sábado, dezembro 31, 2011

Ainda a entrada em 2012 - A SIMPLICIDADE DA AMIZADE


Minha querida Sandra,
Está por fazer o estudo sociológico que mostre quantas vezes os desejos intensamente formulados à entrada de cada novo ano se transformaram em realizações concretas que mudaram ou marcaram a vida das pessoas no sentido antecipado nesses votos. Queres que eu te diga qual é a minha ideia? Nunca! É isso, nunca!
Por isso, e se tomasse para mim o sentir, muito cético, muito descrente, de um dos personagens escritores de Fernando Pessoa, eu diria que a passagem de ano não é nada mais do que um divertimento. Um divertimento que, tal qual como o Natal, está fortemente marcado por seduções para gastarmos dinheiro.
As diferenças com o Natal são basicamente duas: a primeira é que, enquanto no Natal somos levados a gastar dinheiro com os outros, na Passagem de Ano, gastamos o dinheiro connosco próprios. A outra diferença é que o Natal pede recolhimento em família e o Ano Novo pede expansão para a “molhada”.
Pela minha parte, sou um fervoroso defensor da festa do Natal. Sabes que mais, neste ano, o ano em que a “Crise”, a crise que económica (e política… e moral…) nos tocou como há muitos anos não acontecia – provavelmente, desde que me dou conta de estar vivo, a crise mais injusta de todas -, as prendas que pus nos sapatinhos dos meus familiares e amigos nunca custaram tão pouco dinheiro, coisa curiosa!, se há coisa que poderá perdurar por muitas gerações futuras da nossa família são precisamente essas prendas!
Quanto à festa de Ano Novo, é verdade, quando tinha a tua idade, e durante alguns anos depois, entusiasmei-me e aprumei-me para as festas de Passagem de Ano. E diverti-me muito com elas, claro!
Por isso, Sandra, te digo: diverte-te! Entusiasma-te com o momento de cair o Ano Velho e entrar triunfalmente o Ano Novo! Mas não ponhas na ilusão dos votos que agora formulas uma intensidade que depois se arrisque a trazer (não será mais correto dizer: renovar?) desapontamentos da mesma medida.
Se a algum de nós os dois cabe pegar no papel do Velho do Restelo, naturalmente é a mim, não a ti. Aqui estou, por isso, a cumprir-me.
Pela consideração e carinho que tu me mereces; pela ilusão genuína e sincera que é natural que tenhas da vida; e porque muito repeti a curta troca de palavras que o meu Mestre João dos Santos tantas vezes repetiu aos seus alunos, em que ele se interrogava se um projeto em que punha muita ambição não seria uma utopia, e a sua amiga Violante lhe respondeu: “Utopia?... Pois que seja, se é uma utopia, é precisamente por aí que é o caminho!...”; portanto, querida Sandra, por isto tudo, vou alinhar contigo e vou sinceramente formular dois votos para 2012.
O primeiro, vou deduzi-lo de um conto tradicional africano.
Diz assim o conto, que tem o título “A simplicidade da amizade”:
“Dois amigos viviam em duas aldeias distantes uma da outra. Uma noite veio uma grande tempestade e não havia luar. Mas um dos amigos levantou-se e sentiu vontade de ir visitar o outro. Pôs-se a caminho, embora tivesse medo que um raio lhe caísse em cima ou o fantasma da noite o viesse comer. Não parou enquanto não chegou junto da cabana do amigo. Estava todo molhado, como se tivesse caído a um rio, mas levou para a cabana lenha seca e enxuta. Entrou e acendeu uma fogueira. Depois começou a cozer arroz para oferecer ao amigo, que entretanto tinha acordado.
O amigo, ao vê-lo junto da fogueira, perguntou-lhe:
- Porque é que vieste de noite, com este temporal?
- Porque senti desejo de estar junto de ti. Será que o temporal te pediu licença para vir?"
Ora, o primeiro desejo que formulo para 2012 é precisamente este: que tenhamos – e sejamo-lo nós também – amigos que se cheguem a nós, mesmo durante a tempestade.
Quanto ao segundo desejo, faço-o a partir da notícia que ouvi hoje de manhã no telejornal. Já ontem à noite a tinha ouvido também. Faço votos que em 2012 nasçam mais bebés que em 2011, que foi, desde que há registos sistemáticos, um dos dois anos com mais baixo número de nascimentos.
Mil beijinhos, Sandra! Tenho a certeza de que nos encontraremos, não obstante as tempestades!
(Esta carta segue praticamente sem ser revista, eventualmente ainda a corrigirei num ou outro ponto, é preciso é que não perca oportunidade. Tenho de ir para a cozinha tratar de fazer uns miminhos para esta noite… é menos por ser a passagem de ano, é mais porque o meu sobrinho açoriano mais velho nasceu precisamente na noite de passagem de ano, ainda cheirava a fogo de artifício. Que renovação maior se pode querer quando se passa de um ano para o outro?)

A chegada do ano 2012

Em jeito de diálogo entre mim e a minha querida aluna Sandra Vozone, no Facebook, a escrever na água, no seu sentido quase mais literal.

SANDRA VOZONE:

Boas entradas minha gente! Espero que todos aqueles que estiverem aqui marcados entrem em 2012 com o pé direito e que ao longo do novo ano tenham tudo aquilo que desejam, até mesmo dinheiro que sei que vai ser difícil. Como não tenho tempo para agradecer um a um por fazerem parte da minha vida, agradeço em conjunto... OBRIGADA ao todos por me aturarem durante este ano nada fácil para mim. Obrigada aos amigos de longa data, obrigada ao novos amigos, obrigada também aos que deixaram de ser, todos contribuíram para o meu crescimento contínuo! Obrigada aos professores mencionados! Obrigada pelos sorrisos, pelos momentos, por tudo! :D ♥
Peço desculpa se falta alguém mas não tenho boa memória!


FERNANDO PINTO
Ôi, @Sandra Vozone! Que volta é que a gente há de dar a isto?... Provavelmente, com a mesma sinceridade que nos desejas tudo de bom para 2012, desejaste também para 2011... Os votos para o ano novo são - quantas vezes? - votos de ilusão. Quantas vezes são verdadeiramente votos de confiança? Ainda por cima, para azar nosso, a passagem de ano é puramente arbitrária, nem sequer está ligada a nenhum momento de renovação natural ou biológica. Por mim, alinharia numa festa de renovação de confiança numa data entre o Entrudo e a Páscoa. E nem estou a ser nada criativo com isso! Basta olhar para a história dos homens e dos seus rituais.
É por isso que, muito sinceramente, minha querida Sandra, aceita o que a seguir escrevo como uma contribuição pessoal ao voto que formulas. Acabei de receber um email que traz uma citação de um(a) autor(a), Stacia Tauscher [ainda não sei bem quem é este(a) autor(a)]r, que diz assim: "We worry about what a child will become tomorrow, yet we forget that he is someone today". No fundo, é como dizer: não nos comprometamos demasiadamente com as ilusões do futuro; isso sim, apreciemos e consolidemos as relações do presente. Assim, verdadeiramente, estaremos a construir o futuro.
Grande beijinho, Sandra, espero ver-te em breve. Estou a contar contigo para a minha Bolsa de Voluntários, que já está em marcha na nossa escola. ♥

SANDRA VOZONE

Professor Fernando Pinto, sempre tão sábio nas suas palavras. Não posso deixar de concordar com o que diz, claro, é tudo verdade mas eu sou (e não confesso com o maior orgulho) daquelas pessoas em que os votos de ilusão, como diz, lhe parece o melhor e mais sincero para dizer nestas alturas. Quanto à Bolsa de Voluntários, assim espero fazer parte desse seu projecto que deve ser muito enriquecedor a todos os níveis. ♥
Sempre tão perfeccionista professor! (:


FERNANDO PINTO
‎Sandra Vozone, quando criei o blogue que acompanhou a nossa viagem a Estrasburgo, o lema que juntei foi este: "Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive." (Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa). Como poderia eu fazer de outro modo, sem correr o risco de tornar ocas as palavras que escrevo? Não sei se sou perfecionista; isso sim, tento acrescentar algo que valha a pena, mas certamente nem sempre o consigo.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Natal 2011 - Confissão de um alquimista


