A leitura - muito aos soluços, afinal, tanta coisa para ler e estudar ao mesmo tempo!... - que vou fazendo do livro de Andrew Birkin, J. M. Barrie and the Bost Boys, the real story behind Peter Pan (edição de 2003), confrontou-me com o epitáfio que está gravado na pedra tumular de George Llewelyn Davies, o irmão mais velho da "fratria Peter Pan". Já o tinha lido quando recebi o livro e o folheei. Mas agora reli-o com outros olhos, com outro pensamento.
Diz assim, na página 246 do livro:
Here dead lie we because we did not choose
To live and shame the land from which we sprung;
Life, to be sure, is nothing much to lose,
But young men think it is, and we were young.
Que eu traduzi livremente...To live and shame the land from which we sprung;
Life, to be sure, is nothing much to lose,
But young men think it is, and we were young.
Aqui mortos estamos porque não escolhemos
Viver e envergonhar a terra donde brotámos;
Não tem, seguramente, valor a vida que perdemos,
A juventude pensa que tem, e jovens assim lutámos.
Estranhamente, anteontem, a 5 de Abril, completaram-se 47 anos após a morte trágica do mais célebre dos irmãos, o próprio Peter, que se atirou para baixo de um comboio, dominado pela angústia súbita avassaladora que continuadamente toma um e mais um de entre todos nós.
O George escreveu a sua última carta a Barrie, em 14 de Março (1915). Quando Barrie a recebeu, já sabia da morte de George, soldado na frente inglesa da Primeira Grande Guerra. Tinha 22 anos.
O filme que Marc Forster realizou sobre a saga do Peter Pan, Finding Neverland, é, até ver, o filme da minha vida. Tudo o que eu considero serem os ingredientes fundamentais do prazer de educar e aprender, dando sentido à fantasia estimulada e alimentada no prazer de se estar junto. Junto a outros iguais e junto de quem nos ama e têm sobre nós responsabilidades educativas.
Sinto-me feliz e realizado porque tentei dar como presente de Natal aos alunos que acompanho há 3 anos e que terão, no futuro, pelo desenvolvimento natural da sua formação académica, ocupações nas áreas da educação e do apoio social, o visionamento, comentário e discussão do filme. E eles gostaram, gostaram sinceramente. Perceberam e, estou certo, interiorizam a magia do filme. Transformaram-se um pouquinho nos seus seres a partir dele. Não tenho dúvidas sobre isso, daí a alegria muito grande que a apresentação do filme aos alunos me deu.
As coincidências nas datas (a morte de George; o suicídio de Peter; a actualização da minha leitura) estão aí, dispondo-se a tentadoras interpretações, mais ou menos místicas.
Mas, ainda assim, prefiro destacar, mais uma vez, a ocasião do ritual pascoal milenar, que é um apelo à luta e à defesa da vida, que volta sempre, mesmo quando se pensou que acabara definitivamente.
Voltando ao epitáfio de George, não terá razão o poeta, seu autor, se o quisermos tomar apenas na primeira interpretação das suas palavras. Na verdade, a juventude pensava bem. A juventude pensa bem: a vida deles tinha - tem - mesmo valor. Por isso eles estavam ali. E estarão sempre nas primeiras linhas dos combates.
Nas mãos dos mais velhos é que estão - e estarão sempre - os valores da honestidade e da verdade que realizam ou conspurcam (se deliberadamente preteridos pelos seus contrários) a generosidade social e humana que está inscrita na natureza biológica dos mais novos.
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