Saí hoje para Abrantes, para um almoço de antigos alunos e professores da escola onde fiz o ensino preparatório e também o secundário.
Dos meus colegas de turma, apenas encontrei o Rui Coutinho, primeiro, e depois o António Neto. Claro que nos sentámos à mesma mesa e desfiámos lembranças de episódios que tivemos juntos na escola, perguntámos por colegas e professores. Pouco ou nada falámos de nós, agora, carecas ou de bigodes brancos. Dos tempos de agora, praticamente só falámos da caça do Rui e do Neto, entretenimento que descobrimos terem em comum, o Neto apresentando-se como caçador mais maduro (ou mais mentiroso, como se deve pensar sempre dos caçadores).
De volta a Lisboa, na viagem, revisitei o nosso encontro no extenso almoço, puxei ao pensamento as imagens que trouxemos uns aos outros. Afinal, imagens de gentes e acontecimentos que moldaram fortemente a pessoa que hoje sou.
Senti saudades dos cabelos loiros e encaracolados do Neto! O seu desaparecimento simbolizava, no instante em que o consciencializei, o irremediável da juventude que se perdeu para sempre. Mas senti que se poderia recuperar quase integralmente o "velho" Rui, assim a gente consiga fazer qualquer coisa com a grande barriga sedentária que ele deixou que o envolvesse. Quer dizer, simbolicamente também, afinal, de tudo o que se perdeu, coisas há que ainda se podem recuperar. E que terão eles pensado de mim?...
Cheguei a casa e, quando pude, fui ver o que tinha na minha caixa de correio electrónico. Lá estava um pequeno texto de Raúl Iturra, de homenagem a Paul Newman, que morreu hoje. Só por este texto o soube. Porque o Raúl o quis partilhar comigo.
Raúl Iturra fala dos personagens a que Newman deu corpo. Que marcaram… que o marcaram… que moldaram… que o moldaram… que simbolizaram e fixaram, pela própria ficção, comportamentos, gestos e pensamentos humanos.
Comparei os personagens de Iturra com os personagens (os meus antigos colegas de escola, e os professores) que desfilaram nos "filmes" que vi em retrospectiva quando voltava para Lisboa. O pequeno texto, escrito em inglês, se calhar, para que o próprio Paul Newman mais facilmente os possa ler e entender, fez-me tomar consciência da força que os personagens têm na formação das pessoas em que nos tornamos: se são reais (como os meus colegas de hoje), com eles construímos ficção que nos guia ou nos apazigua – ou que interrogamos; se são de ficção (como os homens virtuais de Newman), facilmente os deslocamos para as nossas realidades e os tornamos partes vitais das acções e dos comportamentos em que nos envolvemos.
Soube-me muito bem estar com os meus colegas de há mais de trinta anos atrás, trinta e muitos. Também por esse reencontro de hoje li as palavras de Raúl Iturra com um outro espírito e provavelmente com um entendimento mais autêntico do que ele escreveu sobre Paul Newman, o homem, o actor, os personagens.
É com a autorização e a gentileza do cidadão do Mundo, Raúl de seu nome, que aqui transcrevo integralmente o seu texto de homenagem a Paul Newman, com a sinceridade única do que é dito a quente, de coração aberto.
Paul Newman has passed away. Sad. However, no one can bring eternity into this earthly world. To my relief, he is not suffering anymore, either himself, extremely nice and faithful wife Joanne Woodward, as good as an actress as Newman was, descendents and friends. And the large mob of admirers he had all over the world. Friendly, serene, happy, friend of the poor. He is Exodus, he is Butch Cassidy, he is the writer, he is all the plays he performed, above all, he is Brick, he is Professor Michael Armstrong, he is Chance Wayne, as he is the sweet birth of youth. Paul Newman is force by his brilliant career, to live eternally as Hud Bannon and, above all, the father who knows how to teach as Eddie Felson. No need to cry, he lives in his pure soul and in the soul and feelings of Joanne Woodward. We, Portuguese, revere, respect, mirror on him.
Prof. Dr. Raúl Iturra
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