quinta-feira, junho 19, 2025

#TOLERÂNCIA172 - A VISÃO DA INTOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA172 - A VISÃO DA INTOLERÂNCIA

Estou a falar do n.º 1685 da revista Visão, que foi hoje posto à venda. Em 3 dos artigos de opinião, a intolerância e o radicalismo político extremista são temas centrais.

O denominador comum é, parece-me poder conclui-lo, inspirando-me, bem ou mal, em Hanna Harendt, a constatação dum estado de banalização da agressão e da violência interpessoal, tanto verbalmente como fisicamente.

«Em 2019, em resposta a um recurso, os juízes da 9.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferiram um acórdão em que afastavam de qualquer castigo penal as injúrias ou ofensas proferidas no chamado “mundo do futebol”. Para os juízes, chamar nomes a alguém ou ao seu familiar, utilizando palavras obscenas ou até ameaças, eram “comportamentos reveladores de baixeza moral”, mas

“tolerados na cena futebolística”.

»Na época, o acórdão suscitou alguma polémica, após o então presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, se ter insurgido contra a sentença que considerava “transmitir um exemplo negativo” e que, na sua leitura, contrariava os “esforços de professores, pais e autoridades desportivas para a regulação dos comportamentos em situação competitiva”. Na opinião daquele que era um dos mais ilustres pensadores do desporto em Portugal, o acórdão decretava, na prática, que “um recinto desportivo é uma espécie de ‘offshore’ onde se pode praticar o que é criminalizado no exterior”.

»A polémica, no entanto, depressa foi esquecida. Até porque o acórdão o que fez, na altura, foi apenas dar espessura jurídica a algo que já se observava há vários anos: a normalização do insulto e dos discursos de ódio no “mundo do futebol”, como se o jogo se tivesse transformado numa guerra, e em que os duelos nos relvados chegam a perder importância em relação às trocas de acusações em frente aos microfones das televisões.

»Depois da normalização dos insultos no futebol, estamos agora a ultrapassar, enquanto sociedade, outro patamar na escala da falta de decência: a normalização da intolerância e do apelo à violência no discurso político. Os dois mundos estão a ficar de tal forma parecidos que só falta mesmo que, qualquer dia, um tribunal superior também apareça a justificar os insultos e as difamações permanentes como “toleradas na cena política”.», escreve Rui Tavares Guedes no Editorial.

«Em Portugal, temos como segunda força política um partido com uma narrativa racista, xenófoba, anti-imigração e claramente contra a Constituição e os seus principais valores. Este discurso objetivamente contra a democracia deixou de ser feito à boca pequena ou de estar apenas nas redes sociais, sendo amplificado pelos média tradicionais, tolerado pelo presidente da Assembleia da República e gritado em todo o lado sem o mínimo de pudor.», escreve Pedro Marques Lopes na página do Politicamente Correto.

«Pertencendo à geração que nasceu na época da II Guerra Mundial, ou na sua imediata sequência, após a
vitória do “mundo livre” sobre o nazi-fascismo, confesso nunca ter pensado viver um tempo em que se verificasse tamanha regressão em termos de humanismo, valores, democracia. Em termos de Direitos
Humanos. Ou, por outras palavras, desrespeito pelos direitos e pela dignidade de pessoas e povos, violência e crueldade levadas ao limite, até contra inocentes indefesos, violação grave e constante de princípios básicos de honestidade intelectual, boa-fé, compreensão, tolerância.

«Logo depois daquela vitória, em 1945, a criação da ONU, juntando todos os países do mundo para garantir a paz, tomar medidas sobre as grandes questões universais e ajudar ao desenvolvimento, foi
uma grande conquista e representou uma grande esperança.

»[...] De facto, não é tolerável mais a complacência, a passividade, a inação. As diferenças entre direita e esquerda continuam a existir, embora não as mesmas do passado. Mas na atual situação a primeira clara clivagem, e a primeira linha do combate, em todas as frentes, deve ser, tem de ser, entre os que defendem a democracia e os que querem destruí-la; entre os que advogam a tolerância, o respeito pelos outros, e os semeadores de ódio; entre o humanismo e a lei da selva; entre a decência e a indecência.», escreve, finalmente, José Carlos de Vasconcelos, no Bloco Notas.

Para o cada vez mais difícil trabalho dos agentes da Educação, a tentação de resvalar para o «Não há condições...» ou o «Não vale a pena, a gente faz e eles depois desfazem» pode ser grande, mas não deve ser nunca a opção. A Educação deve sempre, sempre, sempre, procurar alimentar o gosto por conhecer, cultivar o diálogo de uns com os outros, despertar para a riqueza da diversidade humana e cultural; promover a a aprendizagem tolerante da discussão e do confronto, e da capacidade de ceder e negociar.

Não há alternativa: os professores fazem a sua parte, os políticos a deles, os juízes e as autoridades policiais as suas. Temos todos de reaprender as respeitar as instituições democráticas.

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quarta-feira, junho 18, 2025

#TOLERÂNCIA171 - AS PALAVRAS ESTÃO GASTAS?

 #TOLERÂNCIA171 - AS PALAVRAS ESTÃO GASTAS?

O verso é de Eugénio de Andrade. O verso desafia-nos. É, no nosso caso, o desafio de passar das palavras às acções.

Existe uma Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI). É o «órgão de monitorização composto por 47 peritos independentes, especializado no combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia, antissemitismo e intolerância. Desenvolve atividades de observação destes fenómenos e de cooperação com Estados e outras entidades, elaborando relatórios e recomendações.

»A sua criação foi decidida na primeira Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do CoE (Viena, 1993) e o estatuto aprovado pela resolução Res(2002)8 do Comité de Ministros, de 13 de junho de 2002.»(1)

E no entanto a intolerância cresce.

Vamos ao conhecimento da ECRI:

1) O texto de apresentação oficial da ECRI tem 6 páginas. A palavra "intolerância" aparece 17 vezes, e a palavra "tolerância" não aparece vez nenhuma.

2) Dessas 17 vezes, a palavra "intolerância" aparece 15 vezes ligada à palavra "racismo" («racismo e intolerância») e duas vezes à palavra "discriminação" («racismo, discriminação e intolerância»).

3) No relatório da ECRI referente a Portugal (escrito em inglês), adoptado em 18 de Março de 2025, e publicado precisamente hoje (18JUN25), com a extensão de 42 páginas(2) a palavra "tolerância" aparece 2 vezes (na expressão "tolerância zero").

4) Neste relatório de Portugal, a palavra "intolerância" aparece 32 vezes, das quais 21, mais uma vez ligada ao racismo («racismo e intolerância»).