O meu menino jesus deste ano.
No que diz respeito ao Natal, há muito que tenho o espírito e o entusiasmo de um alquimista. Se bem me conheço,  tenho e sempre continuarei a ter esse espírito e esse entusiasmo. Pegar em reagentes que, em si, praticamente são nada e fazê-los, misturando-os, transformarem-se em ouro, não, isso não me interessa. É verdade, isso não me interessa, ou melhor, sou suficientemente sábio para me reduzir ao pouco que valho e, assim, só me resta admitir para mim próprio que não conseguirei nunca fazer o que tantos, muito melhores do que eu, têm tentado, há milhares de anos, repetidamente, obter, sem sucesso.
Vou fazer-vos uma confissão: a minha alquimia, o meu grande desejo, é juntar o Menino Jesus e o Pai Natal num só. Pronto,  já disse!... Está dito!
De há 2 ou 3 anos a esta parte, o Pai Natal não tem parado de escrever aos meus alunos, até já das Maldivas, nas férias de Verão deste ano, ele escreveu! Sim senhor, o Pai Natal escreveu aos meus alunos, ali está bem marcado nos postais, o carimbo de correio das Maldivas, carimbo verdadeira, sem enganar ninguém! E assinadinho à mão: P-a-i-N-a-t-a-l! Há dias, recebemos mais um postal, este agora – só podia ser! -  da Finlândia! Escrevi-lhe, logo de seguida, para Rovaniemi, um email a agradecer e ele já me respondeu a dizer que esperasse, que não era tudo! Que a caminho vinha outro postal dele, escrito em finlandês, imagine-se. Postal escrito sem medo que a gente não o percebesse! O Pai Natal sabe que a gente usa a Internet e sabe que conhecemos e usamos o tradutor do Google. Esta ferramenta da Net dá mesmo jeito!
Todos os anos – e este ano não foi exceção, até para os meus alunos do 12.º ano -, o Pai Natal, de cada vez que eu leio, ou faço ler, as suas cartas nas aulas, fica sujeito ao desdém de quem, de cara desconfiada e boca torcida para o lado, os dentes exibidos em insolência quase agressiva, arranha as venenosas palavras: “Isso é tudo treta!... Foi o “stôr” que escrever a carta, o Pai Natal não existe!...” O Pai Natal está habituado a estas saídas da malta jovem. Ouve e sorri, cheio de carinho e tolerância.
Seguem-se sempre, depois, confrontos de argumentos, em que o desafio a que me proponho é convencer sem nunca fugir à verdadeira verdade. São bem mais as vezes que consigo que as que não consigo.
Senhores, já viram bem o rosto da mais cética das criança ou do mais cético dos  jovens quando sinceramente põem na sua consciência, levada por emoções que irrompem a partir do espanto genuíno, a ideia de que o Pai Natal possa existir? Que lindos ficam! Vale ou não vale a pena despertar emoções, ou dúvidas, assim?
Há muitos anos, numa história que já contei, o Nelson, num Natal que tudo lhe dizia que iria ser triste como tinham sido todos os outros Natais da sua vida, acreditou que o Pai Natal existia. E isso mudou o Natal daquele ano! Porque teve mais prendas?... Porque viu o Pai Natal?... Não, simplesmente porque acreditou. Talvez ainda hoje ele diga que foi o melhor Natal da sua vida.
Senhores, já se deram bem conta da experiência emocional que é acreditar que pode existir uma pessoa bondosa, amiga, gordinho, anafadinho de coisas lindas e encantadoras para toda a gente, como é a pessoa do Pai Natal? Como passamos nós a olhar as pessoas à nossa volta quando começamos a acreditar como o Nelson acreditou?... Todos nos parecem bons e com todos nos apetece estar. E queremos que se sintam tão alegres quanto nós próprios. O Pai Natal só desperta sentimentos bons e positivos!
Sim, que bom é sentir que o Pai Natal existe, que ele vai vir a nossa casa; que bom é pensar que, quem sabe?, um dia vamos vê-lo!... Não veio este ano?, não faz mal, se calhar não pode, ele tem de andar por tantos lados… se calhar, até veio, eu é que não consegui vê-lo… E, com o tempo, descobre-se outra coisa: que cada um de nós pode brincar ao Pai Natal, descobre-se que cada um de nós pode fingir que é o Pai Natal. Descobre-se que cada um de nós pode chegar-se a uma criança e fazer acontecer nela aquele momento – tão saboroso! - em que as crianças tomam contacto com aquele senhor tão bondoso, tão amigo das crianças e de todas as pessoas. Que bom é sentirmos estar em contacto com pessoas boas! Que bom é fazermos uma criança sentir-se interiormente tão bem! Não é bom termos todos uma experiência emocional assim?
Se o Pai Natal nos traz a experiência emocional da bondade abastada, o Menino Jesus traz-nos o outro lado do tempo do Natal. O lado do amor da família, o lado do aconchego do lar, mesmo no casebre mais pobre de todos. A paternidade biológica do Menino Jesus põe-nos perante problemas de compreensão que pedem asas ou rasgos de pensamento que vão – também, como no caso do Pai Natal – bem para além do que a nossa condição racional nos deixa chegar. Deparamo-nos outra vez com a capacidade de acreditar. De acreditar e de sentir. E, outra vez, não é bom sentir? Não é bom acreditar? Qual de nós não sente o coração cheio de ternura e compaixão quando pensa no e sente o Menino Jesus?
Os tempos que vivemos estão a tirar-nos o saco das prendas do Pai Natal. Balançamos entre as duas alternativas: olhar tragicamente para a vida à nossa volta e para o que nos dizem dos anos que aí vêm; ou fazer, outra vez, a experiência renovadamente reconfortante das Boas Festas e do aconchego natalício.
No seu tempo, em 1883, e ao seu jeito, Eça de Queiroz, na véspera de Natal, escrevia a Jaime Batalha Reis e dava conta ao seu amigo da ambivalência que lhe ia na alma entre trabalhar e a si próprio se “dar feriado de Natal”. Logo a seguir afirmava o desapontamento da resolução. E prometia ao seu amigo que, assim que pudesse, se chegaria a ele para lhe dar um abraço.
Noutras culturas, as que não contêm a matriz da mensagem cristã, o Natal não existe, a ambivalência não acontece. Certamente nessas culturas, as pessoas, geração após geração, encontraram outras formas de sentir a existência de gente genuinamente boa e também de sentir a possibilidade da abastança partilhada; de sentir o prazer da teia de laços afetivos entre gente que se conhece e ama, mesmo quando tudo à nossa volta nega a experiência da abastança. Estas crenças têm diretamente a ver com necessidades humanas básicas, por isso aparecem em todas as culturas, mesmo que com formas diferentes.
Que é, na verdade, o Natal sem a crença sincera no Menino Jesus e no Pai Natal? Que experiência de laços afetivos, que sabor é que o Natal do 25 de Dezembro tem, na nossa cultura de origem, se pusermos o Menino Jesus e o Pai Natal fora das nossas casas, dos nossos lares, do borralho que sempre fez parte das nossas tradições familiares?
Pensando bem, depois disto tudo, interrogo-me se devo mesmo continuara a tentar o dois em um, quer dizer, juntar o Pai Natal e o Menino Jesus, ou se será melhor que a gente continue a tê-los separados. Às tantas…
Muito bem, enquanto o pau vai e vem folgam as costas, não é verdade? É sim senhor. Se as coisas correrem bem, vai acontecer-me o mesmo que aos alquimistas do ouro. A crença que atingirei, mesmo que apenas no fim dos tempos, o meu desiderato (juntar, num só, o Pai Natal e o Menino Jesus), alimenta em mim, tal como em todos os alquimistas, a experiência afetiva do entusiasmo e o sabor gostoso que essa experiência nos deixa e que, depois, espalhamos na nossa relação com os outros. E, mesmo que a alquimia me traga só isso, sem nunca vir a trazer o tal “dois em um”, vale bem a pena!
Vá, não posso deixar os reagentes ali entregues, inertes, a eles próprios. Perderiam a competência para reagir. Deixem-me voltar para o laboratório secreto da minha alquimia. Um dia vou conseguir! Tenho a certeza! Se alguém quiser ajudar, força! Apareça!
Se acreditarem, como eu acredito, que pode haver algures, no mundo, um homem muito bondoso (ele às vezes disfarça as barbas brancas, ou a roupa vermelha), que deseja convictamente levar à satisfação dos sonhos de criança; se acreditarem, como eu acredito, que há um menino de família humilde (fale ou não a nossa língua) que quer ver todas as famílias aconchegadas na alegria de partilharem a carinhosa mesa da Consoada…
pois então, apareçam, que eu vou mostrar-vos todas as fórmulas que já tentei; talvez assim juntos consigamos chegar à fórmula definitivamente boa.
Votos de um Santo Natal, cheio de Sonhos que renovem em todos nós o prazer de estarmos juntos e caminharmos confiantes e entusiasmados ao encontro do Futuro!

domingo, novembro 06, 2011

O Homem Que Caminha


Sem a firmeza do teu andar, passo a passo, a fragilidade do teu ser voltará a ficar mais exposta.
É esta a alegoria que leio nesta obra de Alberto Giacometti.

