terça-feira, abril 01, 2025

#TOLERÂNCIA93 - NÓS E O SOFRIMENTO DOS OUTROS

 #TOLERÂNCIA93 - NÓS E O SOFRIMENTO DOS OUTROS

Nem sempre nos é fácil tolerar o sofrimento dos outros. Não sei mesmo até que ponto estamos a tornar-nos cada vez mais intolerantes.

O sofrimento dos outros obriga-nos a parar quando queríamos continuar a andar, sem interrupções. Ou obriga-nos a dar atenção a uma coisa quando não queríamos desviar a atenção da outra coisa em que estávamos focados. Ou obriga-nos a fazer uma coisa quando não queríamos interromper a outra que estávamos a fazer. Ou... ou... ou...

O sofrimento do Outro gera desconforto em que está ali ao lado. Os psicólogos dirão que o sofrimento expressa vulnerabilidade pessoal, e na vulnerabilidade do Outro a gente espelha a expectativa da nossa. Curiosamente, a fonte que gera o nosso desconforto é a mesma que gera o impulso para ajudarmos o Outro que sofre: é a empatia.

Perante a reacção empática, pode acontecer-nos duas coisas: aproximamo-nos ou fugimos. Na verdade, a empatia pede esforço e envolvimento, e nem sempre estamos disponíveis, seja para nos esforçarmos, seja para nos envolvermos.

Este tema pede profundo e delicado desenvolvimento. É tempo de que agora não disponho.

Só mesmo uma ou duas coisas mais por agora:

Há quem diga que a Tolerância ao sofrimento do Outro (não digo Alheio porque dizer alheio refere-se mais a quem está distante, é falar de maneira despersonalizada; o Outro é o Outrem de antigamente, é alguém que está ali ao pé de nós) é um acto de coragem. Sim, concordo, não deixa de requerer alguma coragem: temos de descentrar-nos de nós mesmos, temos de aceitar ver e ouvir; ser conduzidos em vez de conduzirmos; temos de aceitar agir em vez de nos mantermos passivos, como se vulgarizou dizer, sem sairmos da nossa zona de conforto.

Também há quem diga que a resistência ou incapacidade de tolerar o sofrimento do Outro é, em última instância, a negação da própria humanidade, da nossa própria humanidade.

Hoje entrei no Metro, ocupei o lugar que gosto de encontrar disponível (a porta do outro lado da

carruagem, numa das pontas). Atrás de mim, sem que eu me tivesse dado conta dele antes, entrou um sujeito de que me dei conta porque se sentou no chão, ali perto de mim, na outra ponta da porta em que eu ia encostado. Olhei para ele, estava cheio de feridas e pústulas na cara e nas mãos.

Dei-me conta que desejei que o cheiro do homem não chegasse a mim; e menos ainda que ele me abordasse, fosse de que maneira fosse. Eu, que já de ia de livro na mão, pequei na leitura, e dei-me conta de pensar que não queria ser interrompido na leitura por aquele homem. E já vinha a descomprimir das tarefas da escola, que me tinham sido exigentes de atenção e comunicação verbal.

Depois da minha reacção impulsiva, aos poucos fui sendo invadido por um sentimento de serenidade. Tomei consciência de que se aquele homem, com ar de Job, me abordasse eu não o renegaria, fecharia o livro e dar-lhe-ia atenção; se tivesse de tocá-lo (por exemplo, se ele me pedisse ajuda para o levantar) eu fá-lo-ia.

O senhor — Será que não seria mesmo o Job da Bíblia? —, quando a composição pára na estação da Bela Vista, levanta-se e sai. Não sei se deu conta da minha existência, eu dei-me conta da dele. Ele foi haver-se com o seu sofrimento, certamente não tem em espaço mental disponível para olhar as pessoas à sua volta: é ele, o seu sofrimento, ele faz o que pode para se sentir bem, como eu faço também o que posso para me sentir bem.

A proximidade àquele Job do século XXI fez-me sentir bem, gostei de tido aquela experiência de humanidade, da minha humanidade. Tolerei o sofrimento do Outro (ou deveria ter dito que tolerei a ameaça do sofrimento do Outro?) e tolerei a minha própria reacção impulsiva.

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