Procuro alguma precisão conceptual ou clarificação operativa (Haverá quem me pergunte: mas o racismo e a intolerância necessitam de precisão ou clarificação operativa? Imediatamente eu respondo que sim, mas não quero fazer agora atalhar por este desvio), não encontro nada. São exortações, as tais recomendações a que se propõe a ECRI.

Vem-me à cabeça o clássico diálogo do Hamlet de Shakespeare:
Lorde Polónio: «O que ledes, meu senhor?»
Hamlet: «Palavras, palavras, palavras.»
Lorde Polónio: «O que é que se passa, meu senhor?»
Hamlet: «Entre quem?»
Senhor Polónio: «Quero dizer, o assunto que lestes, meu senhor.»

É frustrante ler as palavras tantas vezes repetidas, tantas vezes exortadas. Para passar da intenção à acção é preciso ir bem mais além.

O testemunho do Sheik David Munir, há 2 ou 3 dias, num canal televisivo(3) obriga-nos a pensar. Disse ele que tem necessidade de recomendar a imigrantes muçulmanos que, se estão em Portugal, devem fazer o Sermão nas mesquitas, nas orações de sexta-feira, em português porque tais imigrantes são renitentes em fazê-lo. Também disse que há imigrantes muçulmanos que não se querem integrar, não querem aprender a língua [portuguesa]; e que não concorda que um muçulmano que vem doutro país queira impor no país que o acolhe as práticas culturais do seu país de origem.

Estão a ver porque é preciso ir mais além do que a simples exortação ou recomendação da luta contra o racismo e a intolerância; e também da tolerância zero? Há um lado e há o outro lado. Ambos pedem acção pedagógica. As exortações serão as mesmas, mas quanto às estratégias de acção, são também as mesmas? Não temos aqui um desafio que pede para ser olhado de frente, tentando vencer estereótipos e preconceitos sociais, perspectivas maniqueístas e ideários políticos simplistas e grosseiros?

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(1) Página oficial da ECRI: https://www.coe.int/en/web/european-commission-against-racism-and-intolerance/
(2) https://rm.coe.int/sixth-report-on-portugal/1680b6668d
(3) https://cnnportugal.iol.pt/videos/ha-imigrantes-que-nao-querem-aprender-a-lingua-costumo-dizer-nas-mesquitas-estamos-em-portugal-o-sermao-tem-de-ser-em-portugues/684f3fd50cf20ac1d5f3309c

terça-feira, junho 17, 2025

#TOLERÂNCIA170 - TOLERAR A AUSÊNCIA DE NOVIDADE

 #TOLERÂNCIA170 - TOLERAR A AUSÊNCIA DE NOVIDADE

Ora aqui está uma coisa cada vez mais difícil nas sociedades em que eu e as pessoas que lêem o que eu escrevo vivemos: com tantos ecrãs (todos eles facilmente disponíveis, à distância dum simples toque do dedo indicador), com tantas notícias de última hora, com tanta publicidade agressiva: tolerar a ausência de novidades. Nem que seja preciso ir mesmo ao fim do mundo! Há-de lá estar a novidade que é preciso agora pôr à disposição dos adictos da informação (já noutra paragem desta viagem abordei o tema da dieta da informação) para os aliviar da ansiedade da dose de que se sente carência.

Cal Newport, num muito contundente livro sobre "A Concentração Máxima num Mundo de Distracções" (Actual, 2024) escreve, a páginas tantas (traduzi directamente do inglês com a ajuda do Deepl.com):

Proponho uma alternativa ao Sabbath da Internet. Em vez de programar a pausa ocasional da distracção para se poder concentrar, deve programar a pausa ocasional da concentração para ceder à distracção. Para tornar esta sugestão mais concreta, vamos partir do pressuposto simplificador de que

a utilização da Internet é sinónimo de procura de estímulos de distracção. (É claro que se pode usar a Internet de uma forma focada e profunda, mas para um viciado em distracção, esta é uma tarefa difícil). Da mesma forma, vamos considerar que trabalhar na ausência da Internet é sinónimo de um trabalho mais concentrado. (É claro que é possível encontrar formas de se distrair sem uma ligação à rede, mas estas tendem a ser mais fáceis de resistir).

Com estas categorizações aproximadas estabelecidas, a estratégia funciona da seguinte forma: marque com antecedência quando vai usar a Internet e evite-a completamente fora desses horários. Sugiro que mantenha um bloco de notas perto do seu computador no trabalho. Nesse bloco, registe a próxima vez que pode utilizar a Internet. Até chegar a essa altura, não é permitida qualquer ligação à rede - por mais tentadora que seja.

A ideia que motiva esta estratégia é que a utilização de um serviço de distracção não reduz, por si só, a capacidade de concentração do cérebro. Em vez disso, é a mudança constante de actividades de baixo estímulo/alto valor para actividades de alto estímulo/baixo valor, ao menor sinal de aborrecimento ou desafio cognitivo, que ensina a sua mente a nunca tolerar uma ausência de novidade. Esta mudança constante pode ser entendida de forma análoga como enfraquecer os músculos mentais responsáveis por organizar as muitas fontes que disputam a sua atenção. Ao separar a utilização da Internet (e, por conseguinte, as distracções) está a minimizar o número de vezes que cede à distracção e, ao fazê-lo, permite que estes músculos de selecção da atenção se fortaleçam.

Repare-se no que o escritor e professor de Ciências Informáticas está a dizer: o busílis da questão não está no foco (distracção ou concentração), mas no processo (mudar constantemente duma coisa para a outra).

Em síntese: sim, façam-se pausas (da concentração e embarque-se na distracção); procure-se aumentar, aos pouquinhos, os períodos de concentração; usem-se pensamentos auto-induzidos a convencer que, na verdade, não se necessita de se ter conhecimento de tantas novidades — até porque muitas das novidades são falsas (desinformação) e dá-se tempo para que sejam filtradas e muitas das aparentes novidades sejam eliminadas.

A regulação (ou terapia, já que estamos perante comportamentos adictivos) auto-induzida habitualmente é mais fácil do que a regulação (terapia) imposta de fora.

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segunda-feira, junho 16, 2025

#TOLERÂNCIA169 - A TOLERÂNCIA NA AVALIAÇÃO ESCOLAR

 #TOLERÂNCIA169 - A TOLERÂNCIA NA AVALIAÇÃO ESCOLAR

Estou a concluir a minha última acção de formação obrigatória para professores. Estou à beira de me reformar, mas ainda posso subir 1 escalão na carreira, e a subida está dependente da frequência com aproveitamento desta acção de formação.