Tinham de ser os bancos suíços a tirar partido partido da força da poderosa sucessão de imagens do Homem Que Caminha, solitariamente, fotografado em diferentes perspetivas! A isto eu chamo perversão! É esta perversão ligada ao dinheiro, ao poder e à ambição desmedida que trouxe as sociedades desenvolvidas ao estado a que chegaram e a que não conseguem dar a volta... para desgraça de todos, os da geração atual e das gerações que se seguirão.
Ícone da arte moderna, o Homem Que Caminha de Giacometti deverá manter-se como um desafio constante para cada um de nós. Eu penso assim.

domingo, outubro 30, 2011

É um simples jogo. Mas eles estão concentradíssimos.

De Moçambique, em jeito de mensagem de parabéns, recebi hoje este lindíssimo texto. Foi o João Figueiredo que mo mandou. Ele próprio é o autor do texto.
"São jovens. Não devem ter mais de vinte e poucos anos e são magros.
Têm cabelo curto e vestem roupas sujas. Estão sentados no chão e consigo observar os seus pés calejados.
À sua frente passam carros numa estrada de alcatrão cheia de buracos e com areia e vidros partidos amontoados junto à berma do passeio. Atrás deles, crianças semi-despidas brincam na pouca areia que existe numa praia com muito lixo.
Perto deles, ao alcance de um braço estendido, estão dois trapos com alguns artigos de madeira expostos. Rostos moçambicanos, porta-chaves, pulseiras, fios, anéis, carros, enfim… de tudo um pouco. Mas não há clientes.
Não sei se já conseguiram vender qualquer coisa hoje. Mas isso também não parece ser importante.
Estão concentrados noutra coisa. Estão frente a frente. Não querem saber dos brancos. Não estão preocupados se amanhã vai chover. Agora, tudo o que interessa é o jogo.
Sobre um pedaço de esferovite que já foi a tampa de uma caixa para transporte de peixe, consigo distinguir algumas linhas. É um xadrez improvisado.
O branco não é branco. É um branco sujo. Tão sujo, que quase parece castanho. É um branco gasto pelo tempo e colorido pela pobreza e falta de condições de vida.
O preto não é preto. É escuro. Talvez tenha sido pintado de preto. Mas já não é. É escuro.
Sobre o tabuleiro de esferovite há damas. Mas também não são damas. São tampas de garrafas de coca-cola. Então? Como é que estes vendedores, que agora são jogadores, conseguem perceber quais são as suas peças? É fácil! Umas estão voltadas para cima e as outras para baixo. É simples, não é?
É um simples jogo. Mas eles estão concentradíssimos. Nada parece ser mais importante. Nem mesmo os clientes. Para eles tudo o que interessa são as tampas de coca-cola. Tudo o que interessa é o jogo. Pelo menos, por agora.
E a crise? Onde é que está a crise?
Em todo o lado. A todo o momento. Mas aqui não se sente.
Desde que vá havendo tampas de garrafas de coca-cola haverá jogo…haverá vida."


segunda-feira, outubro 24, 2011

Falar claro, claro! Na escola e em todo o lado.

Que bom ouvir esta pequena palestra em português!
Muito interessante, muito clara, à atenção de professores, de alunos e da cidadania de todos nós!
Sandra, um grande abraço para o senhor Domingos!



Para chegar ao sítio na Internet da Sandra clicar aqui.

sábado, outubro 22, 2011

O habitante 7 mil milhões está a chegar

O mundo, com a aprovação oficial das Nações Unidas, prepara-se para receber o habitante sete mil milhões (7 000 000 000) do planeta Terra.
Às tantas, hei de estar eu a fazer saltar a rolha da garrafa de espumante para celebrar o meu aniversário e os meus vizinhos hão de pensar que estou a celebrar a chegada deste habitante tão especial. É que as Nações Unidas preveem que ele nasça ali bem pertinho do meu dia de anos: faço anos a 30 de Outubro e a previsão oficial é para 31.
Um contador sofisticado vem atualizando os números, segundo a segundo.
As Nações Unidas estão empenhadas em que muita gente, gente de todo o mundo, participe na celebração da chegada da nova unidade de milhar de milhões.
A razão não é para menos: o desafio é enorme, à escala mundial. Se cada nascimento de uma nova criança deve ser sempre motivo de celebração alegre e partilhada, as atuais condições políticas, ambientais e de consumo dos recursos disponíveis na Terra deixam-nos apreensivos quanto às possibilidades de vida, agora e já no futuro próximo, de tanta gente igual a nós nas alegrias, nos sofrimentos; nos direitos e nos deveres.
As Nações Unidas lançam-nos alertas e propostas.
Na Língua Portuguesa, parece que Cabo Verde vai à frente, será um exemplo para os outros países falantes da nossa Língua.
De que estamos à espera?...

sábado, outubro 08, 2011

A viagem a Ermua e o Professor Aníbal Pinto de Castro

Passa das 3 da tarde. Estou em trânsito, de Lisboa a Coimbra. Estou na Nazaré, no papel de chauffeur.
Acontece que, por momentos, sou chauffeur dispensado das suas obrigações. Quem me requisitou ao seu serviço está agora numa reunião de médicos.
Tentei tirar partido da liberdade que a dispensa me proporcionou: fui ao mercado tradicional da terra à procura dos velhos bolos de feira. Encontrei alguns, mas ao domingo -diz-me quase com pena de mim o senhor Joaquim, pegando numa pequenina broa e oferecendo-ma, como que para me consolar- é que há os que eu gostaria de mandar para a minha mãe. A minha "patroa" de hoje, a minha irmã, volta amanhã muito cedinho para o Faial, a horas que não nos permite tirar partido de amanhã ser precisamente domingo, o tal dia da semana que é o único que tem os bolos em forma de bonecas. Voltarei eu cá em breve, noutro domingo. Antes que chegue o Natal, para que a senhora idosa que está no Faial sinta que o Menino Jesus pensou mesmo nela.
Depois do mercado fui para a marginal, à procura de mesa para almoçar. Ainda era cedo, mas os sentidos traziam já os aromas tentadores dos peixes a grelhar. A esplanada a que me sentei praticamente obrigou-me a optar por uma salada de polvo; grelhados, ainda não, as brasas estavam atrasadas, que eu os desculpasse. O sentido do paladar reclamava sabores de maresia mais fresca; o estômago puxava avidamente para o excesso da gula. Preteri um e outro a favor do conforto pachorrento e resguardado do corpo; e a favor da vontade imperial da visão. Pronto, daquele lugar eu não me mudaria, que viesse a salada. O sentido da visão, portanto, esse, sim, empanturrou-se como pode. Seguramente escolhi a mesa com a panorâmica mais próxima, mais viva e mais completa do mar da Nazaré, ali em frente, e do Sítio, lá em cima, sobre o lado direito. Depois de quase cansar os sentidos a ver e a ouvir o mar, tirei algumas fotografias.
A seguir, já na praça da baixa nazarena, aproveitei a modernidade da pública rede wireless, peguei no pequeno computador portátil, e pus-me a deitar mais lenha na fogueira do Comenius que ainda arde intensamente, agora que está passada uma semana completa sobre a empresa escolar partilhada de Ermua, no País Basco.
Daqui a três horas estarei, já sem patroa, só com irmã, em Coimbra a lembrar, junto de outros, o falecimento de um dos mais importantes vultos dos estudos literários das universidades portuguesas: o professor Aníbal Pinto de Castro. Tive o privilégio de ser seu primo, amigo e confidente. Um dia ele, a tentar demover-me de fazer o meu doutoramento em Psicologia, perguntou-me porquê, se, afinal, havia tanta coisa verdadeiramente bonita e interessante para fazer nas escolas com os alunos; e que já havia muita gente com canudos grandes. Ri-me, sem me deixar convencer por ele. E disse-lho.
Tenho a certeza de que daqui a pouco, quando o ato religioso na igreja da Rainha Santa Isabel nos convidar ao recolhimento, eu vou falar ao meu primo Aníbal na viagem a Ermua, o que lá aconteceu, e sei que ele vai aprovar a minha participação nesta ação, que moveu um número razoável de alunos e professores de vários países da Europa.
Já agora, que acabo de escrever duas ou três palavras com uma grafia que até há pouco tempo era diferente, deixem-me dizer que o professor Aníbal Pinto de Castro, o seu ponto de vista sobre este assunto, foi determinante para que não adiasse hesitantemente ou contrariadamente a minha adesão ao acordo ortográfico que tanta polémica tem mantido. E se cuidadoso procuro ser no trato da língua que foi mãe dele e é também minha mãe (é a outra mãe que tenho, a da matriz cultural, não a biológica de que falei ainda há pouco), a alguns gigantes devo o exemplo de tal cuidado; ele, o meu primo Aníbal, é - foi-no sempre! -, seguramente, um dos mais poderosos de todos esses gigantes! Qual Colosso de Rodes, à beira do qual, desde muito pequeno, sempre me senti protegido, ele sempre fez projetar a luz que me levou, encantado e entusiasmado, para Alexandria, à procura de outras luzes.

