sexta-feira, junho 25, 2021

NASCER-DO-SOL: DORMIR E ACORDAR, O CORPO E A ALMA

 DORMIR E ACORDAR, O CORPO E A ALMA


Não sei se sabes, o famoso antropólogo George Frazer escreveu que entre os povos primitivos, em geral, havia a crença de que não se devia acordar quem estivesse a dormir, porque pensavam que, durante o sono, a alma saía do corpo e, forçando o despertar, pudesse não ter tempo de voltar ao corpo. Se isso acontecesse, a pessoa acordada ficaria sem alma e cairia doente.

Mesmo que a crença esteja errada, o que é curioso é que os modernos cientistas do sono dizem a mesma coisa: o despertar do sono deve ser sempre natural, espontâneo. Forçar repetidamente o acordar não é nada amigo da saúde.

É por isso, Fernandinho, que eu tento aparecer sempre de mansinho...

quinta-feira, junho 24, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 3

 OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 3


Vou ralhar com eles?... Vou dar-lhes os parabéns?...

Voltei onde vou de tempos a tempos comer à pressa. Consolava-me a ideia de ir pedir outra vez o gelado de baunilha com cobertura de caramelo e pedaços de amêndoa. Esta semana ainda não comi doce nenhum, ora, seria o pecado da gula da semana.

O atendimento foi mais lesto que o costume. Daria tempo para comer devagar. Praticamente à minha frente, o meio da sala a separar-nos, na mesa redonda cercada por um separador específico, um aglomerado de gente jovem. Contei 3 raparigas e 6 rapazes, numa mesa destinada a 4 pessoas. Rapaziada de 10.º ano, certamente.

9 jovens, bem juntinhos num espaço duplamente fechado: o interior da sala e a cerca alta da própria mesa.

Pensei em ir falar com eles, hesitei porque não queria ralhar com eles, não queria sequer admoestá-los, pensava como poderia falar-lhes ganhando-os para os bons cuidados sanitários — a situação com a covid-19 está tão difícil em Lisboa! Também não queria ouvir deles uma resposta torta, não sei como reagiria depois.

Cheguei finalmente a uma formulação que me pareceu cheia de possibilidades de sucesso. Mais ou menos assim: «Tenho estado ali a olhar para vocês, entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa que vocês são todos muito amigos uns dos outros, era bom que muita gente fosse assim como vocês. Agora, não sei se têm a noção de que o que noutras alturas seria um convívio de amigos exemplar, agora é um convívio de amigos perigoso, e os amigos nunca são perigosos para os amigos. Reparem como vocês estão: todos sem máscara, num dos dias mais perigosos da covid-19 em Lisboa, num espaço pequenino, muito fechado e, reparem, todos vocês a respirarem e a falarem para o mesmo ponto, o centro da mesa. À vossa volta, está tudo fechado, o ar sobe e, como não sai, não se espalha e volta a descer, para o meio de vocês, e vocês continuam a respirar e a falar alegremente uns com os outros. Se um de vocês está positivo, naturalmente, sem o saber, o risco para os outros amigos todos é enorme, é um risco grande, grande, grande. Que pena não poderem estar aqui completamente à vossa vontade!...»

Repeti para mim o cordial aviso, a convencer-me que era mesmo só aviso e que era mesmo cordial. A repetição foi fatal, eles começaram a levantar-se com os tabuleiros nas mãos. Confesso que também senti algum alívio.

Em dirigindo-se para fora do estabelecimento, dividiram-se em dois grupos pequenos, um saiu por uma das portas, o outro pela outra. 2 rapazes colocaram logo a máscara sanitária, bem colocada; outros 2 colocaram-na a tapar apenas a boca; as 3 raparigas tinham as máscaras no pescoço e assim as deixaram ficar; 1 rapaz levava a máscara na mão e o último nem isso. Digo último porque ficou mais para trás, era nítido que procurava uma superfície espelhada onde pudesse ver se estava bem penteado ou não e, sem a ver, enfiando os dedos no cabelo, desenrascou-se como pôde.

