ainda fora do livro das mil e tais páginas; e que me levou depois a elas): «Por natureza, sou um selvagem. A intimidade com os homens é-me absolutamente intolerável. A menos que tenha espaço amplo à minha volta, não consigo esticar os membros, instalar-me e

desempacotar a minha mente. Rogo para que [as pessoas]... prosperem, mas não me devem apertar.» (Chaudhuri, Nirad C., "Tagore: The True and the False," Times Literary Supplement (27 September 1974): 1029–31)

A segunda, já no livro: «Quando era jovem, como era habitual, fui mandado para a escola. Alguns de vós poderão ter lido na tradução da minha autobiografia acerca do infortúnio que vivi quando iniciei o meu percurso como estudante numa escola. Era uma vida terrivelmente miserável, que se tornou absolutamente intolerável para mim. Na altura, não tinha a capacidade de analisar a razão pela qual sofria, mas mais tarde, quando cresci, tornou-se bastante claro para mim o que era que me magoava tão profundamente ao ser obrigado a frequentar as aulas naquela escola para onde os meus pais me tinham mandado.» (The English writings of Rabindranath Tagore, volume 3, a miscellany, edited by Sirir Kumar Das, Sahitya Akademi,1996)

A terceira, do mesmo livro: «A realização da nossa alma tem o seu lado moral e o seu lado espiritual. O lado moral representa o educação do altruísmo, o controlo do desejo; o lado espiritual representa a simpatia e o amor. Estes devem ser tomados em conjunto e nunca separados. A educação do lado meramente moral da nossa natureza conduz-nos à região sombria da estreiteza e dureza de coração, à arrogância intolerante da bondade; e a educação do lado meramente espiritual da nossa natureza conduz-nos a uma região ainda mais sombria de devassidão na intemperança da imaginação.»

Se as duas primeiras citações nos fazem pensar acerca do autodomínio, o desenvolvimento pessoal e a educação do caminho pessoal que vai da repulsa e da oposição à aceitação e à moderação, a última chama-nos a atenção para a necessidade de pensarmos na integralidade das coisas, que não são isto ou aquilo, mas, o mais das vezes, são isto e aquilo — e só assim fazem sentido.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

quarta-feira, novembro 05, 2025

#TOLERÂNCIA311 - A CAPACIDADE MOBILIZADORA DO VALOR DA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA311 - A CAPACIDADE MOBILIZADORA DO VALOR DA TOLERÂNCIA

Encontrei na Internet esta notícia. Repare-se no que o foco na Tolerância faz mobilizar. Num apanhado simples, temos: união, educação, entretenimento, paz, compaixão, inclusão, moderação, harmonia, diversidade, amor, solidariedade, colaboração, empatia, compreensão, envolvimento, consciência; e jovens.

Jacarta (ANTARA) [05NOV25]– O Ministério dos Assuntos Religiosos indonésio lançou 18 programas nacionais sob o tema “The Wonder of Harmony 2025” [A Maravilhosa Harmonia 2025], que decorrerão de Novembro a Dezembro para assinalar o Dia Internacional da Tolerância em 16 de novembro.

O Assessor Especial do Ministro para Políticas Públicas, 'Media' e Desenvolvimento de Recursos Humanos, Ismail Cawidu, afirmou que a iniciativa funciona como um movimento social e cultural para promover a união através de uma abordagem de dakwah-edutainment (educação e entretenimento com mensagens religiosas).

“O Ministério pretende apresentar uma imagem do Islão como pacífica, compassiva e inclusiva, através de métodos que envolvam todos os segmentos da sociedade, especialmente os jovens”, declarou Ismail na quarta-feira.

Frisou que as actividades reflectem o compromisso do Ministério em reforçar a moderação religiosa e a harmonia social como base da unidade nacional.

Programas como o Exposição de Divulgação Cultural IslâmicaCaminhada Desportiva pela HarmoniaAcampamento Inter-religiosoWorkshop de Ecoteologia e Festival Majelis Taklim (grupos de estudo islâmicos) serão realizados a nível nacional para alcançar comunidades diversificadas.

“Queremos reviver o espírito de Bhinneka Tunggal Ika (Unidade na Diversidade) de forma inspiradora. A arte, o desporto, os debates e as actividades sociais servirão como plataformas de harmonia”, afirmou Ismail.

O Director-Geral de Orientação da Comunidade Islâmica, Abu Rokhmad, referiu que The Wonder of Harmony integra a iniciativa Asta Protas Kemenag Berdampak do Ministério, especialmente no pilar “Harmonia e Amor pela Humanidade”.

Acrescentou que o programa não é meramente cerimonial, mas visa reforçar a solidariedade inter-religiosa e promover os valores universais do Islão como rahmatan lil ‘alamin (uma bênção para toda a criação).

“Este programa demonstra a colaboração entre o Ministério, grupos religiosos, académicos e comunidades para criar espaços que promovam a empatia e a compreensão”, afirmou.

Abu destacou que cada actividade transporta uma mensagem temática que integra dimensões espirituais e sociais. Uma delas, o Workshop de Mapeamento de Potenciais Conflitos Sociais, conta com especialistas como Frans Magnis Suseno e Amin Abdullah para identificar causas profundas de tensão e fornecer recomendações políticas.

“A harmonia deve ser planeada estrategicamente, não apenas promovida como um ideal moral”, sublinhou Abu.

Outros destaques incluem o Arranque da Cidade Waqf de Ambon (propriedade dedicada a fins religiosos ou sociais), os Prémios Nacionais de Cinema Islâmico e o Festival Majelis Taklim, todos concebidos para fortalecer o papel cultural, económico e educativo do Islão.

Abu enfatizou ainda o envolvimento dos jovens através de actividades como a Corrida de Família Sakinah 5K, o Estudo Cultural do Alcorão e a Oficina Criativa de Majelis Taklim, destinadas a construir consciência ambiental e colaboração intersectorial.(1)

(1) https://en.antaranews.com/news/390149/religious-affairs-ministry-holds-18-events-for-tolerance-day?

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس