terça-feira, abril 08, 2025

#TOLERÂNCIA100 - O MAU EXEMPLO DOS DIRIGENTES DO FUTEBOL

 #TOLERÂNCIA100 - O MAU EXEMPLO DOS DIRIGENTES DO FUTEBOL

Já noutras alturas quis falar da minha insatisfação e desacordo a propósito dos telejornais (sobretudo da televisão pública) abrirem com a notícia do Benfica que ganhou, do Porto que ganhou, do Sporting que ganhou (escrevi os nomes por ordem alfabética...). Nunca quis falar disto quando a notícia fosse uma derrota do Benfica (o meu clube de coração), para não ser acusado de só mostrar insatisfação quando o Benfica perdesse.

O Benfica ganhou ao Porto no domingo, ontem os telejornais da manhã (RTP3) abriram todos com a notícia; ontem o Sporting empatou com o Braga, hoje os mesmos telejornais abriram com essa notícia.

Ontem, numa notícia associada ao jogo Porto-Benfica no Estádio do Dragão, mostravam-se os presidentes do Porto (André Villas-Boas) e o presidente do Benfica (Rui Costa), em bancadas separadas, ambos de ar sério, e sem se encontrarem um com o outro. Quanto ao presidente do Sporting (Frederico Varandas), está suspenso disciplinarmente por 51 dias pela Federação Portuguesa de Futebol.

Não é a primeira vez que o presidente dum clube de futebol é suspenso, o mesmo já aconteceu a outros clubes, nomeadamente no Benfica. Quer dizer, os comportamentos de indisciplina desportiva e as zangas entre os dirigentes dos clubes de futebol tornaram-se banalidades, parece que tem de ser assim: os presidentes dos clubes de futebol não devem ser cordiais entre si, devem andar zangados; e devem andar sempre a zangar-se, fazer acusações, denunciar, protestar, reclamar por injustiças.

Que modelo é este de civilidade pessoal, de convivialidade desportiva, que os líderes dos clubes de futebol (não apenas, como se costuma dizer em Portugal, «os três grandes») oferecem aos adeptos dos seus clubes? Parece que é o de "ser benfiquista/portista/sportinguista é estar em oposição, é estar de relações cortadas (no mínimo, frias e distantes) com os ser dos outros clubes.

Que raio de modelo, social e desportivo, tão intolerante!

Não deveriam eles, os presidentes, estar na primeira linha de todos, mas mesmo todos, os esforços para tentarem, sempre, resolver tudo, como se diz no Desporto, com desportivismo e 'fair play'?

Todos os clubes, todos os grandes clubes, têm exemplos de atletas e adeptos que se dedicaram (ou dedicam) toda a vida, de corpo e alma, ao seu clube de coração. Por outro lado, fanáticos e trapaceiros há também em todos os clubes. Na minha opinião, os presidentes têm de estar do lado dos dedicados e não do dos fanáticos e trapaceiros.

Há dias, numa turma em que predominam os alunos que praticam desporto federado (futebol, rugby, voleibol), pus-lhes um dilema, chamei-lhe "O Dilema do Rugby e da Amizade Impossível"

DILEMA: Um dos meus melhores amigos, o Júlio, vai jogar rugby, no domingo, pela equipa de Direito.

Ele vai jogar contra o Sousa, da equipa do Técnico. O Sousa é tão meu amigo quanto o Júlio. Eu sei que a equipa que eu apoiar vai ganhar. Tanto o Júlio como o Sousa me pediram para os apoiar. Que equipa devo eu apoiar, a do meu amigo Júlio ou a do meu amigo Sousa?

Pus o dilema aos vários chatbots, as soluções apresentadas por eles — mostrando que o dilema estava bem feito, o que me deixou muito satisfeito — revelam-se, pois claro, inconclusivas.

Entretanto, um deles propôs uma saída airosa, em que parece estar a fugir com o rabinho à seringa: «Deves apoiar o árbitro, para que ele tenha uma condução justa do jogo e ganhe a equipa que desportivamente mais mereça.»

Esta resposta, parecendo ser uma resposta ao lado, é bem capaz de ser a melhor de todas, já que mostra que o que deve orientar a competição desportiva são mesmo, e apenas, os valores da sã disputa desportiva. Dá mesmo muito que pensar esta resposta!

Acho que fazia muito bem aos presidentes dos clubes (e a todos os dirigentes desportivos, em geral) dedicarem algum tempo a este dilema e a outros do mesmo tipo. Entre outras coisas, para que conseguissem tomar consciência da influência educativa junto das crianças, dos jovens e dos adultos, no fundo, dos adeptos clubistas que querem que os seu presidentes sejam os melhores de todos.

P.S.: o número 100 é um número redondo, é um marco. Depois destes 100 textos, o desafio é virem mais 100, depois mais 100, e depois ainda mais 65. O número 100 justifica um balanço, só que não quis deixar de escrever isto hoje, para não perder oportunidade. Talvez escreva uma espécie de balanço retrospectivo e prospectivo amanhã.

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segunda-feira, abril 07, 2025

#TOLERÂNCIA99 - A EXIGENTE TOLERÂNCIA PEDIDA AOS PROFESSORES

 #TOLERÂNCIA99 - A EXIGENTE TOLERÂNCIA PEDIDA AOS PROFESSORES

Há as conversas do dia-dia, pelos corredores da escola; nos intervalos grandes da manhã e da tarde, no bar da escola, à volta do café; na sala de professores, na preparação do trabalho das aulas... Há os telefonemas e as trocas de mensagens no WhatsApp, depois, à noite, cada um em sua casa...

Nessas ocasiões todas, os professores conversam entre si acerca de ocorrências em sala de aula, com os alunos, ou de contacto com os encarregados de educação, seja por escrito, ao telefone, ou em presença, na hora semanal de atendimento aos encarregados de educação, ou fora dela — tantas vezes que é esse o caso!

Contudo, é nas reuniões de conselho de turma, no final dos períodos lectivos, que os professores, em grupo, tomam conhecimento e partilham entre si o que ao correr dos dias lhes vai sendo exigido de tolerância para com os alunos e também os pais dos alunos.

Há muitos anos, na minha escola, a Direcção do Agrupamento (ainda no tempo em que nem sequer agrupamento havia!) deixou de me atribuir direcções de turma, a razão era porque considerava que eu defendia muito os alunos e os pais. É por este "currículo" que me sinto especialmente à vontade para dizer o que quero dizer acerca dos níveis de Tolerância que hoje em dia toda a gente pede ou melhor, exige, aos professores.

Não contaminemos a reflexão do assunto trazendo agora aquilo que todos nós sabemos: há professores bons e maus, há procedimentos correctos e incorrectos das escolas e dos professores, há comportamentos justos e injustos dos professores... Apetece dizer que, sim senhor, há isso tudo e ainda mais um par de botas. Isto é tão verdade que merece que um dia eu dedique uma ou mais estações desta caminhada para falar sobre a Tolerância que os pais e os alunos devem ter com os professores. Mas hoje a voz é a dos professores.

Dará um livro de muitas centenas de páginas a simples enumeração escrita das razões que levam os pais

a queixarem-se aos directores de turma, o mais das vezes, intempestivamente, disto ou daquilo que aconteceu com a filha ou o filho na escola. Estou à beira de me reformar do ensino e continuo a surpreender-me com o que, aqui e ali, tomo conhecimento.

Sou membro do Conselho Geral do meu agrupamento de escolas e já ouvi, fosse numa reunião, fosse numa conversa informal, os representantes dos encarregados de educação dizerem que não passa pela cabeça dos professores as queixas que os pais lhes dirigem e que eles, com Tolerância ou Paciência de Job, tentam filtrar, gerir com moderação e encaminhar adequadamente.

Coisas que hoje ouvi em duas das reuniões de avaliação do 2.º período em que participei, e outra que uma colega me falou enquanto fazia a pausa do cigarro do lado de fora da escola, são mesmo um desafio à Tolerância dos professores.

Não vale a pena pedir melhores pais, mas já penso que vale a pena pedir melhores professores. Penso que é uma preciosa permissa de entendimento entre pais e professores pensar-se que os pais fazem o melhor que conseguem e que os professores também fazem o melhor que conseguem. Outra permissa valiosa é pensar que não está apenas nas mãos dos pais e dos professores a resolução dos problemas, mas que uns e outros são vítimas dum sistema escolar que está cheio de vícios e procedimentos que necessitam de reformas, e que essas reformas urgem. Aceites ambas as premissas, uma enumeração tão breve quanto possível do universo de dimensões e variáveis que pedem Tolerância aos professores:

na modernidade dos dia, os professores devem ser tolerantes com os ritmos de aprendizagem de cada aluno; devem ter sempre presente as necessidades de diferenciação pedagógica; devem estar sensíveis aos contextos culturais de pertença dos alunos; devem ser tolerantes às sensibilidades psicológicas e emocionais dos alunos, e a sua capacidade de lidar com a frustração, a ansiedade e a pressão do ritmo de aprendizagem escolar... Enfim, é um rol de nunca mais acabar.

Pense-se no mundo, ou melhor, nos mundos que os professores acolhem nas suas aulas: as disrupções, as exigências, as metas, os prazos, tudo é imposto acima ou além dos professores, mas é a eles que o ministério da tutela da Educação e os pais exigem o rasgo de criar as poções mágicas que tudo resolvam, sem stress, bem e depressa como ninguém.