P.S. 1 - Enquanto escrevia este apontamento, fui notificado por mensagem de telemóvel: a dispensa de chauffer termina às 16h30. A essa hora, viatura pronta para seguir viagem. A doutora terá terminado a sua reunião aqui neste hotel da Pederneira, sobranceiro ao mar e à povoação da Nazaré, pelo lado sul.
P.S. 2 (acrescentado hoje, dia 9 de outubro, em razão do acrescentamento da fotografia na sala da Confraria da Rainha Santa Isabel) - Agradeço muito vivamente, do fundo do coração, ao "Cajo", a gentileza (como diria o primo Aníbal, a pachorra de nos aturar!) de, no meio da azáfama profissional em que estava quase afundado, tirar a fotografia em que os dois irmãos puderam ficar juntos do primo de que guardam ternas, saudosas e exemplares lembranças.

quarta-feira, outubro 05, 2011

Dia Internacional do Professor, 2011

Na edição desta ano do Dia Internacional do Professor, proponho a leitura dos seguintes textos:

O primeiro é de um jovem do Canadá, de 15 anos de idade, lido no Dia Internacional do Professor, em 2002, nas Nações Unidas:
"What we need are good teachers who can get you to question yourself and what you know about the world, and who build communities in schools. Good teachers are what we need" (Nikki Sanchez-Hood, 15yrs, Canada)
(http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URL_ID=5217&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html)


O segundo tem a chancela do mestre Agostinho da Silva, que tive ainda a felicidade de conhecer pessoalmente e de o visitar em sua casa:
O Professor como Mestre
Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama; errou o que se fez professor e desconfia dos homens, se defende deles, evita ir ao seu encontro de coração aberto, paga falta com falta e se mantém na moral da luta; esse jamais tornará melhores os seus alunos; poderão ser excelentes as palavras que profere; mas o moço que o escuta vai rindo por dentro porque só o exemplo o abala. Outros há que fazem da marcha do homem sobre a Terra uma estranha concepção; vêem-no girando perpetuamente nos batidos caminhos; e, julgando o mundo por si, não descobrem em volta mais que uma eterna condenação à maldade, à cegueira e à miséria; bem no fundo da alma nenhuma luz que os alumie e solicite; porque não acreditam em progresso nenhuma vontade de melhorar; são os que troçam daquilo a que chamam «a pedagogia moderna»; são os que se riem de certos loucos que pensam o contrário.
Ora o mestre não se fez para rir; é de facto um mestre aquele de que os outros se riem, aquele de que troçam todos os prudentes e todos os bem estabelecidos; pertence-lhe ser extravagante, defender os ideais absurdos, acreditar num futuro de generosidade e de justiça, despojar-se ele próprio de comodidades e de bens, viver incerta vida, ser junto dos irmãos homens e da irmã Natureza inteligência e piedade; a ninguém terá rancor, saberá compreender todas as cóleras e todos os desprezos, pagará o mal com o bem, num esforço obstinado para que o ódio desapareça do mundo; não verá no aluno um inimigo natural, mas o mais belo dom que lhe poderiam conceder; perante ele e os outros nenhum desejo de domínio; o mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa; para si mesmo, a dádiva contínua, a humildade e o amor do próximo. (Agostinho da Silva, in 'Considerações')

A terceira proposta de leitura vem do meu grande mestre e amigo João dos Santos:
[Renúncia ao educador perfeito]
A minha formação como homem e a minha carreira como profissional, devo-a tanto às interferências positivas dos meus educadores e mestres, como, sobretudo, aos erros educativos que eles cometeram para comigo. Aprendi por intuição e experiência na vida que as atitudes erradas são tão válidas em educação como as atitudes corretasO educador em que me tornei renunciou há muito à crença mágica do educador perfeito, como o profissional que sou renunciou a esconder a ignorância com a erudição. Aprecio, portanto, os homens mais por aquilo que são (para o meu sentir) do que por aquilo que dizem.
Texto não revisto pelo autor(João dos Santos, in "Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta", Assírio € Alvim, p. 306)



domingo, setembro 18, 2011

Ano novo, vida nova. Outra vez, na escola.

"Ano novo, vida nova"
Se eu disser aos meus citadinos alunos que nos pomos a jeito de caminhos difíceis se quisermos sol na eira e chuva no nabal, estou em crer que muitos deles não entenderão imediatamente a expressão popular.
Mas a expressão sobre o ano novo e a vida nova certamente todos os alunos de todos os professores, citadinos ou não, entenderão. Por exemplo, se olharmos uma das mais recentes formas de comunicação inventada algures no mundo, o Facebook, na Internet, os murais dos utilizadores jovens estão, precisamente hoje e nos últimos dias, cheios de mensagens de entusiasmo pela chegada do novo ano escolar, do regresso à escola, do regresso às aulas, da confirmação da entrada no curso superior almejado, etc. Mesmo que se tenha imediatamente consciência de que nem tudo será fácil, pelo contrário: as dificuldades dos alunos, as dificuldades nas escolas não param de crescer!
Os alunos a quem já apresentei, na primeira aula do curso de Psicologia deste novo ano letivo, a Psicologia, tal como ela acontece na nossa vida do dia a dia, entenderão a razão porque escolhi o poema de Eugénio de Andrade sobre as amoras para corporizar uma pequena mensagem de saudação para eles, desejando-lhes um bom ano de trabalho escolar e que, no final, lá para junho de 2012, lhe traga os sucessos que eles agora sonham vir a ter.

As amoras
O meu país sabe a amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez nem goste dele,
mas quando um amigo me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade, O outro nome da Terra


Os meus alunos deste ano já sabem que as minhas amoras não são bravias, das silvas dos muros, as minhas, por uma bênção maravilhosa que me calhou, um dia, em sorte, são de uma amoreira que foi mágica e que, mesmo que já desaparecida, vai, muito em breve, poder renovar-se na oportunidade de trazer mais bênçãos e magia. Os protagonistas da história de há 30 anos assim se comprometeram e contam já com o companheirismo e a solidariedade de quem os conhece e lhes tem amizade.
O poema de Eugénio de Andrade denuncia sentimentos e ideias de descrença e de apoucamento, mas não deixa de alertar para que todos nós percebamos que, mesmo sem querer, as coisas que nos acontecem na vida têm o condão de poderem transformar-se no sentido do que dá alegria, dá prazer, e nos realiza a todos como pessoas.
É esse testemunho pessoal  que agora quero deixar aqui, quase em jeito de carta aberta, aos novos alunos da minha nova vida, que acaba de começar.
Queridos alunos, força no vosso entusiasmo! Força, agora que estamos a lançar a semente à terra! Que o tempo das colheitas, lá para quando o calor do próximo verão voltar, confirme a sabedoria que fomos capazes de manter durante o tempo do amadurecimento do que agora estamos a plantar. É preciso saber esperar, não é?... Também já falámos que o tempo de amadurecimento do fruto não é um tempo de descanso para o plantador, é precisamente na entrega pessoal ao tempo de amadurecimento do fruto que se joga a essência da sabedoria do plantador, quer dizer, do aluno.
Contem comigo ao vosso lado, sobretudo nos tempos em que os muros não forem brancos e o céu não vos mostre a cor azul. Vá, arrisquem a acreditar!...