Foram para a esplanada. Agora eu já tinha de virar claramente a cara para a minha direita para continuar a vê-los e eu queria mesmo ver o comportamento espontâneo de todos eles. Tentaram fazer uma ‘selfie’ de grupo, mas pareceu-me que a coisa não correu bem - só os tais 2 de máscara bem colocada.

Continuam os 9 juntos. Agora estão 4 rapazes com a máscara bem posta; as 3 raparigas continuam com as máscaras no pescoço. O rapaz vaidoso do cabelo agora já tem uma máscara na mão e acaba por colocá-la correctamente; está só 1 rapaz com a máscara abaixo do nariz, boca tapada.

As 3 raparigas afastam-se, depois afastam-se 2 rapazes. Ficam os 4 que primeiro colocaram bem a máscara, a conversarem uns com os outros. Continuo a pensar que teria sido bom falar com eles.

Saboreio agora o gelado. Entra outro grupo de jovens, dois ou três anos mais velhos que os da mesa redonda. Conto-os: são 4… 5; não, outros há que entraram pela segunda porta, no total ficam 8, 3 raparigas e 5 rapazes. Apuro o ouvido, não percebo o que dizem… Ah, pois claro, falam estrangeiro, inglês, entre eles.

Dos 5 rapazes, um é chinoca, o outro é bem pretinho e outro parece um loiro do Leste europeu. Todos de máscaras muito bem postas. Conversam entre eles, vão para os ecrãs de pedidos, nenhum mexe na máscara.

Estão finalmente os 8 sentados, na mesa mais larga e mais ao centro da sala, lugar facilmente arejável. Nenhum tira a máscara e continuam a conversar entre eles em inglês.

Só quando os tabuleiros da comida chegam eles tiram as máscaras.

Eu, que estava a comer o gelado lentamente, apressei-me. Não, desta vez não queria falhar a oportunidade, nem sequer antecipei o bom discurso.

Cheguei-me a eles, perguntei-lhes se algum falava português e que grupo era aquele. Respondem-me 2 ou 3, dizem falar português. 2 calam-se para que se ouça o outro, certamente o líder do grupo: «Somos amigos, só isso, combinámos encontrar-nos aqui hoje, olhe, eu, por exemplo, sou de Almada e vim aqui só para me encontrar com estes meus amigos.»

Não quis perguntar mais nada, todos eles se tinham calado para me ouvir. Dei-lhes os parabéns, disse-lhes que os tinha visto entrar e que que apreciei muito o cuidado de todos no uso da máscara, eram um bom exemplo para toda a gente. Desejei-lhes bom almoço, repeti os parabéns, desejei-lhes um bom convívio, boa sorte e muita saúde.

Até o tal que me parecia do Leste, de hambúrguer parado entre o tabuleiro e a boca fez questão de me agradecer num português de estrangeiro, alto, para ter a certeza de que eu o ouvira. Fui-me embora, ia satisfeito. 

quarta-feira, junho 23, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 2

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 2

Os tipos de amor: benevolente, por dever e sufocante.

Falando com uma colega ao telefone, soube que há poucos dias, num conselho de turma, uma professora propôs que fosse indicado para o Quadro de Valor da escola um aluno que, no seu entender, mostrava mérito para tal.

O Quadro de Valor, nas escolas do ensino público, reconhece os alunos que, individualmente, revelaram atitudes de superação de dificuldades, tomaram iniciativas ou realizaram acções exemplares na escola ou na comunidade, ou se destacaram como representantes dos alunos pelo seu sentido de dever, responsabilidade, justiça e equidade… e por aí adiante, revelando comportamentos/desempenhos exemplares unanimemente reconhecidos por todos."