O texto já vai longo, tenho de ficar pelas premissas: aceitamos pensar que, na sua grande maioria, os pais fazem o melhor que sabem e que os professores também fazem? Vamos aceitar que uns e outros têm de unir esforços para pressionar a tutela, para exigir aos governantes do País as condições para que a Educação democrática, inclusiva, justa, que forma pessoas em desenvolvimento e estimula a expansão de inteligências diversas, se realize a sério?

Como cultivar a Tolerância recíproca entre os professores dos alunos e os pais desses mesmos alunos? Vou procurar essa estação e dedicar-lhe uma etapa lá mais para a frente.

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domingo, abril 06, 2025

#TOLERÂNCIA98- TOLERAR, SIM. E DEPOIS? NEM DE PROPÓSITO!

 #TOLERÂNCIA98- TOLERAR, SIM. E DEPOIS? NEM DE PROPÓSITO!

Este texto é a continuação do texto #TOLERÂNCIA97, de ontem. Nem de propósito!

Alguém escreveu um texto, algures, criticando ferozmente a Ordem dos Psicólogos por causa das publicações, no seu 'site' oficial acerca da Desinformação. A OPP procura identificá-la, circunscrevê-la, e procura dar dicas ao cidadão comum acerca da maneira como lidar com ela.

Louvo a iniciativa da Ordem dos Psicólogos Portugueses, de que sou associado desde sempre. Faço, inclusivamente, parte do primeiro grupo que, há muitos, muitos anos esboçou a primeira tentativa de constituir uma primeira associação dos psicólogos portugueses. Nessa altura, germinal e sonhadora, foi-me atribuído, por sorteio, o n.º 9. Na Ordem acabei por ficar com o n.º 9090, o que me deu imensa satisfação.

A OPP sentiu-se, e muito bem, na obrigação de ser protagonista duma iniciativa de ajuda ao cidadão, não se resignando aos espaços fechados dos consultórios. Os atropelos à capacidade de observação, entendimento e ocupar-se, enfrentar e lidar com a realidade, são cada vez em maior número, mais sofisticados, mais prementes e em maior número em ocorrências simultâneas.

Bem ou mal — na minha opinião, bem —, os psicólogos deram a cara, puseram-se na arena social, aquele lugar onde todos os dias os cidadãos se confrontam com cargas intensas de alguma informação fidedigna e muita informação manipulada, seja por ignorância ou intenção deliberada.

«E depois?», questionava-me eu ontem. Assumindo a sua responsabilidade social, os psicólogos sugeriram, propuseram medidas, acções; filtros e aconselharam caminhos a seguir para respostas que se deseja encontrar.

Ora bem, alguém a coberto dum pseudónimo, deleitando-se narcisicamente com prosa barroca, zurziu, zurziu, zurziu... Não pense tal senhor, que não permite, no seu texto, comentário, resposta, contestação ou contraditório, que lhe vou dar aqui palco para espalhar as suas ideias.

Alardeando uma cultura clássica, com toques de competentes e abertos modernismos (faz questão de dizer que recorreu à Inteligência Artificial para isto e aquilo), é completamente oco e vazio na expressão da mais pequenina e insipiente alternativa construtiva que mostrasse as carradas de razão que se arroga e as estocadas mortais que desfere no "monstro" bi-, tri- ou quadricéfalo em que erige a Ordem dos Psicólogos e as suas sugestões.

Estou perante mais um daqueles comportamentos públicos, arrogantemente sábios e competentes, que pedem Tolerância e «Basta!, a tolerância tem limites!» Se o senhor pseudonimizado permitisse algum comentário, ter-lhe-ia simplesmente respondido: «Até o Sancho Pança mais niilista ter-se-ia sentido esmagado com tanta sebodoria.» Como já comentei com um amigo, «a sebodoria é a sabedoria duns sábios especiais. Num muito interessante livro sobre a União Europeia que acabei de lei há poucas semanas, a imagem de marca dessa sabedoria/sebodoria, que percorre toda a trama do muito interessante romance, é o porco.»

Não faço parte dos órgãos dirigentes da Ordem dos Psicólogos Portugueses, nem tenho procuração para nada. Fico muito satisfeito por ver que a OPP não se tranca nos gabinetes, repito, não foge à sua responsabilidade social. É insuficiente? Pode melhorar? Claro que sim, pode tornar-se mais suficiente; e pode melhorar.

Aqui estão os 3 documentos orientadores:

Vamos falar sobre Desinformação: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_vamosfalarsobredesinformacao.pdf

Estratégia de Combate à Desinformação: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_policybrief_estrategiadecombateadesinformacao.pdf

Documento de Apoio à prática sobre "Desinformação: Prevenção e Intervenção": https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_apoioapraticaprofissional.pdf

Contactos da Ordem dos Psicólogos Portugueses: https://www.ordemdospsicologos.pt/pt/contactos

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sábado, abril 05, 2025

#TOLERÂNCIA97- TOLERAR, SIM. E DEPOIS?