O tema da acção de formação é a avaliação dos alunos. Hoje, terminadas as obrigações escolares, pus-me a preparar a minha participação na sessão de formação de amanhã (a última sessão síncrona) e lembrei-me de me meter à conversa com o ChatGPT acerca, precisamente, da avaliação e da Tolerância. A questão-gatilho foi a seguinte: «Avaliação dos alunos. Do ponto de vista da avaliação quantitativa, o que é ser tolerante na avaliação dos alunos? Responde em português de Portugal.»

O ChatGPT respondeu-me assim:

Claro!
Do ponto de vista da avaliação quantitativa, ser tolerante na avaliação dos alunos pode significar algumas coisas, sempre com o objectivo de garantir justiça, humanidade e compreensão do percurso individual de cada aluno, sem abdicar dos critérios de rigor. Em português de Portugal, podemos descrever assim:
1) Considerar margens de erro: admitir que um aluno pode, ocasionalmente, cometer pequenos deslizes que não reflectem necessariamente o seu real nível de conhecimento ou competências. Por exemplo,

não penalizar excessivamente por um erro isolado, desde que o essencial esteja correcto.
2) Atenuar o peso de avaliações pontuais: evitar que uma única má nota tenha um impacto desproporcionado na classificação final. A média ponderada de vários instrumentos de avaliação pode ser uma forma de praticar essa tolerância.
3) Reconhecer progressos e melhorias: dar algum peso ao progresso demonstrado ao longo do tempo. Se um aluno evidencia melhorias consistentes, a avaliação quantitativa pode reflectir essa evolução, mesmo que nem todos os resultados sejam elevados.
4) Flexibilizar critérios em situações justificadas: em casos de dificuldades pontuais devidamente fundamentadas (problemas de saúde, dificuldades pessoais, etc.), o professor pode ajustar o peso de determinadas avaliações ou permitir avaliações de recuperação.
5) Evitar avaliações “cegas” ou excessivamente mecânicas: ser tolerante implica ter em conta o contexto e não aplicar os critérios de forma inflexível, sempre dentro dos limites definidos pelas normas da escola ou instituição.

Resumindo:
Na avaliação quantitativa, ser tolerante é aplicar os critérios com justiça, ponderação e bom senso, reconhecendo o percurso e as circunstâncias dos alunos, sem perder o rigor, mas evitando rigidez excessiva.
Se quiseres, posso também dar exemplos concretos — por exemplo, numa prova escrita, num trabalho de grupo, ou em exames nacionais. Queres?

Eu quis, e fomos por ali fora. O ChatGPT construiu-me anúncios, tabelas, memorandos, listas, guias para professores...

Para aqui trago apenas algumas frases interessantes, que vou escrever por ordem cronológica de irem aparecendo nas respostas do 'chatbot':

a) «Tolerância não significa "dar a nota", mas sim aplicar o bom senso pedagógico na análise quantitativa dos resultados, com justiça e equilíbrio.»
b) «Se a tolerância for tão grande que se abdica dos critérios definidos (competências, conhecimentos, qualidade exigida), o resultado deixa de reflectir o verdadeiro nível do aluno.»
c) «Se o aluno é sempre beneficiado por uma avaliação demasiado tolerante, pode criar a ilusão de que está preparado, quando na verdade não está.»
d) «A Tolerância excessiva aplicada de forma desigual pode ser percepcionada como injusta por outros alunos.»
e) «Se um professor ou uma escola são sistematicamente demasiado permissivos, a credibilidade das classificações fica comprometida.»
f) «A exigência é também uma forma de respeitar o potencial dos alunos. Uma avaliação tolerante demais pode impedir o aluno de ser desafiado a melhorar.»

A certa altura pedi ao ChatGPT: «Sim, mostra como articular tolerância e rigor (estratégias práticas para o professor).»

g) «Explicar aos alunos o que se espera em cada avaliação: conteúdos, competências, qualidade de resposta. E distinguir o que é essencial (que não pode falhar) do que é acessório (onde se pode ser mais flexível).»
h) «Sempre que se aplica alguma tolerância, explicar ao aluno: o que foi valorizado; o que poderia ter sido melhor; o que deverá melhorar no futuro. Isto evita que o aluno confunda tolerância com ausência de exigência.»
i) «Ter consciência da distinção entre Tolerância sem rigor, rigor sem Tolerância e Tolerância com rigor.»
j) «A aplicação da tolerância não significa ser "simpático", mas sim ser pedagogicamente inteligente. Sempre ao serviço da aprendizagem duradoura e significativa.»
k) Finalmente diz que «A avaliação serve o processo de aprendizagem, não apenas a classificação. Tolerância não é facilitismo: é ponderação pedagógica. Rigor não é rigidez: é aplicação de critérios claros e consistentes.»
l) Para acabar mesmo, diz: «Aplicar tolerância sistemática: desvirtua o rigor. Ser excessivamente rígido: bloqueia o desenvolvimento. Não comunicar aos alunos o porquê das decisões: gera confusão e desmotivação. Mensagem final: o verdadeiro equilíbrio entre tolerância e rigor respeita o aluno, a aprendizagem e a seriedade do sistema educativo. Ser justo não é dar, é ajudar a conquistar.»

Um dos grandes desafios dos sistemas escolares (especialmente do nosso) é ser capaz de libertar os professores e os alunos do papão das avaliações, para que eles se possam dedicar mais plenamente ao que mais interessa, os motiva e os satisfaz: aos professores, é ensinar; aos alunos, é aprender.

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domingo, junho 15, 2025

#TOLERÂNCIA168 - TOLERAR, O PRIMEIRO PASSO PARA IR AO ENCONTRO DOS OUTROS

 #TOLERÂNCIA168 - TOLERAR, O PRIMEIRO PASSO PARA IR AO ENCONTRO DOS OUTROS

As circunstâncias de hoje juntaram uma olhadela na Metafísica de Aristóteles (aproxima-se a disponibilidade de tempo para a ler integralmente, e a edição com 50% de desconto na Feira do Livro surgiu plena de oportunidade), outra olhadela em "As Minhas Invenções", a autobiografia de Nikola Tesla (também com 50% de desconto), e a terceira olhadela foi para "As Sensações e as Emoções na Arquitectura", de Pedro Araújo Napoleão (ao preço pechincha de 5 euros).

A primeira frase da Metafísica diz que «Todos os homens desejam por natureza conhecer.» e logo a seguir argumenta que é a visão o sentido que melhor nos auxilia a conhecer as coisas.

Nikola Tesla, praticamente a terminar a autobiografia, afirma: «A observação deficiente é meramente

uma forma de ignorância e é responsável pelas muitas noções mórbidas e ideias tolas prevalecentes.»