Dizia a minha colega que, ao longo dos 2 anos em que tinha sido professora de Cidadania e Desenvolvimento, pudera observar as permanentes iniciativas de um dos seus alunos no sentido de ajudar, não apenas um colega com diagnóstico de perturbação psicológica, mas também outros colegas, em quaisquer circunstância das aulas ou do convívio informal na escola, sobretudo se estava em causa a expressão de intranquilidade pessoal, insegurança ou alguma ansiedade disruptiva. O rapazinho sempre agia com muita paciência, tolerância, cordialidade e carinho. O seu sorriso e a calma na voz tinham efeito apaziguador imediato, disse-me a minha colega. Nunca, em caso algum, o rapazinho agiu com força física ou voz autoritária.

Ora, a generalidade dos colegas (um ou outro, não) comentou no sentido do que a tradicional ambiência judaico-cristã ou católica-apostólica-romana nos põe a dizer: o aluno não fez mais do que a sua obrigação.

Penso que este é um bom exemplo do amor por dever, segundo as categorias de June Bingham. É, diz-me a minha percepção profissional, o tipo de amor ainda dominante nos professores.

Quanto aos pais, penso que se se repartem mais igualitariamente pelas 3 categorias, e tenho a percepção de que nos casais jovens cresce — ainda bem! — o número de pais de amor benevolente (muitas vezes em reacção ao amor por eles mesmos recebido enquanto filhos).

Mas também parece crescer o número de pais que não entram nestas 3 categorias, simplesmente porque, de todo, não amam: é o desamor, é a rejeição, é a indiferença.(1)

Imaginamos escolas para o século XXI, deleitamo-nos com as maravilhas dos recursos digitais e fabricamos maravilhosos projectos de aprendizagem mista (presencial e à distância); e estamos cada vez mais distantes das atitudes, dos comportamentos e das estratégias pedagógicas que alimentam a boa pessoa da criança e do jovem.

Noutros textos que tenho escrito tenho procurado dar exemplos de como pode ser tão fácil educar uma criança.

Muitos professores são lestos a marcarem faltas de castigo, a mandarem os alunos para fora da sala de aula e a levantarem processos disciplinares aos alunos; mas até os caracóis são mais rápidos que os professores a levantarem processos de louvor aos alunos.

O bem puxa o bem, o bom leva ao bom — é preciso que pais e professores não se esqueçam desta tão óbvia evidência. É sempre assim, claro que não é! Mas experimentemos todos a prodigalizar a palavra de louvor e o gesto de apreço aos nossos filhos e alunos que vamos todos ver se a estatística dá ou não dá razão e esta minha asserção.

Se a Escola e a Família marcam passo, o Desporto vai um pouco mais adiante: já há alguns anos, o Instituto Português do Desporto e da Juventude lançou a iniciativa do Cartão Branco, "um recurso pedagógico que visa enaltecer condutas eticamente corretas, praticadas por atletas, treinadores, dirigentes, público e outros agentes desportivos." Tem sido muito usado - sim, muito - sobretudo nas camadas mais jovens dos praticantes do desporto, seja individual ou colectivo; seja de entretenimento ou de competição.

Um forte abraço ao @João Capela!

(Espero vir a falar, sem que passe muito tempo, em amor e educação; amor benevolente; amor por dever; amor sufocante)
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(1) Como alguns de nós, psicólogos e educadores, temos dito, o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença, a indiferença afectiva.

A MORTE, A RAZÃO E O AMOR

 A MORTE, A RAZÃO E O AMOR

Fernandinho, hoje estou quase em êxtase místico... Esta noite deitei-me a ouvir um dos personagens de
Thomas Mann dizer:

«Quero ser bom. Não quero que a morte tome conta dos meus pensamentos! [...] O amor opõe-se à morte, só ele, e não a razão, é mais forte do que a morte. Só ele, e não a razão, pode resultar em pensamentos bons. [...] Se o homem quer cultivar a bondade, não pode permitir que a morte tome conta dos seus pensamentos.».

Perguntas-me se dormi bem... Olha, que nem o João do António Nobre: foi um regalo, senti-me o mais inocente de todos os que dormiam.

terça-feira, junho 22, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 1

 OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 1

Vamos desafiá-los, vamos deixar-nos desafiar por eles.

