Mariana, minha querida neta,
Mariana, minha querida bisneta,
Tenho muita pena de ter estragado o Natal de todos e já perguntei ao tio Fernando Jorge e à tia Fatinha porque é que isto me aconteceu. Eles falam-me logo das bolachas, dos chocolates e de que eu não ando nada, mas eu não tenho comido nada às escondidas!... Não vou acender o farol, mas subo e desço as escadas lá de casa muitas vezes por dia. Eles riem-se…
Aqui no hospital vejo quase todos os telejornais. O tio Fernando Jorge está comigo na hora das notícias e vemos os dois as notícias.
Tenho-me lembrado muito das cheias em minha casa, no meu tempo, em Rio de Moinhos, por causa das cheias que vai haver hoje em Constância e na Barquinha.
Quando vinham as cheias, nós tínhamos de sair pela janela para o barco… às vezes, fazíamos as sementeiras e depois perdíamos tudo, o meu pai, coitado, trabalhava tanto e ficava sem nada… Uma vez a minha mãe, a avó Rosa, foi à janela e começou a gritar, deixou de ver o barco onde nós íamos… ia lá eu, o meu pai - o vosso avô Branco -, e iam também outras pessoas, o barco desapareceu da vista dela porque às vezes o barco tinha de fazer umas voltas e foi o que aconteceu nesse dia em que a minha mãe foi à janela.
O “velho” [o avô Branco] uma vez teve de empenhar a máquina de costura, o cordão de ouro da avó Rosa e a corrente dele, também de ouro… é que vinha o Tejo e levava tudo… Depois não houve dinheiro para ir buscar outra vez o cordão e a corrente “ao prego”. Acabámos por comprar outro cordão para a avó, foi a tia Rosinda que pagou, foi a Hélia, a filha, vossa prima, que ficou depois com ele quando a avó Rosa morreu. Só conseguimos ir buscar outra vez a máquina de costura.
Quando saímos de Rio de Moinhos para Abrantes, a minha mãe costumava dizer que tinha lá deixado os dentes. Ela queria dizer que tinham lá deixado tudo, o Tejo tinha-lhes levado tudo.
Era… tínhamos de saltar pelas janelas para ir às compras… a casa em que a gente morava era grande, chegámos a acolher lá cinco famílias por causa das cheias… a cheia chegava quase à casa da Milú, a vossa prima, que os vossos pais conhecem, já fica lá para a parte de cima de Rio de Moinhos. Havia umas poucas de ribeiras que faziam a junção…
Quando o Tejo começava a subir nós íamos pôr-nos à janela a ver até onde é que ele chegava. Os homens punham pedras a ver o que o Tejo subia… quando chegava à nossa casa, como já vos disse, tínhamos de saltar pela janela para o barco para ir ao pão, cá para cima, ao pé da casa da Milú… as oliveiras ficavam todas tapadas…
Quando o Tejo descia, ficavam umas poças de água e nas poças de água ficava, sabem o quê?, ficava sável, íamos ao sável, o tio David e eu, eu não apanhava, era o tio David que apanhava, eu segurava o cesto… Uma vez, nós tínhamos uma marrã com crias e ele foi salvá-las da água. Nós ficámos todas com muito medo porque ele não sabia nadar, mas ele enquanto não salvou a bicha e as crias não descansou, tivemos mesmo muito medo.
Às vezes o Tejo subia e descia, eles não gostavam quando o Tejo descia muito depressa, era sinal de que ele ia subir outra vez.
A nossa casa ainda lá está, é na rua principal, a chegar ao largo… era uma casa que o avô Branco tinha alugado… agora é cor-de-rosa, mas no nosso tempo era amarela.
Olhem, agora na televisão estão a falar do rei D. Carlos… o meu avô David, pai da minha mãe, ia muitas vezes à caça com o rei D. Carlos, ali numa quinta perto dos Casais, chamada Anadia… o meu avô era uma espécie de couteiro… ele era muito educado, era uma pessoa que sabia muito… (e a avó deixou-se dormir…)
Avó Lourdes,
Hospital da Horta, 29 de Dezembro de 2009
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