quinta-feira, setembro 01, 2011

As insinuações vagas do discurso do senhor ministro da Educação

Assim que o ministro da Educação, o dr. Nuno Crato, tomou posse, aqui neste blogue dei pública conta da minha disponibilidade para alinhar com ele na (r)evolução do ensino.
Por isso, depois, já disse isto e aquilo. Não é verdade que da discussão nasce a luz?
E o que me apetece dizer agora?... Apetece-me dizer que depois que publicou o seu "Eduquês" (que li com muito interesse, até mesmo com algum entusiasmo), o senhor ministro da Educação parece que fixou fixado nalguns fantasmas mentais, que o perseguem em todo o lado. Não sei se ele tem pessoas concretas na cabeça, fantasmas, isso tem, seguramente, que parecem vir duma coisa vaga, que são as suas Ciências da Educação. O discurso público do senhor ministro começa a a encher-se de afirmações que, no meu entender, veem eivadas de alusões perigosas, enganadoras e - como gostariam de dizer muitos dos nossos políticos - sem substância.
É verdade, começo a pasmar que tenhamos chegado aos tempos a que chegámos para ouvir o ministro da Educação de Portugal a dizer que a escola não é para passar de ano, a escola é para aprender!... Como dá esta bota com esta perdigota? A escola não foi sempre para aprender? Aprender não se certifica com as passagens de ano? Vamos "oficializar" a desconfiança sobre a aprendizagem dos alunos, quanto mais passarem de ano, maior deverá ser a desconfiança?
O senhor ministro da Educação vai (31 de agosto de 2011) à universidade de verão do PSD e diz, no meio de risos irónicos, que  está bem, isso de desenvolver o espírito crítico é importante e, logo a seguir, praticamente põe isso como sinónimo de "passar de ano sem saber".
Depois diz que estudar é importante para ganhar mais dinheiro. Penso que já oiço isso desde que minimamente me conheço como pessoa, há 50 anos. As transformações sociais, culturais e civilizacionais, das últimas dezenas de anos, em todo o mundo, foram capazes de parir essa ideia?... Só isso?... Ou mesmo que não seja só isso, é isso o mais importante?... Numa época em que o mundo agonia como agonia precisamente por causa daqueles que querem ganhar dinheiro, muito dinheiro?
Dr. Nuno Crato, tem todo o direito de pensar o que quiser sobre quaisquer teorias que queiram largar postas de pescada sobre como deve ser a educação nas escolas. Como ministro da educação, para além desse direito, tem, como mais ninguém no País, a responsabilidade de tomar decisões sobre a maneira de fazer a educação das crianças e dos jovens desse mesmo País.
Em pequeno, quantas vezes na escola e fora da escola me falaram do velho "ler, escrever e contar" de Salazar. Era isso que bastaria na "sagrada oficina das almas" que formava "os bons meninos".
Deixo-lhe uma pergunta, senhor ministro Nuno Crato:
Na sua ideia (ideia de ministro, claro!), como pensa que se compatibilizam a necessidade de preparar os jovens para um mundo de trabalho em que a mudança é a constante; a tão apregoa capacidade de empreendedorismo; a menorização que o senhor faz do desenvolvimento do espírito crítico; e a bandeira que agita, cheio de alma, em que o senhor diz, muito vagamente, que a escola é para aprender; no fundo, aprender o quê?...

sábado, agosto 27, 2011

No Kilimanjaro, há 4 anos, atingi, muito provavelmente, o zénite da minha vida

Por uma miríade de razões, pessoais e familiares, presentes, passadas e futuras, no dia 27 de Agosto de 2007 atingi, no topo do Kilimanjaro, no Uhuru Peak (o Pico da Liberdade), o zénite da minha vida.
De certa maneira, cheguei ao ponto intermédio entre a juventude e a velhice de que fala o poeta de língua swahiliShaaban Robert, no seguinte poema, que traduzi livremente. Para já, uma diferença me separa dos sentimentos do poeta: não sinto, nem de perto nem de longe, que a vida me tenha deixado preso na dimensão miserável da vida. Por isso, escreveria assim o penúltimo verso do poema:
esta vida pode bem ser uma coisa linda, mesmo que não consigas isto, podes conseguir aquilo.
Mas se me puser na pele da generalidade dos tanzanianos que conheci, e do nível de vida que lhes calhou em sorte, compreendo perfeitamente que o poeta assim sinta. Por isso mais valorizo a maneira extraordinariamente afável como todos me trataram, em que a alegria e a cordialidade parecem condição genética dominante partilhada por todos.


Uzee
Ujamu kitu kitamu tena ni azizi sana
Maungoni mwangu humu nilikuwa nao jana
Kwa wingi katika damu tahamaki leo sina
Nasikitika hadumu rafiki yangu ujana.


Kichwa kimejaa mvi kinywani meno hamna.
Nikenda kama mlevi miguu nguvu haina,
Kumbe ujana ni hivi ukenda hauji tena.
Nasikitika hadumu rafiki yangu ujana.


Jua langu limekuchwa na nyota niliziona.
Ukinitazama kichwa nywele nyeusi hakina,
Kama zilizofikchwa zikang'olewa mashina.
Nasikitika hadumu rafiki yangu ujana.


Natatizika kauli midomo najitafuna.
Nimekusanya adili walakini hali sina,
Dunia kitu bahili hiki una kile huna.
Nasikitika rafiki yangu ujana.


OLD AGE
Youth is a sweet thing, and it is so dear to us, here in my limbs
I too had it only yesterday, with plenty of blood, though today
no longer. Alas, it does not last, my good friend youth!

My hair is all grey, in my mouth there are no longer teeth,
I walk like a drunkard, my legs have no longer strength,
Now I see it, youth is like that, it goes and does not come back.
Alas, it does not last, my good friend youth!

My sun has set, and I can see the stars, when you look at
my head, you see no black hairs, as if they had been
wiped away, or pulled out roots and all
Alas, it does not last, my good friend youth!

I get confused in my words, I keep chewing on them,
I have collected wisdom, but my health is no good,
this life is a miserly thing, you get this but you don't get that.
Alas, it does not last, my good friend youth!

VELHICE
A juventude é uma coisa doce, tão querida para nós, senti-la nos membros
Eu também a tive em tempos, bem abundante de sangue, mas hoje
não a tenho mais. Infelizmente, não dura sempre, a boa e amiga juventude!

O meu cabelo tornou-se todo cinza, na minha boca não há já dentes,
Ando como um bêbado, as minhas pernas já não se aguentam firmes,
Agora vejo como as coisas são, a juventude é assim, vai e não volta.
Infelizmente, não dura sempre, a boa e amiga juventude!

O meu Sol se pôs, posso ver as estrelas, quando olhas para
a minha cabeça, não descobres cabelos negros, como se tivessem sido
eliminados, ou arrancados, com raiz e tudo.
Infelizmente, não dura sempre, a boa e amiga juventude!

Confundo-me com as palavras, mastigo-as continuamente,
Colecionei sabedoria, mas a minha saúde não é boa,
esta vida é uma coisa miserável, consegues isto, mas não consegues aquilo.
Infelizmente, não dura sempre, a boa e amiga juventude!

domingo, agosto 21, 2011

"Aula" aberta ao Pedro Luís Fonseca Matos


«Negros, asiáticos, brancos, somos todos parte da mesma comunidade. Por que temos de nos matar uns aos outros? Se querem perder o vosso filho, força. Senão, acalmem-se e vão para casa»

sol.sapo.pt
No meio dos distúrbios de Birmingham um homem apressa-se a socorrer as vítimas de um atropelamento, para descobrir que uma das três pessoas atropeladas é nada mais nada menos que o seu próprio filho.