O primeiro passo da longa e muito necessária caminhada parece mais um provocador movimento de pés num ringue de boxe - mas não nos esquivemos a ele!

«É precisamente pelo que há de novo e revolucionário em cada criança que a educação deve ser conservadora; deve preservar essa novidade e introduzi-la como uma coisa nova em um mundo antigo, que, por mais revolucionárias que as suas ações podem ter sido, é sempre, do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e a chegar-se à destruição.»
Hannah Arendt, “The Crisis in Education”, 1954

Exactly for the sake of what is new and revolutionary in every child, education must be conservative; it must preserve this newness and introduce it as a new thing into an old world, which, however revolutionary its actions may be, is always, from the standpoint of the next generation, superannuated and close to destruction.

EINSTEIN E OS PRÉ-SOCRÁTICOS; E DEUS

 EINSTEIN E OS PRÉ-SOCRÁTICOS; E DEUS

Fernandinho, sabes que Einstein estava perto dos filósofos pré-socráticos de que tu falas tantas vezes aos teus alunos? Dizia ele: "Nenhuma ideia é concebida na nossa mente sem recurso aos nossos cinco sentidos". 

É por isso que abres sempre a janela para veres o nascer-do-sol, não é? Para veres, sentires, estares; e escutares os sons da manhã.

E sabes que Einstein escreveu aquilo para te dizer para não esperares por Deus mas para acreditares em ti e no que acontece no teu corpo e no teu pensamento? É como se Deus te dissesse: "Ouve-te a ti mesmo".

segunda-feira, junho 21, 2021

PODE SER TÃO FÁCIL EDUCAR UMA CRIANÇA... N.º 2

 PODE SER TÃO FÁCIL EDUCAR UMA CRIANÇA... N.º 2

Estou na esquina duma rua de passeio largo, bem largo. Espero por uma colega e amiga que me vai apanhar para um almoço em casa duma amiga comum. A esquina cruza uma avenida de intenso movimento automóvel com uma rua em que, nos cerca de 30 minutos que ali estive, o fluxo de veículos automóveis é o mais contrário possível ao da grande avenida: é praticamente nulo.

A certa altura, do lado da avenida grande, no passeio largo, bem largo, vejo vir na minha direcção uma
criança e a mãe. A mãe vem com um saco grande em cada mão, parecem pesados pela postura corporal da senhora. A criança traz um brinquedo na mão.

Quando passam por mim, a mãe vem à frente. Faz já a curva para a rua sem movimento automóvel quando a criança também passa atrás de mim. Precisamente nesta altura, a criança grita: «Ai o meu chapéu! Mãe!!!»

Volto-me para trás. A criança, uns 6 anos de idade, está parada, parece ter os pés colados ao chão. Em pose de estátua, olha a mãe. A mãe, quase reflexamente, diz para a criança: «Eu vou buscar.» Só depois olho na direcção em que a mãe, mesmo carregada, seguiu que nem bala.

Aparentemente, uma pequena rajada de vento tirara para fora da cabeça da criança um chapéu que já devia estar bem à beirinha de dali cair. O chapéu está ali perto da criança.

Olho em volta: o passeio é mesmo largo. Até aos carros há ainda uma bem recente faixa de bicicletas, bem sinalizada e bem delimitada. Não está mais ninguém por perto. Concluo que a situação não traz nenhum risco ou perigo para a criança.

Mas a mãe, pressurosa, já está a baixar-se para o chapéu, que jaz ali bem quietinho à espera de ser apanhado. Segura-o com dificuldade numa das mãos, que, repito, está já ocupada com um grande peso. A criança continua sem se mexer, segue o movimento da mãe com o olhar. Apercebe-se que a mãe se dirige a ela, estende a mão direita (que a esquerda guardava o brinquedo), mas não dá o mais leve passo em direcção à mãe.

