Recebo todos os dias um e-mail da Britannica Encyclopedia que assinala as datas, as efemérides que a evolução dos tempos foi juntando, digamos, na História da Humanidade. A Enciclopédia Britânica é um colosso de informação, sendo considerada por muita gente um dos maiores, se não mesmo o maior, depositário de conhecimento enciclopédico do mundo.
Por razões editoriais, ou por outras razões – lamentável seria por desconhecimento ou por desvalorização – não assinala, para o dia de hoje, o “grito do Ipiranga” do Chile. E se uso esta imagem é apenas para assinalar os anseios certamente idênticos e fraternos dos povos locais vizinhos relativamente aos poderes monárquicos e colonizadores de portugueses e espanhóis na América do Sul.
Devo a Raúl Iturra, uma vez mais, o acesso a um acontecimento histórico de repercussões muito sensíveis, e de grande impacto, numa área de dinâmica social a que, por empenho pessoal e profissional, tenho dedicado atenção especial: a interculturalidade, a relação entre os povos e o desenvolvimento da tolerância perante as diferenças pessoais e grupais.
Como já noutras vezes o fez, Raúl Iturra traz-nos um relato vivo, à maneira do jornalista repórter que vê os acontecimentos passarem diante de si e procura dar deles uma imagem imediata, que espelhe a vivacidade das ocorrências, sejam simultâneas, ou venham uma após outra. Aqui e ali junta um pequeno complemento informativo, que intui facilitarem ao leitor a compreensão do que está a acontecer, sem deturpações.
Iturra sacrifica alguma forma e gramática à expressividade vital e emocional das ambições de liberdade e de independência dos protagonistas dos acontecimentos.
O Chile, o povo chileno, os chilenos que amam profundamente o seu país de muito longe, como é o caso do nosso “jornalista repórter”, merecem que se grite de júbilo neste dia comemorativo. Que se grite tão alto que os autores da Enciclopédia Britânica se virem para o lado das vozes jubilosas, que sobem intensas lá do fundo, do outro lado do mundo, muito abaixo do Equador, e constatem a falha do seu conhecimento ou do seu registo; e que não queiram que, no ano que vem, alguém no mundo lhes aponte a mesma falha nas efemérides assinaladas para o dia 18 de Setembro.
Agora, finalmente, a palavra viva de Raúl Iturra, a quem, desde já endereçamos um imenso abraço, cheio de sincera fraternidade!
No hay Rey, no tenemos quién nos gobierne, nos vamos a gobernar nosotros!
Toda história tem uma realidade por trás da verdade pública!
Foram as primeiras palavras do Governador do, em esse tempo, 18 de Setembro de 1810, Reyno[1] do Chile. Era uma Colónia. Era parte das propriedades da família real da Espanha, um ramo dos Bourbón de Navarra, reino do Norte da Espanha de esses tempos. Mais tarde virão a ser dos Bourbón Orleáns, como é hoje, 198 após a Independência auto-proclamada do Chile. O Governador do Reyno, o Conde da Conquista, Mateo de Toro e Zambrano e Ureta bem sabia que, desde 1808, Napoleão Bonaparte tinha invadido o Reino da Espanha e colocado como Rei o seu irmão José, levando cativos a França o Rei Fernando VII e a sua mulher, a Infanta Maria Caserta de Bourbon-Sicilia, ao Castelo e cidade de Bayonne, um exílio dourado, do qual Fernando VII nem queria tornar: como em Portugal, era um Rei Absolutista e não queria liberais dentro das suas Cortes, esses Parlamentos impostos às Monarquias desde a Revolução Francesa de 1789. Mateo de Toro e Zambrano[2] sabia tudo isto, mas quis ignorar: estava confortável e cómodo no seu sítio de Governador, sem ter que lutar em guerras nem se aventurar em Cabildos[3], guerras e debates. Mas havia ambições entre as famílias mais antigas, com posses imensas e títulos nobiliários, como relato em outro livro meu: Para Sempre Tricinco. Allende e Eu. Essas família foram as promotoras do auto-governo e Mateo de Toro e Zambrano viu-se obrigado a invocar um Cabildo aberto, instigado pelos escrito do frade que o Primeiro Jornal Chileno instigou com os escritos de um redactor, jornal fundado em finais do Século anterior, pelo denominado frade da Boa Morte - mais uma vez não é gralha, é a ordem à qual pertencia o redactor, mais tarde director, o denominado Frade da Boa Morte, Camilo Henríquez [4].