 #TOLERÂNCIA97- TOLERAR, SIM. E DEPOIS?

Não sei se é por estar a chegar a esse número redondo, o primeiro de 3 dígitos, o número 100... É bem capaz de ser.

É um número que, mesmo que não seja o primeiro a fazê-lo, parece reclamar um ponto de situação.E fazer um ponto de situação é dizer, entre outras coisas, que...

- devemos praticar a tolerância, mas nem tudo deve ser tolerado
- há uma tolerância natural no ser humano, mas a influência dos contextos sociais pode inibi-la ou anulá-la
- pode-se promover a aprendizagem da tolerância
- é importante promover também a aprendizagem dos limites da tolerância
- pode-se promover a aprendizagem da intolerância
- é importante promover também a aprendizagem dos limites da intolerância

Já em etapas anteriores desta viagem eu disse que não quero, nem devo, abordar ou discutir a Tolerância em abstracto ou no vazio, mas sim sempre dentro dum contexto, a propósito dum caso concreto.

Uma das questões que mais me tem desafiado a propósito da Tolerância é precisamente a que dá o título a este escrito: «Sim, tolero, mas depois? Depois, o que acontece? Mais importante ainda: Depois, o que é que faço?»

Hoje aconteceu-me receber mensagens no WhatsApp e ler 2 ou 3 'posts' do Facebook que tinham a

mesma característica: todos eram bons exemplos do caminho da chamada Lei de Murphy.

Sumariamente, a Lei de Murphy é um conceito não-científico, que resulta mais do conhecimento empírico, duma certa cultura feita mais de experiência pessoal do que investigação sociológica sistemática, que diz "Anything that can go wrong, will go wrong." (Tudo o que puder correr mal, acabará por correr mal.) A "lei", tanto quanto sei, foi popularizada na década de 1950, ficando associada a associada a Edward A. Murphy Jr., que era engenheiro aeroespacial e que trabalhava em projectos de testes de foguetes e sistemas de segurança para a Força Aérea dos EUA.

Eram assim essas mensagens e esses 'posts': repetiam mensagens e 'posts' anteriores, querendo, uns após os outros, mostrar, convencer, provar, que qualquer coisa não vai dar certo, vai mesmo correr mal, não havendo hipótese de que corra bem.

Perguntar-lhes se não querem pensar melhor, deixar explodir uma valente assopradela, deitar as mãos à cabeça, soltar um impropério, todas estas são formas de tentar a Tolerância, umas com mais componente agressiva, outras com menos.

Um exemplo: se eu penso que Zelensky tem culpa na invasão da Ucrânia pela Rússia, eu vou à procura de notícias que justifiquem esse meu ponto de vista e procurarei ir confirmando, com as notícias mais recentes, de que é assim que está a acontecer e é assim que vai acabar: Zelensky vai perder a guerra porque tem culpa dela.

Outro exemplo: se eu penso que a União Europeia está a ser mal liderada e está a tomar decisões erradas a propósito da guerra na Ucrânia, eu vou procurar as notícias que confirmam o meu ponto de vista e cada notícia nova que apareça vou ler e mandar aos amigos com quem habitualmente falo destes assuntos.

Tudo isto é muito humano, não são situações de excepção, são mesmo muito frequentes, e produzem-se tanto em relação aos acontecimentos mundiais (que nos ignoram) como em relação às coisas que acontecem com pessoas com quem contactamos diariamente; ou mesmo em relação a nós mesmos.

Às vezes, vem mesmo o desabafo do «Já não há pachorra!...», ou do «Fogo! Não aguento mais!» E desabafamos assim com os outros e connosco mesmos, não há diferença. O que é certo é que, em geral, vai havendo sempre mais um bocadinho de pachorra, a gente aguenta um pouquinho mais.

Em etapas anteriores, em estações por que já passámos, dei dicas e sugestões acerca da maneira como podemos lidar com certezas, teimosias, crenças de radicais raízes. Em geral, valem o mesmo para estes casos que parecem dominados por esta Lei (ou princípio) de Murphy.

Também podia ter invocado as chamadas profecias de auto-realização, de que, se calhar, falarei mais especificamente noutra altura. O que me parece que é preciso — É o "E depois?" do título — é não nos deixarmos resvalar para a vertigem do que já não pode deixar de acontecer, já não pode deixar de ser assim. É quase como saltarmos para a água para socorrer alguém que está em risco de se afogar e acabarmos por nos afogar com essa pessoa.

Parece-me que, enquanto os assunto forem o da guerra da Ucrânia e o da consistência da União Europeia, desde que o nosso interlocutor apanhado nas malhas da Lei de Murphy mantenha boa lucidez mental e boa gestão da sua vida diária,podemos continuar a tolerar as suas perspectivas.