«Toma lá — disse a mãe, quase sem olhar a criança, é que os sacos estariam mesmo a levar-lhe as forças todas  —, anda p’ó carro.» E a criança lá foi, andando muito lentamente, atrás da mãe.

Oportunidade perdida, pensei eu. Naquele contexto, teria sido fácil a mãe reagir assim ao grito de aflição da criança: «Vai apanhá-lo, ele não sai dali, não há perigo dos carros, não tenhas medo… Já está?... Boa! Assim é que é! Valente!»

É, valentes são as meninas e os meninos se os pais lhes dão oportunidade de porem em acção a sua valentia. Desta vez, a mãe não deu essa oportunidade; e o comportamento da criança mostrou-me que não foi a primeira vez que não recebeu da mãe a palavra e o estímulo de confiança que ela, criança, precisava — e gosta de receber.


domingo, junho 20, 2021

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ, FERNANDINHO

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ, FERNANDINHO

Já bufámos de perder a paciência com as gruas que não desgrudam dali. Mas, olha, se não fossem elas, agora não sabias onde me encontrares. Vá, vamos ao dia!

sábado, junho 19, 2021

FERNANDINHO, HOJE SINTO-ME ESPECIALMENTE INSPIRADO

 FERNANDINHO, HOJE SINTO-ME ESPECIALMENTE INSPIRADO

Por exemplo, hoje. Sabes o que me apetecia escrever se estivesse a ver o que tu estás a ver?...

Ora escuta: "Desafio pairando sobre o rio a ponte é uma miragem..."

Sou um grande inventista, não sou?

sexta-feira, junho 18, 2021

OS VERSOS QUE TE TROUXE DE ESPANHA

OS VERSOS QUE TE TROUXE DE ESPANHA

Chamei-te. Chamaste-me.
Brotámos como rios
Alçaram-se ao céu,
Misturados, os nomes.
Como vês, Fernandinho, de Espanha não é só aquela coisa do nem bom vento, nem bom casamento.

quinta-feira, junho 17, 2021

QUE PENSAS TU, FERNANDINHO, COM VISÃO TÃO SERENAMENTE ESTIMULANTE?

 QUE PENSAS TU, FERNANDINHO, COM VISÃO TÃO SERENAMENTE ESTIMULANTE?


Olha, deu-me para pensar na liberdade... Sabes, há um provérbio dos indígenas norte-americanos que diz assim (Deixa-me fazer livremente a tradução):

"A torrente, que se precipita sem parar, é mais livre que o rochedo por onde passa?"

Quase me apetece dizer à Fernando Pessoa: Pensar a liberdade é não vivê-la - mas não podemos deixar de pensar... ... ... Sabes, acho que os índios têm razão.

quarta-feira, junho 16, 2021

AS AULAS DE PSICOLOGIA, A EDUCAÇÃO, OS NETOS E OS AVÓS

 AS AULAS DE PSICOLOGIA, A EDUCAÇÃO, OS NETOS E OS AVÓS

A acabar as aulas, impressionante este testemunho de um muito querido aluno. É o último capítulo do seu trabalho monográfico de Psicologia.

Um precioso alerta para todos nós, para as relações humanas que cultivamos uns com os outros.

"Durante este trabalho, consegui aprender imensas coisas novas sobre o meu sujeito monográfico, sobre mim, e sobre as pessoas com quem vivi a minha vida toda. E essa foi a parte mais impressionante do trabalho todo. Por um lado, pode ser fascinante, mas, por outro, preocupante, no sentido em que precisei de compor um trabalho na escola para ficar a conhecer e a interessar-me pelas pessoas com quem me dou todos os dias.

Eu gosto de pensar que sou uma pessoa muito positiva e que não se preocupa com quase nada, porque eu não gosto de ficar horas a fio a pensar numa coisa estúpida que fiz há mais de 10 anos atrás.