13/8 às 9:54 · Privacidade: ·  ·  · 

    • Pedro Luis Fonseca Matos atençao sr professor desde os tempos das cavernas k os homens se matam uns aos outros está na genetica nada se pode fazer contra isso
      14/8 às 8:49 · 

    • Fernando Pinto 
      Pedro Luis Fonseca Matos, meu caro Pedro, felizmente, pode-se dizer, a própria genética contém dentro de si os mecanismos e os processos que conduzem ao melhoramento das espécies. Mas passando ao lado da questão da genética da agressividade: achas que este homem contrariou a genética?... Outra pergunta, mais direta: achas que ele não devia ter dito o que disse? Deve, a sua reação, ser para nós exemplo de alguma coisa? Um abraço, Pedro! ♥

      14/8 às 9:19 · 

Tantas aulas que os professores dão, tantas aulas que ficam por dar!
Às vezes pergunto-me se são mais as aulas que dou, ou as que imagino dar. Adiante. Se vou por aqui, se vou por este fio de conversa, corro o risco de ter o personagem do Ricardo Araújo Pereira a dizer-me acutilantemente: “Ele fala, fala, fala, mas não diz nada!...”
Ora vamos lá então a ver se digo qualquer coisa de jeito, no fundo, pensando que adoraria abordar este assunto, exatamente a partir da forma como surgiu no Facebook, numa das minhas aulas de Psicologia. Numa sala de aula, a gente tem mais tempo, podemos juntar mais esta ou aquele cereja à conversa, à explicação.
Vamos a isto!
É verdade, Pedro, desde o tempo das cavernas que os homens se matam uns aos outros.
É verdade, Pedro, isso está na genética.
Não é verdade, Pedro, que não se pode fazer nada contra isso. Não quero deixar de te dizer isto porque as coisas em que acreditamos, como eu costumo dizer nas aulas (nem é porque simplesmente o queira dizer, é porque o programa de Psicologia me obriga a dizer isso; e ainda bem que me obriga a fazê-lo, a mim e aos outros professores da disciplina),  influenciam a formação das nossas atitudes e das nossas opiniões; e aquelas e estas determinam os nossos comportamentos. Portanto, se a gente acredita que "não há nada a fazer", tem tendência a formar opiniões e a tomar decisões num sentido. Se, pelo contrário, a gente acredita  que "pode-se fazer alguma coisa", forma outras opiniões e toma outras decisões.
É verdade, Pedro, é legítimo acreditares na origem genética da agressividade humana (a que mata), os estudos sobre o desenvolvimento do cérebro humano mostram que a organização do nosso cérebro põe na base da sua própria evolução, nos primeiros grupos de células nervosas que o compõem, a força da agressividade. Corresponde à era, na história do desenvolvimento da espécie humana, da lei do mais forte. Quem é mais forte, manda; quem manda, mata se e quando quiser. E pode-se acrescentar, mata friamente.
Isto que acabo de te dizer, Pedro, tem a ver com uma teoria que começou por ser "apenas" muito sedutora no estudo da evolução do cérebro e dos comportamentos dos animais, especialmente do Homem, e que agora, para além da sedução, vem acumulando evidência científica. É a teoria do cérebro triuno de Paul MacLean. Hoje em dia é fácil encontrar na Internet sítios de divulgação desta teoria, que não é muito complicada. É a teoria do cérebro triuno que vai continuar a inspirar o que a seguir vou escrever; e que daqui a pouco associarei a um dos meus autores de eleição, como a generalidade dos meus alunos sabem, o austríaco pai da Etologia, Konrad Lorenz.
Continuando, a evolução do nosso cérebro é marcada pelo surgimento de uma segunda camada de massa cerebral (repara, Pedro, vem pôr-se por cima, digamos, do cérebro "original", mas não o elimina ou modifica), camada essa que traz a novidade da experiência afetiva e emocional que ajuda à regulação dos comportamentos. Esta nova camada, partilhamo-la essencialmente com os outros mamíferos. Uma das novidades da experiência emocional é a preocupação com o Outro, não apenas o Outro que é igual a mim, mas também o que é diferente (as outras espécies, sejam elas mais humanas, sejam elas mais animais). Ora bem, um dos efeitos do advento da experiência afetiva e emocional acontece precisamente sobre a fria força agressiva, competindo com ela e inibindo-a; regulando-a.
Como vês, Pedro, o próprio organismo humano, a própria evolução da nossa espécie, faz surgir dentro de si, diretamente a partir da sua condição biológica, a reação ao determinismo da agressividade, quer dizer, o organismo, ele próprio, encarrega-se de “fazer qualquer coisa contra isso”, sendo isso “os homens matarem-se uns aos outros”, inteiramente presos da condição genética de que falas.
Konrad Lorenz, partindo de uma outra perspetiva do estudo do comportamento humano, diz que, no fundo, as civilizações são as tentativas de resposta e reação dos grupos humanos ao determinismo da agressividade e do predomínio da lei do mais forte. Para isso, progressivamente, os grupos humanos organizaram rituais sociais e culturais que regulam as relações dos indivíduos nos grupos. Quando nós falamos nos rituais de passagem da adolescência, ora aí estão alguns exemplos daquilo que Konrad Lorenz fala. Não vou avançar por aqui (numa sala de aula certamente o faria, mas aqui, na Net, para já, tornaria a leitura deste texto fastidiosa), vou apenas dizer que, nos últimos anos da sua vida - Lorenz morreu em 1989 -, ele observava com telúrica tristeza o desmoronamento, o desaparecimento destes rituais, com o progressivo e imperial predomínio, nas sociedades humanas, dos valores economicistas e das motivações consumistas, cada vez mais egoístas e individualizadas.
Mas falta ainda uma camada no cérebro de MacLean. É a camada que corresponde, fisiologicamente, em linhas gerais, ao córtex cerebral, que é o “véu” que cobre todo o cérebro. Nesta última camada veio instalar-se a inteligência, a capacidade de pensar e de discernir; o sentido estético; e a sabedoria.
É o conjunto destas capacidades que nos permite, por exemplo, depois de termos visto esta madrugada a equipa de futebol portuguesa perder com a seleção do Brasil, na final do campeonato mundial de sub-20, dizermos: “Parabéns ao Brasil!”, quando estamos cheios de pena (cérebro emocional, a segunda camada de cérebro) de não termos visto os nossos jogadores ganharem o jogo; ou quando estamos cheios de raiva (cérebro agressivo, a primeira camada de cérebro) por aqueles “fedelhos” da equipa adversária terem vencido os nossos jogadores, os jogadores da nossa equipa.
Ao lado da tristeza (e / ou da raiva) de não vermos a equipa portuguesa ganhar a final de futebol, temos qualquer coisa que nos diz se o jogo foi bom ou não; que nos diz se o resultado é justo ou não; que nos diz se o jogo foi bonito ou não. Tudo isto são apreciações e julgamentos produzidos a partir da nossa última camada de cérebro.
Konrad Lorenz dizia: “Aparentemente, tanto a beleza do mundo cultural como a beleza do mundo natural são essenciais para manter o Homem espiritualmente são”. Quer dizer, a espécie humana tem "critérios de satisfação" que não são apenas de vencer ou ser vencido, de dominar ou não dominar o Outro.
Já agora, não te esqueças, Pedro: no fundo o jogo de futebol é exemplo de uma organização ritual de comportamentos humanos onde, com a presença de um árbitro, grupos “rivais” lutam, competem por uma coisa de que uns se aproprim à custa dos outros (a vitória, os pontos), mas sempre procurando regular a agressividade! É o tal “fair play”, entre os jogadores e os clubes.
Estás a ver, Pedro, porque é que a reação do pai que encontrou o seu filho morto pode ser considerado um hino ao fascinante desenvolvimento do cérebro e da espécie humana? Seguramente ele sentiu raiva; seguramente ele quis vingar a morte do filho (primeira camada do cérebro); seguramente ele sofreu o maior sofrimento do mundo que é a perda, fora de tempo, de um filho (segunda camada do cérebro); mas teve, na hora, a sabedoria para perceber o que estava em causa e o que poderiam ser as trágicas consequências para tantos iguais a ele, para tantos iguais ao filho querido e amado (terceira camada do cérebro).
Pedro, tens razão em tudo o que dizes, mas – por favor! – nunca mais digas que não há nada a fazer. Somos o raio de um bicho que tem deus e o diabo no corpo! Sejamos sempre capazes de fazer jus ao maravilhoso desenvolvimento humano, ao nosso desenvolvimento enquanto espécie (magnífica, fascinante... diabólica)!
Um grande abraço, Pedro, de muito amizade e carinho!

quarta-feira, agosto 10, 2011

Com a língua partilhamos a saudade, com a saudade partilhamos o destino e com o destino partilhamos a utopia.