Já no caso de se tratar de questões que envolvem pessoas do círculo de relações pessoais directas e regulares, aí deveremos passar da Tolerância à acção. Da Tolerância à acção, eu não disse da Tolerância à Intolerância. Nestes casos, a intolerância pode não ajudar à mudança de pensamento e à mudança de comportamento. A acção pede, antes de mais, estratégias pedagógicas para a Tolerância aos erros e às convicções radicais. Noutro escrito falarei de algumas delas, certamente as mais básicas, as que estão ao alcance de todos.

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sexta-feira, abril 04, 2025

TOLERÂNCIA96 – TOLERÂNCIA E AUTORIDADE

 TOLERÂNCIA96 – TOLERÂNCIA E AUTORIDADE

Volta e meia vem-me à cabeça o pensamento de que os jovens não querem sentir as amarras da autoridade, mas, ao mesmo tempo, os jovens desejam a segurança e a estabilidade da autoridade.

Atrelado a este pensamento vem logo a questão da autoridade e do autoritarismo.

Na esfera da Política — e se calhar porque vêm aí mais umas eleições, eleições em que cada vez mais jovens votam (pelo menos têm idade para votar) e cada vez menos velhos votam —, a questão da autoridade e do autoritarismo tem a ver com a ascensão dos partidos extremistas, sobretudo os de extrema-direita.

No dossier « D'où vient le désir d'autorité ? » (Donde vem o desejo de autoridade?), da revista Sciences Humanies », publicado em 20 de Fevereiro de 2025, vem publicado um artigo, “L'autorité, pourquoi en vouloir plus ?” (Porque se deseja mais autoridade?), sendo o texto da autoria de Nicolas Journet, e do qual destaco o seguinte:

[…] Cansaço democrático (Prefiro traduzir por Lassidão democrática)

No entanto, seria errado interpretar qualquer exigência de autoridade como inspirada por um sentimento de insegurança ou de perda de identidade. O apagamento da autoridade sagrada pela modernidade significa que a vida em comum já não pode ser considerada um dado adquirido. Livres e iguais perante a lei, os indivíduos têm de negociar constantemente acordos, obter o consentimento dos outros e argumentar para o fazer. Mas a autoridade, tal como Hannah Arendt a entende, não tem de ser argumentada, não tem de convencer. Tal como o uso da força, a obrigação de se justificar significaria o fracasso. Neste sentido, a autoridade pura, segundo a filósofa, não se coaduna com as formas liberais de governação, que exigem que o poder se explique, argumente, negoceie e, eventualmente, persuada. É por isso que o autoritarismo, ao contrário da autoridade, se opõe muitas vezes à democracia.

O funcionamento das instituições políticas democráticas também pode conduzir a bloqueios: a ausência de maioria e o impasse das negociações, a insatisfação económica e os conflitos sociais repetidos são motivos de exigência de uma gestão autoritária dos assuntos públicos. Várias sondagens de opinião realizadas em França nos últimos vinte anos mostram que a opinião pública, nomeadamente entre os jovens, é cada vez mais tolerante em relação a formas de governo autoritárias. Em 2000, 63% deles diziam-se atraídos pela figura do “líder sem contra-poder”, sem especificar de que tipo. Esta “cesarização” da autoridade governativa não põe directamente em causa a escolha popular, mas o princípio da independência dos poderes executivo, legislativo e judicial: a autoridade do Chefe de Estado subordina-se à do legislador e à do juiz. Paradoxalmente, esta forma de governação acomodaria os procedimentos democráticos directos. No entanto, quer lhes chamemos “iliberais” ou “democraturas”, os regimes conformes a este modelo observados na Hungria ou na Eslováquia não passam sem reduzir as liberdades públicas: liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, etc., porque a preocupação é reduzir outros poderes: os meios de comunicação social, os partidos políticos, os organismos intermediários.

Por outro lado, não se inspiram necessariamente na tradição ou na restauração de uma ordem perdida. Uma análise do investigador Simon Guillouet sobre a situação da opinião pública francesa em 2023 revelou uma tendência, ainda que minoritária, a favor deste estilo de governo. O autor conclui que existe uma procura de eficácia: um francês em cada cinco estaria disposto a aceitar um regime menos liberal, desde que este fosse capaz de “resolver os problemas” que as instituições actuais se mostraram incapazes de resolver. Se os regimes autocráticos são também designados por autoritários, não é propriamente em nome de um valor transcendente, mas porque estão dispostos a limitar o espaço de discussão. Trata-se de uma faca de dois gumes, se quem a reclama se arrisca a ser silenciado.(1)

Não sei se teria sido necessário fazer tão extensa transcrição para chegar ao ponto a que quero chegar: a de estarmos perante um tipo de Tolerância a que chamarei tolerância-desistência.