E foi com esta mentalidade que comecei este trabalho monográfico, ia perguntando algumas histórias, mas não estava muito interessado em acabá-lo porque sabia que tinha um ano inteiro para o acabar. Foi durante uma história de quando o meu sujeito era pequeno e se tinha magoado muito a subir a uma árvore que me lembrei da minha avó materna. Por muito que a minha avó materna não interesse muito na história de vida do meu avô, influenciou-me muito enquanto autor e na maneira como acabei por realizar o trabalho.

A minha avó materna, desde que me lembro, sempre foi muito infantil e brincalhona e adorava-me porque eu era [uma pessoa] igualzinha a ela. Ela adorava os meus abraços. Todos os domingos tínhamos de ir a casa dela, que fica a uns 200 metros de nossa casa, para tratar da sua medicina e sempre achei uma seca. Afinal de contas, sempre tomei a minha avó como garantida, no sentido em que sempre estaria ali para brincar e rir-se das minhas piadas.

Quando começou a história da covid-19 e do confinamento, a minha avó continuava a mesma de sempre, sem perceber a situação em que estávamos. Pedia-me os meus abraços de sempre, mas eu, como tinha medo de a infetar, dizia para ela esperar até esta maluquice acalmar. Havia imensas coisas que, por muito más que fossem, me irritavam, como a relação difícil que tinha com a filha, a minha mãe, e da maneira como fazia infantilidades que não lembravam a ninguém.

Ela teve de ser operada ao estômago, antes da Covid, porque estava com problemas de saúde, e como a operação não correu muito bem então tiveram de agendar mais uma para outra vez. Infelizmente como os hospitais estavam muito ocupados com a Covid, porque estava na pior fase, estavam sempre a adiar quaisquer cirurgias ou problemas não relacionadas com a Covid.

Num dia como todos os outros, enquanto estava em casa do meu pai a jogar videojogos, recebo uma chamado do meu pai a avisar-me que a minha avó tinha falecido. Não me abalou muito ao início porque pensei que a morte era uma coisa inevitável.

Porém, depois quando a minha mãe me avisou que ela tinha morrido sozinha no seu apartamento, as memórias do quanto eu me podia ter dado melhor com ela, e que devia ter-lhe dado aqueles abraços, vieram. Decidi que não quereria cometer de novo este erro e que me iria esforçar mais para conhecer os meus avós paternos.

Foi uma parte muito importante enquanto trabalhava porque me lembrava que fazia o trabalho não só pela nota, mas também por mim.

Obrigado a todos os que participaram neste trabalho de alguma forma."

sábado, junho 05, 2021

À VOLTA DOS AFECTOS: MULHERES E CADELINHAS; LIVROS E AMIZADES

 À VOLTA DOS AFECTOS: MULHERES E CADELINHAS; LIVROS E AMIZADES


Decido, por impulso, fazer um 'raid' aos alfarrabistas de livros da Baixa.

À hora do café da meia-manhã, entro num pequenino estabelecimento. À minha esquerda, apoiando-se no balcão, um cliente saboreia a imperial atravessada, não sei se seria a primeira.

À porta eu desviara-me dum pequeno cão, peludo de preto e branco. Recebo o café e, enquanto lhe dou as mexidelas automáticas com a colher (não ponho açúcar no café), o cãozinho, de rabito a abanar, aproxima-se de mim, cheira-me o sapato, eu faço-lhe uma festa. O pequeno peludo abana mais a cauda, está a gostar das festas.

Olho o circunstancial parceiro de café, ele sorri-me e diz-me: «Ela é assim dada, gosta de festas.» Pronto, afinal, ele é ela. Ainda bem que não disse nada, não fosse ofender a feminina sensibilidade de quem tão alegremente se sacudira aos meus afagos.

A cadelita, ao ouvir a familiar voz, chega-se à perna do dono, que então se baixa para também lhe fazer festas. Fala com ela, diz coisas que eu não consigo apanhar: «Tu, logo... amanhã vais... na segunda ficas...» Bem, fiquei com a ideia de que iria mandar cortar o pêlo à cadela e pô-la com ar fresco e bonito, o Verão está a chegar.

