terça-feira, abril 03, 2007

Ser professor, ontem, hoje e amanhã - uma precisão

Um eco muito interessante da minha colega e amiga Maria Eduarda levou-me a tentar precisar um pouco melhor os contornos da citação de Haim Ginott, traduzida e adaptada por Feliciano Veiga.
Fiz uma pequena pesquisa na Internet e, em resultado da mesma, permita-me Feliciano Veiga que eu apresente a história sem o ponto que ele acrescentou. Sim, na verdade, no caso do texto base, muitos Felicianos houve que, sensíveis à intensidade emocional, profunda em humanidade, da versão primordial, depois de a ouvirem, quando a contaram a outros, lhe acrescentaram o seu ponto.
Não tenho na minha posse, nem conheço a versão, tal qual ela aparece escrita no livro de Ginott. Lá chegarei, com a ajuda da Amazon. Mas pude, entretanto, chegar já ao seguinte:
Em The English Journal, Vol. 69, No. 7 (Out., 1980), pp. 14-18, num artigo intitulado "Children of the Holocaust", Judy Mitchell cita o texto Teacher and Child (Ginott, 1972), assim:
No primeiro dia de cada novo ano escolar, todos os professores de uma escola privada recebiam o seguinte texto do seu director:
Caro Professor: Sou um [uma?] sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram aquilo que nenhum homem deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por sábios engenheiros. Crianças envenenadas por médicos eruditos. Crianças pequenas mortas por enfemeiras competentes. Mulheres e bebés abatidos e queimados por diplomados do liceu e de escolas superiores. É por isso que eu desconfio da educação.
O que eu peço é isto: Ajudem os vosso alunos a tornarem-se humanos. Os vossos esforços não deverão nunca produzir sábios monstros, psicopatas altamente competentes, Eichmanns eruditos.
Ler, escrever e contar são importantes na condição de que sirvam para tornar as nossas crianças mais humanas."
O Holocaust Museum Huston, no seu sítio na Internet (http://www.hmh.org/ed_faqs.asp), tem uma outra versão. Transcrevo-a para aqui directamente:
The late Chaim Ginott, who was a principal as well as a psychologist, included this comment told to him by a survivor of the Holocaust, on the last page of his book, Teacher and Child:
"I am a survivor of a concentration camp. My eyes saw what no man should witness: Gas chambers built by learned engineers, children poisoned by educated physicians, infants killed by trained nurses. Women and babies shot and buried by high school and college graduates. So, I am suspicious of education."
Ginott then added, "My request is: Help your students become human. Your efforts should never produce learned monsters, skilled psychopaths, educated Eichmans. Reading, writing, and arithmetic are important only if they serve to make our children more humane."

Pode-se ver que, mais ponto, menos ponto, as diferentes versões confrontam-nos com a mesma e fundamental evidência, ligada à profunda essência da função e da acção educativa do professor. No fundo, poder-se-á estabelecer a seguinte constatação: alguém (ocupado com a pedagogia, o ensino e a escola) pegou nas palavras (um dia escritas ou faladas) de outrem (que - ocorrência perfeitamente verosímil - terá testemunhado e sofrido na pele os horrores da intolerância macabra nazi) e fixou-as intencionalmente numa narrativa destinada a chegar às consciências de todos aqueles que são ou um dia serão professores de crianças e jovens. E as voltas que tais palavras fixadas têm dado acabam por atestar a ressonância que têm encontrado por toda a parte.
Mas, não obstante esta consonância, não deixemos de tomar consciência do seguinte: mesmo onde tudo parece pacífico e consensual convém que o nosso espírito crítico mantenha sempre um olho aberto. A bem da verdade, a bem da mais franca humanidade.

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