É como se dominasse a consciência duma exaustão e, ao mesmo tempo, duma falta de perspectiva de saída, de boa saída. Quem sabe, é precisamente a essa consciência que os senhores dos poderes políticos, económicos e financeiros querem levar as populações dos países.

Mais que nunca, na escola o contacto com alunos que não são simplesmente os que frequentam a disciplina de Psicologia tem sido especialmente frequente e intenso. Até ao 9.º ano, são alunos que me vêm fazer inquéritos e pedidos de ajuda para os seus trabalhos — são jovens que se entusiasmam com duas ou três coisas que a gente lhes diga e sugira, eles querem passar logo à acção! A partir do 10.º ano, a mundividência torna-se outra, mais calculista, o entusiasmo modifica-se, envolve-se de ambição e sucesso: sucesso académico, sucesso desportivo; e desperta a ambição política.

Vulgarizou-se a exortação dos jovens: «Não desistas dos teus sonhos!», mas elas não matam, mas moem, e vemos, aos poucos, os jovens a resvalarem para essa tal tolerância-desistência. O que fazer?

Fará sentido uma pedagogia do «Não desistas dos teus sonhos!»? Penso que sim. E penso que um dos ingredientes preciosos dessa pedagogia é o lema do «Tu não estás sozinho.»

Todos os outros poderão desistir, mas a Pedagogia e a Educação não! Não lhes falte a tenacidade, a resistência, o coração de maratonista — que não corre sozinho, mas em equipa. Dentro daquela ideia de que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança.

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(1) Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

quinta-feira, abril 03, 2025

#TOLERÂNCIA95 – A BIOLOGIA DA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA95 – A BIOLOGIA DA TOLERÂNCIA

Já quase não cabem no Facebook, transbordam-no, os pequenos vídeos, amadores, de gentes que participam em safaris de faunas africanas e sul-americanas abundantes.

Hoje, à hora do pequeno-almoço, vi dois. Deixaram-me a pensar.

Um deles era sobre as capivaras, apresentado como animal bastante sociável e tolerante que quase não dá para acreditar. O outro era sobre a tentativa dum leão caçar um búfalo africano: quase oito minutos de luta, desta vez ganhou o búfalo, o leão parece, mesmo no fim, que, ofegando já sem forças, se ajeita na posição de deitado para morrer, seria o seu derradeiro aconchego.

Em relação às capivaras, interrogo-me se se trata dum traço de personalidade — qualquer coisa à

semelhança do que se diz dos bonobos que, sendo praticamente indistinguíveis dos chimpanzés, tenderão a resolver os conflitos entre si ao jeito do “make love, not war”, ao passo que os chimpanzés tenderão a ser mais ao contrário, ou seja, mais do tipo “make war, not love” —, ou uma estratégia evolutiva, em que as boas relações sociais, eventualmente mutualistas, são mais vantajosas à sobrevivência do que as relações de competição, disputa e agressão.

No vídeo do leão e do búfalo, o que me impressionou especialmente foi o búfalo: já o leão não se conseguia levantar, o búfalo ficou ali parado, de frente para o leão. Não se afastou, não desferiu qualquer investida final sobre o leão (um ser humano não se teria ficado assim, a raiva certamente pediria expansão violenta sobre o atacante assassino), havia no comportamento do búfalo que me fazia pensar na Tolerância. Era como se o búfalo assumisse a consciência (Cá está o antropomorfismo…) de que tinha de estar disponível para aquela luta de sobrevivência até ao fim porque é assim que a Natureza manda, tanto aos leões como aos búfalos, aos predadores e às presas.

O mito bíblico do Jardim do Éden (bem como espaços artificiais de vida selvagem actuais) mostra que a abundância de recursos alimentares elimina a competição, a luta pela sobrevivência. A realidade da escassez desses recursos (e de outros, por exemplo, espaços de habitats para as populações animais permanecerem e se deslocarem) faz aumentar a disputa e a competição. A abundância é amiga da Tolerância, a escassez não é.

É com alguma ligeireza que penso que possa haver qualquer coisa “tele”, que esteja nos contextos de vida que sabiamente avise que a tolerância entre as espécies e a tolerância nos comportamentos é amiga da poupança dos recursos de vida disponíveis, ganhando todos com a Tolerância recíproca que mostrarem.

Nas sociedades humanas, nelas vale o ditado que diz que “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

Ora, se a Tolerância tem raízes biológicas, é à Política que cabe a responsabilidade de gerir, negociar, adaptar, distribuir entre diferentes, entre contrários, entre opositores, entre rivais, entre competidores, de modo a que se faça a distribuição justa, equilibrada e equitativa dos recursos necessários a satisfatória subsistência dos grupos e das sociedades humanas.

