ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 5/12
"A liberdade de circulação e de residência das pessoas na UE constitui a pedra angular da cidadania da União, estabelecida pelo Tratado de Maastricht em 1992. A supressão gradual das fronteiras internas nos termos dos acordos de Schengen foi seguida da adopção da Directiva 2004/38/CE relativa ao direito de os cidadãos da UE e os membros das suas famílias poderem circular e residir livremente na UE. Não obstante a importância deste direito, dez anos após o prazo de transposição da directiva ainda persistem obstáculos substanciais."(1)
Em 1936-37, Stefan Zweig abandonou definitivamente o seu Éden em Salzburgo; com muita dor, deixou todo o património cultural que foi acumulando ao longo de toda a sua vida. E sentiu na pelo o que é ser refugiado - e ele era um refugiado bem privilegiado!
Está cada vez mais perto dos 60 anos de idade. O vigor do entusiasmo, da esperança e da satisfação é cada vez mais reduzido, o que lhe começa a trazer uma atroz consciência dos tempos que se aproximam.
Deixou Salzburgo, atabalhoadamente, e foi acolhido em Inglaterra, onde nunca se sentiu bem, como se tinha sentido noutros países da Europa continental.
Do tempo de Inglaterra, escreve ele a seguinte memória:
[…] só no minuto em que me mandaram entrar numa repartição inglesa, após ter aguardado longamente na sala de espera, sentado no banco dos requerentes, compreendi o que significava a substituição do meu passaporte por um documento estrangeiro. Porque ter um passaporte austríaco foi um direito que me coube. Qualquer funcionário de um consulado austríaco ou da polícia era obrigado a emiti-lo e a entregar-mo na minha qualidade de cidadão de pleno direito. Pelo contrário, o documento estrangeiro que recebi teve de ser solicitado. Tratava-se de um favor solicitado e, além disso, de um favor que me podia ser retirado em qualquer momento. De um dia para o outro, voltei a descer mais um degrau. Ontem ainda hóspede estrangeiro e, por assim dizer, um gentleman que aqui vivia dos seus rendimentos internacionais e pagava os seus impostos, e agora um emigrante, um refugee [refugiado]. Tinha resvalado para uma categoria inferior, embora não desonrosa. Por outro lado, qualquer visto para o estrangeiro que fosse posto naquela folha branca de papel tinha de ser expressamente requisitado, pois em todos os países se desconfiava daquele «tipo» de pessoas a que eu subitamente também pertencia, pessoas sem direitos, sem pátria que, quando se tornavam incómodas ou ficavam tempo de mais, não podiam ser expulsas caso necessário, nem reenviadas para os seus países de origem como as outras. Via-me sempre obrigado a pensar nas palavras que um exilado russo me tinha dito havia anos: «Antigamente o ser humano só tinha um corpo e uma alma. Hoje também precisa de um passaporte, caso contrário não é tratado como uma pessoa.»(2)________________________
(1) http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/147/livre-circulacao-de-pessoas
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, pp. 476-7.
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