Não é por acaso que este frade é nomeado dentro do texto. Foi quem instigou ao Governador para abrir um Cabildo, por meio dos seus sermões e textos do jornal referido, exaltando aos patriotas que queriam independência a solicitar essa convocatória. Os revolucionários de famílias antigas, como José Miguel Carrera, José Luis Carrera e a sua Irmã Javiera, famílias antigas e de poder, estavam fora do Chile ao ser convocado o Cabildo. De imediato apareceram em Santiago, a capital, e em conjunto com outro patrício revolucionário, o denominado patriota Manuel Rodríguez Erdoiza, já Deputado do Primeiro Congresso Chileno. Os dois criaram a primeira bandeira do Chile, o primeiro hino nacional e a primeira Constituição, tudo a seguir a um golpe de Estado contra o Governo Eleito por sufrágio dos mais poderosos. No Jornal Aurora de Chile, foi publicado ao detalhe os acontecimentos do 18 de Setembro[5]. José Miguel Varrera estava na guerra da Espanha contra Bonaparte, tornou rapidamente ao Chile, organizou com o seu grande amigo Manuel Rodrígues um batalhão, “Los húsares de la Muerte” e derrubou o Presidente da Junta Superior de Governo, Juan Martínez de Rozas, pacífico cidadão e patriota, para passar a ser o ditador do Chile, com o Título de Presidente da República, derrubado mais tarde pelas forças encabeçadas pela família Jaraquemada, tornou a atacar em 1813, auto-designou-se outra vez Presidente, até cair perante as forças patriotas encabeçadas pelas família Pérez, Infante e Eyzaguirre, todos eles depostos ao lutar uns contra os outros pelo poder, até que em 1814 a Coroa Espanhola tornou às mãos de Fernando VII Bourbon, derrotada finalmente em 1818, pelo novo Brigadeiro Bernardo O’Higgins, na batalha de Cancha Rayada, ao sul de Santiago do Chile, com a colaboração inacreditável das forças de mais nova República de Argentina. Lideradas pelo General José de San Martín, derrubado em Buenos Aires mais tarde ao querer se auto-proclamar Imperador da Argentina e exilado para Paris, onde faleceu. José Miguel Carrera e os seus irmãos José Manuel e José Luis foram, fuzilados na Argentina, enquanto se preparava um Exército Libertador do Chile. Apenas ficou viva a irmã, lembrada como uma grande patriota hoje em dia, Doña Javiera Carrera. Após ter ganho o Chile para os Chilenos, o Brigadeiro O´Higgins passou a ser Director Supremo, até que pelas suas imprudências, assassinatos de patriotas, como Manuel Rodríguez, e uma má Constituição, foi-lhe solicitado pelo Congresso abandonar o cargo e se exilar do Chile. Após criar a nacionalidade denominada Chilena em 1929, anunció a sua visita ao Congresso, onde se demitira e dissera: “Compatriotas, sé que no me quíeren acá. Me voy al Perú, que también liberté y me acepta. Les entrego el bastón y el mando”, y se fue. Todos os golpes e contragolpes foram sempre a 11 de Setembro, como é possível ler na História do Chile[6]. Uma histórica premonição!
[1] Não é gralha, é como se escrevia antigamente a palavra Reino em Castelhano antigo, em quanto em Portugal era a Pessoa Sagrada do Rei. Mudam os tempos, mudam os costumes e as palavras. Para Portugal, esta citação: O mais importante tratado, pelo seu carácter lesivo a Portugal, foi o de Methuen, assinado em 1703, em pleno início da mineração no Brasil. O tratado possuía apenas dois artigos:
Artigo 1º. Sua Sagrada Majestade El Rei de Portugal promete, tanto em seu próprio Nome, como no de Seus Sucessores, admitir para sempre de aqui em diante, no Reino de Portugal, os panos de lã e mais fábricas de lanifício de Inglaterra, como era costume até o tempo em que foram proibidas pelas leis, não obstante qualquer condição em contrário.