Pedro Araújo Napoleão, na 2.ª parte do seu livro, no capítulo "Expressão. A relação que o sujeito e o desenho estabelecem na Arquitectura", cita Rocha de Sousa (1980) e escreve: «Quando se fala de visão não se fala apenas da capacidade de olhar, essa espantosa capacidade que nos permite registar as sensações e percepções visuais. Nós podemos passar dias seguidos numa certa rua, sensíveis visualmente ao seu aspecto global, sem tomar consciência de muitos sinais e características particulares dessa parte do meio urbano. De certa maneira podemos então dizer que o nosso olhar funcionou ao nível das sensações, e mesmo das percepções, mas que não tivemos uma consciência profunda do lugar. Ver é ir ao encontro das coisas, é a coordenação dos diferentes olhares, das diferentes sensações, das diferentes percepções, das próprias memórias que nos informam os actos e as escolhas. Ver é escolher e é julgar. Ver é compreender.»

Em síntese: temos a importância do olhar (Aristóteles), a importância de observar correctamente (Tesla) e temos a motivação de olhar para ver (Sousa). Olhar as coisas e, acrescento eu, as pessoas, o Outro.

Se não olharmos correctamente, se não percepcionarmos adequadamente, como diz Tesla, ficamos à mercê das ideias distorcidas e repulsivas ("mórbidas" e "tolas", diz ele) prevalecentes. Apetece dizer que, nesta conjugação, tolerar é o primeiro passo do caminho que vai do reconhecimento da existência do Outro à aceitação de observar esse Outro de forma adequada, não deficiente. O ir ao encontro dele, do Outro, pede mais um esforço, mais uma decisão, mais um olhar não ignorante.

É mais fácil o esforço, a decisão e o olhar sobre uma coisa do que sobre um Outro. A coisa é um objecto passivo, a invenção de Tesla ou o edifício do arquitecto não se move e não se vê senão à medida do que o observador (nós) solicitamos dele e queremos ver dele. O Outro não é uma coisa, é um sujeito que também nos observa e não age passivamente à nossa solicitação, por isso , tantas vezes evitamos olhar o Outro, para não nos pormos à mercê de sermos vistos e reconhecidos por ele. Em rigor, não podemos observar o Outro sem sermos também observados por ele, e isso inquieta-nos (seja por insegurança, medo, rivalidade, sobranceria, desconhecimento; seja porque seja).

A constatação a que assim chegamos é a que encontrámos já noutros lugares desta viagem: a Tolerância, a que é positiva, pede esforço pessoal. Podemos acrescentar agora com mais clareza que pede também reciprocidade.

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sábado, junho 14, 2025

#TOLERÂNCIA167 - TOLERÂNCIA ENTRE OS SABERES CIENTÍFICOS

#TOLERÂNCIA167 - TOLERÂNCIA ENTRE OS SABERES CIENTÍFICOS

«Vendo bem as coisas, nunca tocamos em nada. O que se sente como “sólido” é apenas a força eletromagnética dos átomos que se atiram contra os nossos. Não é a nossa mão que bate na mesa – são forças invisíveis a dizer: “Vá, chegas até aqui".»

O 'Astrophilesz' é um perfil do Instagram, que sigo regularmente, e que se apresenta afirmando «Dos quarks aos quasares, cobrimos tudo.» E o que lá alguém escreve vai mesmo dos quarks aos quasares, vai, do infinitamente pequeno e próximo aos infinitamente grande e distante.

O que neste perfil escrevem demanda muita tolerância, já que, sendo verdade, é inaceitável. É verdade, temos de ler, aceitar muito tolerantemente o conhecimento, mas logo a seguir recusar a verdade que ele contém. Em rigor, com a afirmação com que abro este registo da jornada de hoje os especialistas estão a dizer que os seres humanos, as pessoas, não existem, só existem forças electromagnéticas.

No que diz respeito ao quasares e à extensão infinita do Universo, os próprios astrónomos assumem a impossibilidade de conseguir percepcionar mentalmente a realidade astronómica, por mais capaz que seja o cérebro humano para "ver" o que não está al alcance dos olhos do sapientíssimo 'Homo'.

No que diz respeito aos quarks, eventualmente mais facilmente representáveis pelas competências perceptivas da mente humana, podemos compreender que...

«Mais de metade das células do seu corpo nem sequer são humanas. O seu corpo é basicamente um ecossistema ambulante - o lar de triliões de bactérias, vírus e micróbios. Mas não se preocupe - em peso e volume, continua a ser maioritariamente humano. Mas em número de células? Está seriamente em desvantagem numérica.»

e também que...

«99,99% de um átomo é apenas espaço vazio. Se removêssemos todo o espaço vazio de cada átomo de cada ser humano na Terra, toda a população humana poderia caber no volume de uma única maçã. E, no entanto, esta ilusão de solidez é o que nos permite andar, tocar, construir e existir. Não é a matéria em si, mas as forças electromagnéticas entre as partículas que criam esta resistência a que chamamos “sólida”.»

Sim, compreender, até compreendemos, mas não podemos aceitar que o nosso entendimento seja dominado por estas realidades físicas e químicas, infra-físicas e infra-químicas. Permitir que isso acontecesse deixar-nos-ia prisioneiros de realidades que o ser humano (bem como qualquer outro ser vivo) não domina e esvaziar-nos-ia daquilo que, tanto quanto sabemos até agora, apenas o 'Homo sapiens' do planeta Terra do Sistema Solar da constelação Via Láctea, e por aí fora, tem: a consciência de si próprio, a consciência da Vida, a consciência do Universo.

Como um dia ouviu Fernando Pessoa, pela ficção de Bernardo Soares, ao sujeito da mesa de café ao lado, «A vida é assim, mas eu não concordo.» Estamos de novo perante as relações e os limites ente a Tolerância, a compreensão e a aceitação: compreendemos a exactidão do Conhecimento, toleramos a sua existência nas nossas vidas, mas não podemos aceitar que ele determine as nossas decisões e as nossas acções.

O bem-estar e a felicidade não são o simples resultado da aceitação da realidade física e química, atómica e subatómica, das coisas, dos seres e dos entes, sejam eles infinitamente grandes ou infinitamente pequenos. Até porque as dinâmicas desses mundos não são recomendáveis exemplos de conjugação, harmonia, cooperação e equilíbrio, bem diferentes destas coisas são! Não! Essas dinâmicas mostram-nos precisamente que muitas vezes há que escolher, optar, seguir um rumo e abandonar outro.

É verdade, a realidade dos quarks e dos quasares instiga o Ser Humano a ser tolerante com o Conhecimento.