O que tem estado a acontecer em Inglaterra (Reino Unido, eu sei, mas isso é mais para quem lá vive mesmo) é lamentável, muito lamentável. Os problemas sociais ganham forma de espetáculo de televisão e canais inserem na sua programação avisos de que vão fazer emissões especiais , diretamente de várias cidades inglesas, a partir das horas tais e tais, para que todos nós possamos ver, no descanso das nossas casas, os atos de violência e saque, e possamos exclamando, em tempo real, como agora se diz: Credo!... Ai que horror!... Que vândalos!... Meus Deus, onde é que este mundo vai parar!...
Hoje de manhã, pois claro, um dos canais generalistas da televisão portuguesa, apresentou imagens da noite que passou, mostrando várias cidades inglesas, focando bem o ferro e o fogo. Curiosamente, logo a seguir, no alinhamento do telejornal, veio o habitual noticiário dos movimentos de compra e venda nas principais bolsas europeias, notícias essas apresentadas com o tom de voz sempre monocórdico, de frases feitas, sempre iguais, absolutamente comuns a todos os canais que dão, todas as manhãs, informações sobre as ações que sobem, as ações que descem, os índices para cima, os índices para baixo.
No jogo que se sempre se joga nestas ocasiões, das causas próximas e das causas remotas deste tipo de acontecimentos, se calhar, sem querer, o canal de televisão em causa associou o efeito a uma das suas causas maiores, que nos mostra o estilo de vida dominante nas nossas sociedades: o movimento de capitais a pôr e a dispor das pessoas e das sociedades.
Repare-se no seguinte: os danos acumulados já devem chegar a valores que dariam para cobrir os orçamentos anuais dos centros de juventude que fecharam em Londres. Não estou a dizer que foi esta a causa precipitante, nem tão pouco que é a mais importante.
Não me canso de repetir o que o meu mestre João dos Santos muito sabiamente me repetiu, que, no fundo, o que importa na organização da vida das pessoas é a educação e a política. Ora, terão sido precisamente a educação e a política que falharam; que estão a falhar. Em Inglaterra e em todo o mundo.
Entre nós, portugueses, por exemplo, o grande desiderato da Educação é a melhoria dos resultados a Matemática, e quase se tem a vertigem de criar um deserto à volta dela, qual eucalipto voraz que absorve tudo avidamente.
Que sociedades, na história dos povos, conseguiu engrandecer com a desvalorização dos sábios da Educação, com a menorização dos seus professores?
É essa a desgraça dos tempos de hoje: os donos do dinheiro manietam os políticos, e os políticos desprezam os professores.
Curiosamente, também, na leitura matinal de hoje, li, precisamente depois de ver os noticiários:
"Podemos partilhar a saudade, entre todos os falantes da língua que se impôs como uma das maiores do mundo, veículo de muitas culturas, identidade comum. Pelo caminho houve muito sangue desperdiçado, muitos desastres ecológicos, muitos equívocos irreparáveis. Muitas pedras no meio do caminho. De todos esses desastres restam algures vestígios, uns indeléveis outros violentos, pelas veredas tortuosas que trouxeram até nós o poder de todas as paixões e a força de todas as utopias que se afeiçoam ao nosso destino. Com a língua partilhamos a saudade, com a saudade partilhamos o destino e com o destino partilhamos a utopia." (in Diário de Bordo, de António de Abreu Freire, apontamento de quinta-feira, dia 17 de maio de 2007, em Salvador da Bahia, no Brasil) 
A crise em que se inserem os acontecimentos de Inglaterra tem a ver, no meu entender, com o desprezo pelos valores da partilha, pelo deslaçamento das pessoas e dos grupos sociais, pela desistência das utopias coletivas. É o domínio absoluto do individualismo, casado, por intensa paixão, ao insaciável consumismo, que reclama satisfação imediata.
A responsabilidade última de tudo isto é sempre dos políticos e dos governantes.

quarta-feira, agosto 03, 2011

O ponto zero do urbanismo dos Olivais e de Chelas

A apresentação da lógica de desenho e construção dos bairros dos Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas. É esta lógica que faz aparecer a Escola Secundária Eça de Queirós. A voz e as palavras são de dois dos principais arquitetos autores.
A ciência arquitetónica parece muita e de boa fé; a preocupação com as condições de vida das pessoas e a criação de espaços que possam juntá-las e protegê-las do tráfego automóvel também são evidentes.
Contudo, não há, em todo o vídeo, uma palavra sobre o espaço tal como ele era antes, as pessoas que ali habitavam, as formas culturais que caraterizavam aquelas zonas. Penso que, a quem vive agora nos Olivais, e que queira saber a história do chão que pisa, faz falta saber o que encontraram aqui quem tanto transformou o espaço dos Olivais e lhe deu as caraterísticas urbanísticas e arquitetónicas que agora tem.
No meu entender, assim sem mais, fica-se à mercê da acusação de puro imperialismo de gente autodeclarada como sábia e competente.
Onde estão as preocupações de conservar as marcas culturais dos locais, por mais pobres que sejam? Certamente existiram! Quais foram?... Como foram equacionadas? Como influenciaram no desenho do futuro bairro a construir? Fica-se à mercê de se pensar que se tratou de qualquer coisa deste género: "aqui não há ninguém... aqui não há nada... vamos fazer bairros dignos para pessoas que não estão cá e vamos trazer para cá". Como se houvesse a intenção de criar o ponto zero do urbanismo, quiçá mesmo da geografia dos Olivais.
Os Olivais, enquanto novo bairro, foram seguramente um desafio entusiasmante para quem desenhou as ruas, os passeios, as casas e os outros espaços de vida das gentes que moravam e moram nos Olivais.
Veja-se o que hoje existe de iniciativas, até de gente muito nova, para conservar - precisamente nos Olivais e em Chelas! - as marcas das suas identidades culturais locais. Devem-nos fazer - a todos - pensar no que se mexe e revolve com o enraizamento e o desenraizamento das pessoas. E a construção destes bairros - como tantas outras - terá feito isso: empurrou gente daqui para fora a trouxe gente de fora cá para dentro. Significativamente, muitos dos que já nasceram ou cresceram nos novos bairros de Chelas e Olivais também já temem que lhes aconteça o mesmo. Porque será?... Porque será que é tanta a preocupação e o esforço de conservar as construções da Praça da Viscondessa (que costumamos chamar Olivais Velhos)?
Curiosamente, as cidades modernas procuram recuperar, já não são sequer os "espaços verdes", é, isso sim, os espaços de terrenos, de espaços, individuais ou comunitários, precisamente no meio das cidades, para as pessoas cultivarem a terra e dela recolherem os produtos que ela dá para a alimentação do dia a dia. Tantas quintas que nos Olivais e em Chelas se deitaram abaixo!... Seriam quintas que valiam a pena?... Que histórias seriam as suas?...
Mais do que bota-abaixo, as impressões que acabo de escrever pretendem (e essa será a minha utopia) congregar os esforços de todos - começa a ser urgente fazê-lo - para juntar memórias e pensar o futuro. As fotografias do Arquivo Fotográfico de Lisboa que copiei para o meu Facebook mostram que há pessoas da fase anterior ao "ponto zero" que certamente ainda estão vivas. Que é feito dessas pessoas?... Que memórias têm dos Olivais e de Chelas?... O que lhes aconteceu depois do "ponto zero"?
Sinceramente, gosto do vídeo dos senhores arquitetos e já os ouvi pessoalmente falarem sobre os bairros dos Olivais e de Chelas. Por isso recomendo a todos que o vejam. Mas depois vamos fazer mais qualquer coisa! Que acham?
"A criação do Gabinete Técnico de Habitação (GTH) da Câmara Municipal de Lisboa ocorreu 
em 1959,  estando na origem da urbanização dos bairros sociais de Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas. O GTH constituiu-se como um verdadeiro laboratório reformista, tanto nas opções de política urbana, como na visão técnica dos seus autores, através de operações de grande escala, inovadoras no quadro do urbanismo nacional. A intervenção maciça de arquitectos e outros técnicos no maior conjunto de habitação social até então planeado, abrangendo mais de 700 hectares e projectando albergar perto de 120 mil pessoas, constituiria uma escola de projecto doméstico colectivo e de integração de diferentes especialidades."

terça-feira, agosto 02, 2011

Mais informação, menos conhecimento

Este texto foi-me endereçado pela minha querida amiga Maria João Cordeiro, que tem mantido sempre uma sensibilidade muito arguta e e colaborante relativamente às minhas preocupações científicas e pedagógicas. Muito obrigado, João!
Não subscrevo integralmente as apreciações que o texto contém, nem do autor, nem das pessoas referidas no texto. Mas a reflexão de Mario Vargas Llosa tem o condão de ser clara e muito aberta, a deixar-se no ponto ótimo para induzir a discussão. Por mim, seguramente vou usá-lo, seja junto de alunos, de colegas professores e de pais.