Neste modo de ver, o que cabe então à Pedagogia e à Educação? Mais do que falar, é fazer a experiência da cooperação, da interajuda, do mutualismo; da gestão de recursos limitados; da Tolerância da espera, do possível e das diferenças das necessidades duns e outros. Mostrar, através de jogos e projectos concretos, que a parcimónia, a moderação são opções que satisfazem mais membros dos grupos.

Num ‘site’ de notícias da BBC em português, leio que o notável Presidente do Uruguai, José Mujica um dia disse assim: «Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.» É o desafio da sobriedade como maneira de vencer o aparentemente insolúvel dilema dos ricos e pobres: os pobres que querem ser ricos e os ricos que não querem ser pobres. A solução pode estar mesmo na aprendizagem e aceitação da sobriedade.

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quarta-feira, abril 02, 2025

#TOLERÂNCIA94 - A GRATIDÃO É COISA DIFÍCIL?

 #TOLERÂNCIA94 - A GRATIDÃO É COISA DIFÍCIL?

Esta fase do ano escolar é-me sempre especialmente intensa por causa da entrega das versões finais dos Trabalhos Monográficos dos alunos.

São trabalhos que os alunos vão desenvolvendo ao longo do ano lectivo, e cuja essência é a do contacto pessoal, directo, com uma pessoa que é, seja porque razão for, objecto dum respeito, fascínio, admiração ou afectividade especial. A grande maioria das pessoas escolhidas são os avós e as avós. Como eu digo e redigo, citando o autor ou um dos seus mil e um ecos, «Aprende-se mais a ler num homem do que em dez livros.»

Os trabalhos são também oportunidade para o amadurecimento pessoal e social. Eu não dou aulas sobre

a Psicologia das Relações Pessoais, eu procuro que cada tarefa escolar, cada dinâmica de sala de aula, seja uma oportunidade de educação e aprendizagem das relações pessoais, vividas momento a momento, tarefa a tarefa, reflexão a reflexão, avaliação a avaliação.

Mais uma vez tive muitos trabalhos (a grande maioria) ricos de dedicação, empenhamento pessoal; de descobertas humanas, não apenas por causa de tanta coisa que os alunos ficaram a saber, por exemplo, dos seus avós, mas também por causa do que descobriram acerca de si mesmos.

Há trabalhos tão carregados de afectividade positiva, muito carinhosa; e de tão grande cuidado na sua apresentação, que, depois de os lermos, estranhamos que não haja uma única palavra de agradecimento aos avós e às outras pessoas que colaboraram na realização dos trabalhos. Sim, na maioria dos trabalhos, nem uma vez aparece a frase duma palavra só: «Obrigado!»

Há uma manifesta, e muito generalizada, ausência da expressão da gratidão. Não bastam os mimos, os abraços, as juras de «Gosto muito de ti, avó!», é preciso ser-se capaz de expressar gratidão com as palavras, usando a fala. A fala compromete o falante, muito mais do que o silêncio, que em si é de ouro. É por terem clara noção do compromisso que a palavra falada contém, que os Chefes da Igreja Católica há muitos séculos criaram a figura da designação de novos cardeais com a forma (ou modalidade) "In pectore": a palavra falada tem riscos, repito, compromete.

Ora se a falta de expressão da gratidão nos adultos é censurável, nas crianças e nos jovens ela deve ser tolerada. Tolerada porque se assume que as crianças e os jovens podem afirmar na primeira pessoa, como um dia cantou António Aleixo: «Não sou esperto nem bruto / Nem bem nem mal-educado / Sou simplesmente o produto / Do meio em que fui criado.»

A indiferença e a falta de gratidão entre os jovens — seja para com familiares, professores ou amigos — muitas vezes não são fruto de maldade, mas são resultado da falta ou do excesso de algumas coisas. Há quem diga que a gratidão não é inata, mas que se adquire, treina-se cresce com a experiência e a aprendizagem. Eu não penso exactamente assim: eu acredito na educação, no treino e na aprendizagem, mas a observação dos bebés e das crianças pequenas tantas vezes nos mostram o prazer que as crianças têm em expressar contentamento e gratidão. Só que depois... desaprendem! Alguma coisa ou alguém as deseduca.

A frase seguinte não é minha, apanhei-a por aí, algures: «Tolerância não é concordar, é respeitar. Gratidão não é obrigação, é reconhecimento.»

A Educação tem de saber promover e ensinar a Tolerância. A Educação tem de saber ensinar que a gratidão não é obrigação, é reconhecimento.

A primeira condição da Educação da Gratidão é a existência (desejadamente abundante) de modelos que se aprendem por mecanismos de imitação e modelagem dos mais velhos.