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sexta-feira, junho 13, 2025

#TOLERÂNCIA166 - TOLERAR E MATAR. PARA VIVER.

 #TOLERÂNCIA166 - TOLERAR E MATAR. PARA VIVER.

"Poupa-se um tempo precioso". Este é um subtítulo dum artigo do "Le Figaro Magazine" de 13-14 de Junho de 2025.

O artigo é de Brigitte Fanny Cohen, e é introduzido com o chamariz: "A tecnologia ao serviço da ciência /
Um salto de gigante para a investigação médica / O início do século XXI está a ser vítima de epidemias devastadoras, mas está também a demonstrar uma capacidade de inovação sem precedentes, com o rápido desenvolvimento de novas vacinas e medicamentos. Progressos possíveis em parte graças ao desenvolvimento da inteligência artificial e da biotecnologia."

A certa altura, lê-se assim:

«Normalmente, são necessários cerca de dez anos e milhões de dólares para que um medicamento ou uma vacina seja introduzido no mercado. No caso de epidemias mortais, é difícil esperar tanto tempo. No caso do Ébola, foram necessários vários meses para identificar o vírus e vários anos para

encontrar uma vacina. Durante a epidemia da Covid-19, foram necessárias apenas algumas semanas para identificar o vírus e alguns meses para produzir vacinas. A IA [Inteligência Artificial] deu um impulso sem precedentes à investigação. Por exemplo, permitiu realizar as primeiras fases dos ensaios clínicos virtualmente e, por conseguinte, muito mais rapidamente, utilizando “gémeos digitais”: pacientes virtuais ou modelos informáticos que reproduzem com precisão as caraterísticas de um indivíduo. A IA pode agora analisar milhões de conjuntos de dados biológicos, genéticos e moleculares a alta velocidade. "Apresentamos ao nosso sistema de IA milhares de moléculas: o seu conhecimento da física permitir-lhe-á determinar se uma delas é bem tolerada e se pode ter um efeito positivo num determinado vírus, cancro ou doença inflamatória… Como resultado, podemos iniciar um estudo clínico com uma molécula que já demonstrou a sua eficácia e ausência de toxicidade. Isto permite-nos ganhar um tempo precioso, pois acelera o processo de descoberta de novos medicamentos, ao mesmo tempo que reduz consideravelmente os custos de investigação", explica Jean-Philip Piquemal, Diretor do Laboratório de Química Teórica (Universidade de Sorbonne/CNRS) e co-fundador da Qubit Pharmaceuticals.»

É o sol na eira e a chuva no nabal. É a quadratura do círculo. Tantas vezes assim se tem desejado, tantas vezes assim se tem tentado, algumas vezes assim se tem conseguido. Agora quer-se mais, melhor e mais rapidamente.

Tudo se passa dentro do organismo dos seres humanos. Não é só entre os seres humanos que a Tolerância não é fácil, que a Tolerância é exigente; também é dentro de cada ser humano. E dentro de cada ser humano não é só na mente, o indivíduo confrontando-se com a decisão do tipo to-be-or-not-to-be, tolerar ou não tolerar. Não é só na mente, é também no corpo, na fisiologia dos tecidos e nas reacções químicas das células.

São os limites da Tolerância ou a Tolerância selectiva. Não há dilema entre tolerar e matar, há a intenção de que parte de mim, do meu organismo tolere e outra parte seja eliminada, poderosamente eliminada.

Que podemos nós aprender do que se passa dentro das pessoas para o que se passa entre as pessoas?

Algumas pistas: que a Tolerância é valiosa; que a Tolerância não é absoluta ou total; que a Tolerância não é passiva e reclama empenho e dedicação; que a Tolerância pede abertura à investigação e ao conhecimento sistemático e consolidado; que a Tolerância requer atenção ao tempo, as oportunidades não são eternas; que a Tolerância pede conjugação de esforços e trabalho de equipa. Que a Tolerância pode falhar; e, se falhar, é preciso tentar de novo, aprendendo com as falhas e com os erros.

Estou a imaginar-me a coordenar uma acção de formação (seja para professores, pessoal da Saúde, agentes de Serviço Social, dirigentes desportivos; ou líderes políticos, desde as autarquias ao Governo nacional) e a entregar este tema a um dos formandos, pedindo-lhe que prepare uma sessão para exploração deste tema. Apetece-me perguntar já: há algum voluntário?

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quinta-feira, junho 12, 2025

#TOLERÂNCIA165 - «AVANCE RAPIDAMENTE E DESTRUA COISAS»

 #TOLERÂNCIA165 - «AVANCE RAPIDAMENTE E DESTRUA COISAS»

"Avance rapidamente e destrua coisas" é o título do 13.º capítulo (é o 12.º na edição inglesa que tenho) de "Os Traços Escondidos dos Génios" de Craig Wright.

É um capítulo interessante, um capítulo em que o autor associa o comportamento de pessoas que ele classifica como génios, e que são pessoas irascíveis, intolerantes e sem empatia; e mais algumas desqualidades, como diria Mia Couto. Apresenta testemunhos, inclusivamente, na primeira pessoa. Junta, entre outros, Elon Musk, Mark Zuckerberg, Thomas Edison. Começa assim o capítulo:

«Um homem tem de ser um génio muito grande para compensar ser um ser humano tão detestável".

Com estas palavras, a honrada correspondente de guerra Martha Gellhorn resumiu o seu marido, Ernest Hemingway, pouco antes do seu divórcio em 1945. Hemingway ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1954. Ele, além de génio, era também um rufia, um brigão, um adúltero e um alcoólico que acabou por se destruir. Temos o hábito de querer que os nossos génios sejam super-heróis, a forma mais elevada da espécie humana. “É justo”, disse Albert Einstein em 1934, “que aqueles que mais contribuíram para a elevação da raça humana e da vida humana sejam os mais amados.” No entanto, os génios desiludem-nos habitualmente, pelo menos a nível pessoal.»

Um pouco mais à frente, Craig Wright escreve:

«Elon Musk declara que o seu objectivo é nada mais nada menos do que a salvação da raça humana: “Quero contribuir tanto quanto possível para que a humanidade se torne uma espécie multiplanetária”,
aludindo assim ao seu objectivo de colocar pessoas em Marte quando o planeta Terra se tornar impossível de habitar. No entanto, segundo todos os relatos, ao nível da suas relações pessoais directas, Musk espezinh a família, os amigos e os empregados, mostrando-se rude e intolerante. Mark Zuckerberg afirmou mais do que uma vez que “o Facebook tem a ver com ligação e partilha - ligação com os teus amigos, família e comunidades, e partilha de informação com eles. ” Mas enquanto todos nós nos ligamos e partilhamos no Facebook, Zuckerberg tem vendido os nossos dados para ganhar dinheiro e, segundo muitos relatos, tem minado democracias em todo o mundo.»