Promedio (30 votes)
Por: Mario Vargas Llosa
Nicholas Carr estudió Literatura en Dartmouth College y en la Universidad de Harvard y todo indica que fue en su juventud un voraz lector de buenos libros. Luego, como le ocurrió a toda su generación, descubrió el ordenador, el Internet, los prodigios de la gran revolución informática de nuestro tiempo, y no sólo dedicó buena parte de su vida a valerse de todos los servicios online y a navegar mañana y tarde por la red; además, se hizo un profesional y un experto en las nuevas tecnologías de la comunicación sobre las que ha escrito extensamente en prestigiosas publicaciones de Estados Unidos e Inglaterra.
Un buen día descubrió que había dejado de ser un buen lector, y, casi casi, un lector. Su concentración se disipaba luego de una o dos páginas de un libro, y, sobre todo si aquello que leía era complejo y demandaba mucha atención y reflexión, surgía en su mente algo así como un recóndito rechazo a continuar con aquel empeño intelectual. Así lo cuenta: “Pierdo el sosiego y el hilo, empiezo a pensar qué otra cosa hacer. Me siento como si estuviese siempre arrastrando mi cerebro descentrado de vuelta al texto. La lectura profunda que solía venir naturalmente se ha convertido en un esfuerzo”.
Preocupado, tomó una decisión radical. A finales de 2007, él y su esposa abandonaron sus ultramodernas instalaciones de Boston y se fueron a vivir a una cabaña de las montañas de Colorado, donde no había telefonía móvil y el Internet llegaba tarde, mal y nunca. Allí, a lo largo de dos años, escribió el polémico libro que lo ha hecho famoso. Se titula en inglés The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains y, en español: Superficiales: ¿Qué está haciendo Internet con nuestras mentes? (Taurus, 2011). Lo acabo de leer, de un tirón, y he quedado fascinado, asustado y entristecido.
Carr no es un renegado de la informática, no se ha vuelto un ludita contemporáneo que quisiera acabar con todas las computadoras, ni mucho menos. En su libro reconoce la extraordinaria aportación que servicios como el de Google, Twitter, Facebook o Skype prestan a la información y a la comunicación, el tiempo que ahorran, la facilidad con que una inmensa cantidad de seres humanos pueden compartir experiencias, los beneficios que todo esto acarrea a las empresas, a la investigación científica y al desarrollo económico de las naciones.
Pero todo esto tiene un precio y, en última instancia, significará una transformación tan grande en nuestra vida cultural y en la manera de operar del cerebro humano como lo fue el descubrimiento de la imprenta por Johannes Gutenberg en el siglo XV que generalizó la lectura de libros, hasta entonces confinada en una minoría insignificante de clérigos, intelectuales y aristócratas. El libro de Carr es una reivindicación de las teorías del ahora olvidado Marshall McLuhan, a quien nadie hizo mucho caso cuando, hace más de medio siglo, aseguró que los medios no son nunca meros vehículos de un contenido, que ejercen una solapada influencia sobre éste, y que, a largo plazo, modifican nuestra manera de pensar y de actuar. McLuhan se refería sobre todo a la televisión, pero la argumentación del libro de Carr y los abundantes experimentos y testimonios que cita en su apoyo indican que semejante tesis alcanza una extraordinaria actualidad relacionada con el mundo del Internet.
Los defensores recalcitrantes del software alegan que se trata de una herramienta y que está al servicio de quien la usa y, desde luego, hay abundantes experimentos que parecen corroborarlo, siempre y cuando estas pruebas se efectúen en el campo de acción en el que los beneficios de aquella tecnología son indiscutibles: ¿quién podría negar que es un avance casi milagroso que, ahora, en pocos segundos, haciendo un pequeño clic con el ratón, un internauta recabe una información que hace pocos años le exigía semanas o meses de consultas en bibliotecas y a especialistas? Pero también hay pruebas concluyentes de que, cuando la memoria de una persona deja de ejercitarse porque para ello cuenta con el archivo infinito que pone a su alcance un ordenador, se entumece y debilita como los músculos que dejan de usarse.
No es verdad que el Internet sea sólo una herramienta. Es un utensilio que pasa a ser una prolongación de nuestro propio cuerpo, de nuestro propio cerebro, el que, también, de una manera discreta, se va adaptando poco a poco a ese nuevo sistema de informarse y de pensar, renunciando poco a poco a las funciones que este sistema hace por él y, a veces, mejor que él. No es una metáfora poética decir que la “inteligencia artificial” que está a su servicio, soborna y sensualiza a nuestros órganos pensantes, los que se van volviendo, de manera paulatina, dependientes de aquellas herramientas, y, por fin, en sus esclavos. ¿Para qué mantener fresca y activa la memoria si toda ella está almacenada en algo que un programador de sistemas ha llamado “la mejor y más grande biblioteca del mundo”? ¿Y para qué aguzar la atención si pulsando las teclas adecuadas los recuerdos que necesito vienen a mí, resucitados por esas diligentes máquinas?
No es extraño, por eso, que algunos fanáticos de la Web, como el profesor Joe O’Shea, filósofo de la Universidad de Florida, afirme: “Sentarse y leer un libro de cabo a rabo no tiene sentido. No es un buen uso de mi tiempo, ya que puedo tener toda la información que quiera con mayor rapidez a través de la Web. Cuando uno se vuelve un cazador experimentado en Internet, los libros son superfluos”. Lo atroz de esta frase no es la afirmación final, sino que el filósofo de marras crea que uno lee libros sólo para “informarse”. Es uno de los estragos que puede causar la adicción frenética a la pantallita. De ahí, la patética confesión de la doctora Katherine Hayles, profesora de Literatura de la Universidad de Duke: “Ya no puedo conseguir que mis alumnos lean libros enteros”.
Esos alumnos no tienen la culpa de ser ahora incapaces de leer La Guerra y la Paz o el Quijote. Acostumbrados a picotear información en sus computadoras, sin tener necesidad de hacer prolongados esfuerzos de concentración, han ido perdiendo el hábito y hasta la facultad de hacerlo, y han sido condicionados para contentarse con ese mariposeo cognitivo a que los acostumbra la red, con sus infinitas conexiones y saltos hacia añadidos y complementos, de modo que han quedado en cierta forma vacunados contra el tipo de atención, reflexión, paciencia y prolongado abandono a aquello que se lee, y que es la única manera de leer, gozando, la gran literatura. Pero no creo que sea sólo la literatura a la que el Internet vuelve superflua: toda obra de creación gratuita, no subordinada a la utilización pragmática, queda fuera del tipo de conocimiento y cultura que propicia la Web. Sin duda que ésta almacenará con facilidad a Proust, Homero, Popper y Platón, pero difícilmente sus obras tendrán muchos lectores. ¿Para qué tomarse el trabajo de leerlas si en Google puedo encontrar síntesis sencillas, claras y amenas de lo que inventaron en esos farragosos librotes que leían los lectores prehistóricos?
La revolución de la información está lejos de haber concluido. Por el contrario, en este dominio cada día surgen nuevas posibilidades, logros, y lo imposible retrocede velozmente. ¿Debemos alegrarnos? Si el género de cultura que está reemplazando a la antigua nos parece un progreso, sin duda sí. Pero debemos inquietarnos si ese progreso significa aquello que un erudito estudioso de los efectos del Internet en nuestro cerebro y en nuestras costumbres, Van Nimwegen, dedujo luego de uno de sus experimentos: que confiar a los ordenadores la solución de todos los problemas cognitivos reduce “la capacidad de nuestros cerebros para construir estructuras estables de conocimientos”. En otras palabras: cuanto más inteligente sea nuestro ordenador, más tontos seremos.
Tal vez haya exageraciones en el libro de Nicholas Carr, como ocurre siempre con los argumentos que defienden tesis controvertidas. Yo carezco de los conocimientos neurológicos y de informática para juzgar hasta qué punto son confiables las pruebas y experimentos científicos que describe en su libro. Pero éste me da la impresión de ser riguroso y sensato, un llamado de atención que –para qué engañarnos– no será escuchado. Lo que significa, si él tiene razón, que la robotización de una humanidad organizada en función de la “inteligencia artificial” es imparable. A menos, claro, que un cataclismo nuclear, por obra de un accidente o una acción terrorista, nos regrese a las cavernas. Habría que empezar de nuevo, entonces, y a ver si esta segunda vez lo hacemos mejor.