[2] Mateo de Toro Zambrano y Ureta (o de Toro y Zambrano, como se escribe en muchos registros históricos) (Santiago de Chile, 20 de septiembre de 1727 - † 26 de febrero de 1811), Vizconde previo de la Descubierta, I conde de la Conquista, Caballero de la Orden de Santiago, Gobernador de Chile 1810-1811, militar criollo chileno y presidente de la primera Junta de Gobierno de Chile.
[3] Cabildo é uma reunião de notáveis que acompanham a pessoa governante para decidir o quê fazer em momentos de mudança o para votar uma decisão importante. Normalmente composto pelos homens das famílias mais antigas e de mais patente hierárquica e muita riqueza. As minhas palavras. Há também uma definição mais oficial: Consistía en la reunión de la parte más "sana" y principal de cada población, convocada por el cabildo ordinario, que la presidía, para tratar asuntos de grave importancia. La reunión solía celebrarse en el recinto del cabildo o en alguna iglesia.
Los cabildos abiertos atribuían a la parte representativa de la ciudad el derecho a deliberar sobre cuestiones que por su naturaleza requerían una solución extraordinaria. Las personas convocadas eran designadas por el cabildo invitante sin intervención del pueblo y constituían la aristocracia local; pero, con todo, la circunstancia de llamarlas para deliberar con el cabildo ordinario daba a estas asambleas un carácter más democrático, em: http://es.wikipedia.org/wiki/Cabildo_abierto#Cabildo_Abierto
[4] Camilo Henríquez, da ordem dos Camilianos que ajudavam a morrer bem, foi Presidente do Primeiro Senado do Chile e perseguido pela Inquisição pelos seus escritos subversivos. Religioso y político chileno. Religioso de la Orden de los Camilos, fue perseguido por el Santo Oficio a causa de sus ideas ilustradas. Apoyó a los independentistas chilenos, fue elegido diputado y en 1811, en un sermón pronunciado en la catedral de Santiago, reclamó la independencia de la patria chilena. A través de sus periódicos, La Aurora de Chile, el primer diario nacional chileno, y El Monitor Araucano, difundió el pensamiento liberal y apoyó la independencia de su país. En 1812 escribió El catecismo de los patriotas, donde realiza una vigorosa defensa de la libertad y la razón frente al despotismo, la superstición y la ignorancia. Retirado do meu saber e de: http://www.biografiasyvidas.com/biografia/h/henriquez.htm
[5] EL CABILDO ABIERTO DEL 18 DE SEPTIEMBRE DE 1810 fue un éxito resonante, y sus organizadores se restregaban las manos con regocijo. Todos los acuerdos se tomaron por unanimidad, y hasta los nombramientos de los dos últimos vocales de la Junta Provisoria de Gobierno fueron hechos por mayorías abrumadoras, sin que se notasen voces discordantes, especialmente después de los elocuentes discursos de Argomedo y de Infante. El tímido llamado a la reflexión que intentó hacer don Manuel Manso, cabildante más timorato que realista, fue acallada a las primeras frases por la vociferación general de: '¡Junta queremos! ¡Junta queremos!', artículo de La Aurora de Chile, retirado do livro de Ismael Espinosa V.
Artículo publicado en su libro "Historia secreta de Santiago de Chile", en el cual escribe sobre las medidas y actuaciones del Cabildo Abierto de 1810. http://www.auroradechile.cl/newtenberg/681/article-2325.html
[6] O Presidente da República do Chile é ao mesmo tempo o chefe de estado e de governo do Chile e também a máxima autoridade política. Ele é eleito por voto popular e seu mandato dura quatro anos, sem a possibilidade de reeleição imediata.
De acordo com a Constituição, o Presidente tem o dever de desempenhar fielmente seu cargo, manter a independência da nação e defender e fazer ser defendida a Constituição e as leis, tal como determina o juramento que ele presta antes de assumir suas funções.
A sede presidencial é, desde 1845, o Palácio de la Moneda ("Palácio da Moeda") na capital Santiago.
A lista dos Presidentes pode ser lida em: http://dicionario.sensagent.com/presidente+do+chile/pt-pt/
Sem comentários:
Enviar um comentário