Tem a Humanidade de pagar estes preços pela genialidade destes homens? Eu sou dos que pensam que não, que não temos, mas aceito discutir o tema. Vamos a isso?

O próprio Einstein dá o seu contributo para esta discussão. Fui ver a obra a que Wright foi buscar a citação de Einstein (facilmente a descarreguei da Internet) e encontrei, logo a seguir à afirmação que acima se reproduz dele, esta outra: «Mas se formos um pouco mais além e nos perguntarmos quem são eles, confrontamo-nos com dificuldades que não são nada de desprezar.» ("Ideas and Opinions by Albert Einstein", Good and Evil [O Bem e o Mal], Mein Weltbild [A minha visão do Mundo], Amsterdam: Querido Verlag, 1934 (edição americana de 1954).

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quarta-feira, junho 11, 2025

#TOLERÂNCIA164 - UM PERFIL TOLERANTE

 #TOLERÂNCIA164 - UM PERFIL TOLERANTE

Como é que se pode definir uma pessoa tolerante?

Hoje encontrei um exemplo de que gostei. Encontrei-o na edição de hoje do Jornal de Letras. Entre a página 11 e a 14, é homenageado o "editor 'inventor' de livros" José da Cruz Santos.

Dei especial atenção ao que sobre ele Vasco Graça Moura escreveu (depois explico porquê), que transcrevo já a seguir:

UM MODO ATIVO DE SONHAR Culto, tolerante e entusiasta, este homem revolucionou a edição portuguesa a partir dos anos 60. Já teria garantido, só por isso, um lugar nos anais da nossa cultura.

Mas ele foi muito mais longe. Desenvolveu empenhadamente uma relação com os agentes do processo, com os escritores, com os artistas, com os gráficos. Teve ideias de edições. Teve ideias de criações. Teve ideias de colecções e de tiragens especiais. Pôs uns em contacto com os outros. Promoveu estímulos e apoios. A pretexto de livros e de autores, encenou lançamentos e cerimoniais memoráveis. Com cada um soube falar em nome da cultura e da amizade, fazendo esse blending único que todos lhe ficamos a dever. Inventou e prossegue incansavelmente uma poética do livro. Entrega-se a cada novo projeto como se ele fosse o início do mundo. Viveu e vive intensamente nesse plano, em que interiorizou também o que é ser do Porto, viver no Porto, lutar e trabalhar no Porto, ser solidário no Porto. Soube enfrentar dificuldades de toda a ordem e não desanimar. Há 40 anos que faz assim, sem abdicar das suas fidelidades (...). Sabendo ser crítico e directo, sabe sobretudo admirar de alma e coração, apagando-se discreta e afectuosamente e deixando todo o espaço para a presença e afirmação daquilo que admira (...). Pessoalmente, devo à sua generosidade grande parte do que sou como autor e algumas das mais belas edições dos meus livros. E também algumas das mais belas cartas que recebi. E também alguns gestos de uma delicadeza inexcedível (...). Sonhos. Sei que ele detesta que o ponham na berlinda e prefere que não se fale no seu modo ativo, interactivo e conspirativo de sonhar acordado. Mas 40 anos de actividade são 40 anos de actividade e, pedindo vénia a Sebastião da Gama, posso dizer, como de uma fiel intransigência, que, com José Domingos da Cruz Santos, “pelo sonho é que vamos”.(1)

Cheguei ainda a conhecer Vasco Graça Moura e tive com ele uma pequenina troca epistolar entre Abril e Novembro de 2013. Iniciada por ele!, o que muito me honrou e de que lhe fiquei sempre profundamente grato. O duplo cancro que lhe foi tirando a saúde impediu que a conversa e a escrita entre ambos pudessem ter durado mais tempo, foi pena.

Achei interessante que a segunda palavra deste texto de reconhecimento do valor especial de José da Cruz Santos fosse "tolerante" porque eu tinha (digo tinha, porque, depois de o conhecer pessoalmente, amaciei um pouco a minha imagem de VGM) a ideia de VGM ser uma pessoa contundente e... intolerante!

Talvez por isso mesmo me agrade especialmente que seja este vulto enorme da Cultura Portuguesa a dar-nos, neste pequenino texto, os componentes mais importantes do perfil da pessoa tolerante. Na minha opinião, estão todos: "culto... entusiasta... empenhado na relação com os outros... pôs uns em contacto com os outros... promoveu estímulos e apoios..." E mais 4 ou 5, que não enumero, senão faço todo o trabalho sozinho, e o que é de valor sólido e duradouro é a construção colectiva.

Identificá-los, listá-los e reflectir acerca deles é o tempo de mais outra sessão de boa Pedagogia e boa Educação da Tolerância.

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(1) Corrigi na transcrição um erro ortográfico; e mudei a escrita do AO em vigor para o anterior. Ao mudar a escrita, penso que estarei a ser mais respeitoso em relação à escrita livremente assumida pelo autor, em vida, do que os editores deste número do JL.

terça-feira, junho 10, 2025

#TOLERÂNCIA163 - O MUNDO NÃO TOLERA AMBIVALENTIAS

 #TOLERÂNCIA163 - O MUNDO NÃO TOLERA AMBIVALENTIAS

Tenho revisitado os textos de Mia Couto, na sequência das coisas que levei aos alunos nas últimas aulas do secundário, tanto as deles como as minhas.

No Cronicando, na segunda metade do livro, aparece a crónica "O Secreto Namoro de Deolinda". Começa assim:

«Encontrei o marxista não-praticante. Ponha-lhe aspas, quem quiser. Por respeito do marxismo, eu lhe denomino de marxistianista. Pois, o homem. Cara gatafunhada, parecia ter tomado bicarbonato de ódio. E era comigo, motivo das minhas crónicas. Quem faz uma crónica acrescenta uma tónica, isso ele sabia.

»Contudo, eu precisava ser mais directo, de escrita bem pontiaguda. O mundo, adiantava ele, é um

assunto gravíssimo, não tolerando ambivalentias. E sentenciava: há que ser mais contundente. Expliquei-me, eu que de contundentição nem tenho escola. Mas ele, militante, mil e tanto. Ou já eu não alvejava o inimigo de classe, a interna burguesia? Ou considerava eu que a luta de classes, sempre em fase aguda, era uma questão decadente? Ora, decadente, não é a pessoa que tem dez dentes, perguntava eu. Mas ele, em fase de nervoso crescente, não autorizava brincadeira. O marxistianista se pronunciava sempre em maiúsculas. Que o capitalismo, o imperialismo, a África Austral. As suas ideias, de grandes formatos, abrangiam amplos futuros. Enquanto eu apenas me propunha ele decretava ora queixumes ora sentenças. Às duas por triz, eu me surpreendia: pode alguém estar apetrechado de tanta certeza? Parecia o sujeito já tinha lido toda a redacção de Moçambique, enquanto nós andamos num saltitar de olhos, lendo à moda de Mussagy Papá, nosso ilustre e empresariado contorcionista. A história de qualqueríssimo país é um texto de parágrafos salteados. Só o futuro os ordena, alisando as linhas, retocando as versões.»