Levanta-se e encosta-se de novo ao balcão, fala para o empregado, que é-lhe seguramente pessoa familiar. Ri-se e parece dizer um segredo ou fazer uma revelação: «Não tenho nada contra as mulheres, mas esta bate-as todas...» Ninguém comenta, numa espécie de diplomático "Quem cala consente"; e o dono da cadelita fica contente.

Por momentos tomo consciência do complexo mundo dos afectos: os afectos dos seres humanos entre si e os afectos dos seres humanos com os animais.

Já estou quase a entrar no primeiro alfarrabista, ali a começar a Calçada do Duque. Nem um minuto passara lá dentro e o livro que eu mais desejava encontrar, neste ou noutro alfarrabista, quase se escancara à minha frente: revisão de 1976 da tradução francesa de 1947 do original alemão de 1921 - é isso, exactamente de há 100 anos. 5 euros, só!

Saio para outras capelinhas, faço um círculo. Na última, saciada a fome de livros, chega-me a outra. O simpático alfarrabista aconselha-me as bifanas ali mesmo ao virar da esquina, na Rua do Duque. Acabo por preferir o prato do dia, os chocos à Lagareiro. Que boa opção fiz!

Confortado de ambas as fomes, já a descer as escadinhas ao pé da tasca da Ginginha, cruzo-me com a minha querida amiga Tânia. Não estivemos de modas: 3 valentes abraços, entre conversas de matar saudades e anunciar projectos. Sim, 3 abraços, três, os das contas que Deus fez; e a gente não sabe quando daremos o próximo, por isso, há que aproveitar.

Tânia, já tomei nota do dia de te desejar muita merda: 16 de Julho, certo? Beijinho grande! 

quarta-feira, junho 02, 2021

OUTRA FRASE DE EINSTEIN, É SOBRE O OLHAR

 OUTRA FRASE DE EINSTEIN, É SOBRE O OLHAR

mas esta é para os crescidos, que as crianças fazem isso sem serem mandadas:

«Olhem para a Natureza, e então irão compreendê-la melhor.»
E já sei o que estás a pensar, Fernandinho, ora escuta: "Sim, olhar primeiro; deixar que as sensações que o olhar traz se espalhem pelo corpo todo; esperar que o corpo crie sentimentos com as sensações; só depois, na consciência, pensar com palavras a partir dos sentimentos", não é?
Sabes, Einstein tem uma frase que sei que vais gostar muito, ele disse-a a um dos teus mestres da Psicologia, o Max Wertheimer, é assim: "Só muito raramente penso com palavras. Surge um pensamento e, posteriormente, talvez tente exprimi-lo por palavras".

A JUVENTUDE E A VELHICE, EINSTEIN E EU

 A JUVENTUDE E A VELHICE, EINSTEIN E EU

Concordo com Einstein em muitas coisas que ele diz. Nesta, na verdade, penso de maneira diferente, direi mesmo, completamente ao contrário.

Diz Einstein, numa carta que escreveu para a rainha Isabel da Bélgica em 3 de Janeiro de 1954. Tem ele 73 anos:

"Na juventude cada pessoa e cada acontecimento nos parecem únicos. Com a idade, tornamo-nos muito mais conscientes de que acontecimentos semelhantes se vão repetindo. Mais tarde, fica-se menos vezes contente e surpreendido, mas também menos desapontado."

Pois eu penso, mais, eu sinto-me bem diferente dele: com a idade tenho-me tornado cada vez mais fascinado com as pessoas, que me parecem cada vez mais diferentes umas das outras, e, em geral, com histórias pessoais riquíssimas que eu ganharia muito em conhecer.

São histórias que só estão à espera de quem as saiba ouvir ou de quem saiba despertar nos protagonistas a vontade de as contar. Valorizamos tão pouco as pessoas!... São tesouros tão preciosos!

E tanto me encanta a mundividência de uma criança de 8 anos, como a de um velho de 80.