Esquematizando:

— o seu humano nasce com a capacidade / competência / dom / motivação (seja como seja) de agradecer.
— algures no seu desenvolvimento pessoal, a criança afasta-se, é levada a afastar-se, da sua natureza sócio-afectiva.
— em qualquer altura, pode-se promover a educação da Gratidão nas crianças e nos jovens.
— o principal ingrediente da expressão da gratidão é o exemplo (ou o modelo) dos mais velhos.

Assim, aceite-se e pratique-se a Tolerância da ingratidão dos mais novos. Aceite-se na condição dum projecto de educação pessoal e social sustentado, sem pressas e que não se centre no aprofundamento do sentimento de culpa.

Cada um dos elementos do esquema anterior pede, nesta viagem, o seu próprio desenvolvimento. A eles iremos em próximas jornadas.

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terça-feira, abril 01, 2025

#TOLERÂNCIA93 - NÓS E O SOFRIMENTO DOS OUTROS

 #TOLERÂNCIA93 - NÓS E O SOFRIMENTO DOS OUTROS

Nem sempre nos é fácil tolerar o sofrimento dos outros. Não sei mesmo até que ponto estamos a tornar-nos cada vez mais intolerantes.

O sofrimento dos outros obriga-nos a parar quando queríamos continuar a andar, sem interrupções. Ou obriga-nos a dar atenção a uma coisa quando não queríamos desviar a atenção da outra coisa em que estávamos focados. Ou obriga-nos a fazer uma coisa quando não queríamos interromper a outra que estávamos a fazer. Ou... ou... ou...

O sofrimento do Outro gera desconforto em que está ali ao lado. Os psicólogos dirão que o sofrimento expressa vulnerabilidade pessoal, e na vulnerabilidade do Outro a gente espelha a expectativa da nossa. Curiosamente, a fonte que gera o nosso desconforto é a mesma que gera o impulso para ajudarmos o Outro que sofre: é a empatia.

Perante a reacção empática, pode acontecer-nos duas coisas: aproximamo-nos ou fugimos. Na verdade, a empatia pede esforço e envolvimento, e nem sempre estamos disponíveis, seja para nos esforçarmos, seja para nos envolvermos.

Este tema pede profundo e delicado desenvolvimento. É tempo de que agora não disponho.

Só mesmo uma ou duas coisas mais por agora:

Há quem diga que a Tolerância ao sofrimento do Outro (não digo Alheio porque dizer alheio refere-se mais a quem está distante, é falar de maneira despersonalizada; o Outro é o Outrem de antigamente, é alguém que está ali ao pé de nós) é um acto de coragem. Sim, concordo, não deixa de requerer alguma coragem: temos de descentrar-nos de nós mesmos, temos de aceitar ver e ouvir; ser conduzidos em vez de conduzirmos; temos de aceitar agir em vez de nos mantermos passivos, como se vulgarizou dizer, sem sairmos da nossa zona de conforto.

Também há quem diga que a resistência ou incapacidade de tolerar o sofrimento do Outro é, em última instância, a negação da própria humanidade, da nossa própria humanidade.

Hoje entrei no Metro, ocupei o lugar que gosto de encontrar disponível (a porta do outro lado da

carruagem, numa das pontas). Atrás de mim, sem que eu me tivesse dado conta dele antes, entrou um sujeito de que me dei conta porque se sentou no chão, ali perto de mim, na outra ponta da porta em que eu ia encostado. Olhei para ele, estava cheio de feridas e pústulas na cara e nas mãos.

Dei-me conta que desejei que o cheiro do homem não chegasse a mim; e menos ainda que ele me abordasse, fosse de que maneira fosse. Eu, que já de ia de livro na mão, pequei na leitura, e dei-me conta de pensar que não queria ser interrompido na leitura por aquele homem. E já vinha a descomprimir das tarefas da escola, que me tinham sido exigentes de atenção e comunicação verbal.

Depois da minha reacção impulsiva, aos poucos fui sendo invadido por um sentimento de serenidade. Tomei consciência de que se aquele homem, com ar de Job, me abordasse eu não o renegaria, fecharia o livro e dar-lhe-ia atenção; se tivesse de tocá-lo (por exemplo, se ele me pedisse ajuda para o levantar) eu fá-lo-ia.

O senhor — Será que não seria mesmo o Job da Bíblia? —, quando a composição pára na estação da Bela Vista, levanta-se e sai. Não sei se deu conta da minha existência, eu dei-me conta da dele. Ele foi haver-se com o seu sofrimento, certamente não tem em espaço mental disponível para olhar as pessoas à sua volta: é ele, o seu sofrimento, ele faz o que pode para se sentir bem, como eu faço também o que posso para me sentir bem.

A proximidade àquele Job do século XXI fez-me sentir bem, gostei de tido aquela experiência de humanidade, da minha humanidade. Tolerei o sofrimento do Outro (ou deveria ter dito que tolerei a ameaça do sofrimento do Outro?) e tolerei a minha própria reacção impulsiva.

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