"O mundo, adiantava ele, é um assunto gravíssimo, não tolerando ambivalentias." É um pretexto para voltar ao lugar onde se fala de a Tolerância estar a aumentar ou a diminuir no Mundo. Sim, alinho.

Depois — deixo a sugestão —, aprecie-se a liberdade criativa do autor em tantas palavras e ajuntamento delas que faz só neste bocadinho de texto. Admito que haja quem não goste, quem não... tolere. Por mim, gosto muito.

Sabem qual é a que corrijo nos trabalhos dos meus alunos, os que escrevem em português de Portugal? Onde o autor escreve "Por respeito do marxismo, eu lhe denomino de marxistianista." eu emendo para "Por respeito ao marxismo, eu denomino-o marxistianista." Abrimos aqui outra discussão, outra reflexão? Vamos a isso!

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segunda-feira, junho 09, 2025

#TOLERÂNCIA162 - MARCAS HISTÓRICAS DE INTOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA162 - MARCAS HISTÓRICAS DE INTOLERÂNCIA

No 2.º livro da trilogia "As Areias do Imperador", "Sombras da Água" (que tem Gungunhana como figura central), Mia Couto abre o capítulo 31 com este trecho:

Não olham os missionários suíços a meios para conseguirem a simpatia dos pretos, não os contrariam em cousa alguma e dão-lhes liberdades poucos educadoras e nada próprias, como, por exemplo, a de

lhes apertarem as mãos. E tão habituados estão os pretos das imediações d’esta missão a estes fraternais cumprimentos que, ao visitá-la, veio direito a mim, de mão estendida, um preto criado da mesma missão! Pode muito bem ser que seja este o melhor processo de educar o indígena mas, quanto a mim, não o posso tolerar, nem mesmo admitir. Tratá-los bem, educá-los, ministrar-lhes bons ensinamentos e fazer deles homens aptos e hábeis, que possam um dia ser úteis a si próprios e à sociedade, sim senhor; agora descer a ponto de estender a mão a um preto boçal, isto é que não.
(AHM-ACM, secção E, caixa 169, março 1911, doc. 506, do Administrador da Chai-Chai ao governador do distrito de Lourenço Marques, de 28 de novembro de 1911.)

O que escreve o Administrador da vila de Moçambique não nos surpreenderá, ele, com o que escreve, confirma o que tantas vezes pensamos acerca do poder e da intolerância dos colonizadores das regiões africanas.

Digo regiões e não países porque, ao que parece, o conceito de países é bem mais da mundividência do mundo ocidental (imprecisão difusa que um dia vou estudar melhor) do que das culturas africanas , que cultivava formas de vizinhança com outros critérios, mais ligados às línguas, às culturas e às geografias.

Aquilo para que quer chamar a atenção é para os outros (europeus, suíços; provavelmente brancos), os que, já nessa altura, estendiam a mão a um preto.

Vou guardar o trecho, e mais as outras coisas que vou seguramente aprofundar à volta dele, para uma das sessões de dinâmica de grupo.

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domingo, junho 08, 2025

#TOLERÂNCIA161 - NISTO, SOU MAIS TOLERANTE DO QUE O MEU PAI

 #TOLERÂNCIA161 - NISTO, SOU MAIS TOLERANTE DO QUE O MEU PAI

Sou, mas não sei se é ele quem tem razão!... Digam de vossa justiça.

Hoje de manhã, em 3 lojas do centro comercial Vasco da Gama (a primeira das quais já bem perto das 11 horas), à despedida, os simpáticos empregados desejaram-me um bom fim-de-semana.

Tenho a certeza, certezinha, de que o meu pai não ficaria calado e alguma coisa deste tipo ele diria: «Bom fim-de-semana?... Só se for o da semana que vem, depois do Santo António, é que este está já mais acabado do que a começar. Já reparou que já passou bem mais de metade do fim-de-semana? Por mim, desejo-lhe boa continuação deste domingo, e que Portugal ganhe logo à Espanha; e, se lhe quiser desejar um bom fim-de-semana, terei de invocar o Santo António, de Lisboa, note bem, de Lisboa!, não é o de Pádua, e então sim, que esse fim-de-semana, repito, esse fim-de-semana, o que vem depois do Santo António, lhe seja como bem desejar e aprouver!»

Pois eu, mesmo pensando o mesmo que o meu pai, não disse nada. Sorri nas 3 ocasiões (na Worten, na FNAC e no Spacio) e saí das lojas.

Se os meus interlocutores fossem alunos do ano lectivo que está a acabar? Sim, de certeza, tinha-lhes falado ao jeito do meu pai. E se não fossem? Se não fossem, duvido que os tivesse corrigido.

São «as malhas que o Império tece», diria o Poeta dos Heterónimos. As malhas são as eventuais contradições e o Império é a mente de cada um de nós.

Os professores, sobretudo os mais velhos, observam mudanças nas relações da Língua com o Pensamento e nas construções frásicas (faladas e escritas), mudanças marcadas pelo empobrecimento vocabular, o sincretismo; a banalidade e o laxismo.

Pensar exige esforço (pela enésima vez repito que o cérebro é o órgão do corpo que mais energia consome; e se consome muita energia é porque muito trabalha); e cada vez mais, logo desde pequeninas, os jeitos educativos parentais, depois continuados nas escolas, são de solicitar cada vez menos o esforço de pensar, falar e bem comunicar, tanto com as outra pessoas como consigo próprio.

Abunda, nas aulas, o remate preguiçoso dos alunos aos professores: «O 'stôr' percebeu o que eu quis dizer...» E muitos dos alunos acrescentam ainda, uns quantos bem-humoradamente, mas muitos reclamando a justeza da sua posição: «Por isso está bem o que eu disse, o 'stôr' não pode dizer que está mal.»

Nas expressões de saudação, quando duas pessoas se encontram, há uma em que eu cheguei a pensar que se tinha chegado à formulação mais simples: da original «Então, está tudo bem?», evoluiu-se para «Então, 'tá tudo bem?»; a seguir para «'Atão, tá tudo?». Eu pensava que iria ficar por aqui, mas não. Evoluiu para «'Tão, tá tudo?»; depois para «Tão, tudo?»; e ainda, machadada final, «Tudo?».

Não quero falar da culpa dos telemóveis, dos SMS, do WhatsApp, nem dos ecrãs.

Os meus alunos sabem que há na vida momentos críticos do desenvolvimento do cérebro em que este notável órgão se serve duma bem impiedosa lei: "Se não usa, corta". A velha neurofisiologia também sabia por que razão dizia que "a função faz o órgão". Da tradição walloniana (Henry Wallon, o "pai" da Psicomotricidade), sabemos quão importante é o falar nas relações entre a Linguagem e o Pensamento.

Para Wallon, a linguagem e o pensamento estão em uma relação de reciprocidade. Isso significa que a linguagem não é apenas um meio para expressar o pensamento, mas também age como um instrumento e suporte indispensável para o seu progresso e estruturação.

Por isso, confesso que estou mesmo à beirinha de reconhecer que a minha Tolerância ao laxismo da expressão verbal não é amigo do bom desenvolvimento, e do bom uso da Inteligência e da Comunicação.

A falar, falar bem, é que a gente se entende; e a falar, a falar bem, é que a gente se entende a si própria (e alimenta a sua própria inteligência).

As crianças, quando aprendem a falar, naturalmente se dispõem a aprender tudo, mesmo tudo, até as palavras mais difíceis. Que os pais e os educadores aproveitem esse momento sensível em que todas as crianças se empenham com prazer, saboreando cada nova aprendizagem. Não desdenhemos das capacidades de aprendizagem das crianças! Às tantas, o que não suportamos é o esforço das nossas obrigações educativas. Temos pressa e não toleramos o tempo natural das aprendizagens.

Já há muito que anda por aí, famosa, a frase de «O Inferno somos nós». É, os laxistas, os relaxados, os preguiçosos somos nós.

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sábado, junho 07, 2025

#TOLERÂNCIA160 - O RISCO DO INTOLERÁVEL SE TORNAR NORMAL

 #TOLERÂNCIA160 - O RISCO DO INTOLERÁVEL SE TORNAR NORMAL

As minhas últimas aulas do 12.º ano, nas duas últimas semanas de aulas, tiveram um protagonista especial: Mia Couto. Porque ele escreveu um texto muito bonito, que leu precisamente a estudantes, em que falava sobre aprender, educar, professores, alunos, racismo, discriminação e exclusão; e porque ele criou deu vida ao fascinante Mwanito, o afinador de silêncios.

O texto dá pano para mangas, é recurso precioso para várias sessões de reflexão e discussão em grupo, sobre muitos temas, entre eles, a Tolerância. Foi lido numa Aula inaugural, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo (Moçambique), em 2012.

A certa altura, Mia Couto diz assim:

«Todos os dias centenas de chapas de caixa aberta transitam por esta cidade que parece afastar-se do seu próprio lema “Maputo, cidade bela, próspera, limpa, segura e solidária”. Cada um destes “chapas” circula superlotado com dezenas de pessoas que se entrelaçam apinhadas num equilíbrio inseguro e frágil. Aquilo parece um meio de transporte. Mas não é. É um crime ambulante. É um atentado contra a dignidade, uma bomba relógio contra a vida humana. Em nenhum lado do mundo essa forma de transporte é aceitável. Quem se transporta assim são animais. Não são pessoas. Quem se transporta assim é gado. Para muitos de nós esse atentado contra o respeito e a dignidade passou a ser vulgar. Achamos que é um erro. Mas aceitamos que se trata de um mal necessário dada a falta de alternativas. De tanto convivermos com o intolerável, existe um risco: aos poucos aquilo que era errado acaba por ser “normal”. O que era uma resignação temporária passou a ser uma aceitação definitiva. Não tarda que digamos: “nós somos assim, esta é a maneira moçambicana.” Desse modo nos aceitamos pequenos, incapazes e pouco dignos de ser respeitados.»(1)

Por seu lado, Mwanito, o afinador de silêncios do "Jesusalém" é um personagem que nos mostra o labor pessoal, interno, auto-assumido, progressivo, ao longo da sua viagem pelo enredo do livro, de ir

construindo a Tolerância, aos outros e a si mesmo, por entre a imensa floresta de fantasias, negações da realidade, misticismos, motivações claras e ocultas, mentiras e violências.

É, Mwanito não se resigna. No fundo, desenvolve uma imensa capacidade de tolerar, provavelmente com a ideia do apaziguamento e da pacificação. Para que a mentira, o esquecimento, a violência e a negação não vençam.

O "Jesusalém" tem 16 capítulos. Cada um é uma sessão de trabalho. Para se ir fazendo com tempo, para que a realidade e os personagens do romance possam ser assimilados por cada um dos membros do grupo de discussão. Quem sabe, até o próprio Mia Couto possa, aqui e ali, participar. Hoje em dia é tão fácil participar à distância.

Quando hoje me encontrei com Mia Couto na Feira do Livro, não sabia ainda que ia fazer este escrito. Nem mesmo quando lhe mostrei a fotografia da aula em que estou com os alunos e a falar do Mwanito e do Jesusalém. Se já o estivesse a congeminar, teria lançado o convite ao autor moçambicano.

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(1) https://www.miacouto.org/tag/mia-couto/page/7/

sexta-feira, junho 06, 2025

#TOLERÂNCIA159 - NÃO TOLERO QUE ME LIMITEM A LIBERDADE!

 #TOLERÂNCIA159 - NÃO TOLERO QUE ME LIMITEM A LIBERDADE!

Terei de voltar aqui porque não é agora que vou escrever o texto da jornada de hoje. Apenas deixo os tópicos principais à volta do lugar a que cheguei hoje:
- O jovem toma consciência de que a sua rebeldia dispara sempre que sente a liberdade pessoal
posta em causa
- É, não tolero sentir-me preso!
- É um caso (provavelmente mais frequente do que habitualmente se pensa) à volta da Liberdade enquanto valor absoluto.
- Mas... será mesmo uma questão de Liberdade, ou será, afinal, uma questão de Comodidade?
- Se uma árvore se conhece pelos seus frutos, que resulta da rebeldia do jovem? É um efeito construtivo, há a produção duma mais-valia; ou o efeito é puramente recreativo, sem outra coisa que não seja a fruição imediata dum prazer que se esgota por si mesmo pouco tempo depois?
- Que liberdade, na verdade, se busca: a que nos afasta do que sentimos que oprime, ou a que nos aproxima do que queremos criar?
Tomo nota. Vou voltar aqui mais tarde.