sábado, setembro 27, 2008

O Paul Newman de Raúl Iturra morreu no dia em que reencontrei velhos amigos

Saí hoje para Abrantes, para um almoço de antigos alunos e professores da escola onde fiz o ensino preparatório e também o secundário.

Dos meus colegas de turma, apenas encontrei o Rui Coutinho, primeiro, e depois o António Neto. Claro que nos sentámos à mesma mesa e desfiámos lembranças de episódios que tivemos juntos na escola, perguntámos por colegas e professores. Pouco ou nada falámos de nós, agora, carecas ou de bigodes brancos. Dos tempos de agora, praticamente só falámos da caça do Rui e do Neto, entretenimento que descobrimos terem em comum, o Neto apresentando-se como caçador mais maduro (ou mais mentiroso, como se deve pensar sempre dos caçadores).

De volta a Lisboa, na viagem, revisitei o nosso encontro no extenso almoço, puxei ao pensamento as imagens que trouxemos uns aos outros. Afinal, imagens de gentes e acontecimentos que moldaram fortemente a pessoa que hoje sou.

Senti saudades dos cabelos loiros e encaracolados do Neto! O seu desaparecimento simbolizava, no instante em que o consciencializei, o irremediável da juventude que se perdeu para sempre. Mas senti que se poderia recuperar quase integralmente o "velho" Rui, assim a gente consiga fazer qualquer coisa com a grande barriga sedentária que ele deixou que o envolvesse. Quer dizer, simbolicamente também, afinal, de tudo o que se perdeu, coisas há que ainda se podem recuperar. E que terão eles pensado de mim?...

Cheguei a casa e, quando pude, fui ver o que tinha na minha caixa de correio electrónico. Lá estava um pequeno texto de Raúl Iturra, de homenagem a Paul Newman, que morreu hoje. Só por este texto o soube. Porque o Raúl o quis partilhar comigo.

Raúl Iturra fala dos personagens a que Newman deu corpo. Que marcaram… que o marcaram… que moldaram… que o moldaram… que simbolizaram e fixaram, pela própria ficção, comportamentos, gestos e pensamentos humanos.

Comparei os personagens de Iturra com os personagens (os meus antigos colegas de escola, e os professores) que desfilaram nos "filmes" que vi em retrospectiva quando voltava para Lisboa. O pequeno texto, escrito em inglês, se calhar, para que o próprio Paul Newman mais facilmente os possa ler e entender, fez-me tomar consciência da força que os personagens têm na formação das pessoas em que nos tornamos: se são reais (como os meus colegas de hoje), com eles construímos ficção que nos guia ou nos apazigua – ou que interrogamos; se são de ficção (como os homens virtuais de Newman), facilmente os deslocamos para as nossas realidades e os tornamos partes vitais das acções e dos comportamentos em que nos envolvemos.

Soube-me muito bem estar com os meus colegas de há mais de trinta anos atrás, trinta e muitos. Também por esse reencontro de hoje li as palavras de Raúl Iturra com um outro espírito e provavelmente com um entendimento mais autêntico do que ele escreveu sobre Paul Newman, o homem, o actor, os personagens.

É com a autorização e a gentileza do cidadão do Mundo, Raúl de seu nome, que aqui transcrevo integralmente o seu texto de homenagem a Paul Newman, com a sinceridade única do que é dito a quente, de coração aberto.

Paul Newman has passed away. Sad. However, no one can bring eternity into this earthly world. To my relief, he is not suffering anymore, either himself, extremely nice and faithful wife Joanne Woodward, as good as an actress as Newman was, descendents and friends. And the large mob of admirers he had all over the world. Friendly, serene, happy, friend of the poor. He is Exodus, he is Butch Cassidy, he is the writer, he is all the plays he performed, above all, he is Brick, he is Professor Michael Armstrong, he is Chance Wayne, as he is the sweet birth of youth. Paul Newman is force by his brilliant career, to live eternally as Hud Bannon and, above all, the father who knows how to teach as Eddie Felson. No need to cry, he lives in his pure soul and in the soul and feelings of Joanne Woodward. We, Portuguese, revere, respect, mirror on him.

Prof. Dr. Raúl Iturra

quinta-feira, setembro 18, 2008

Nas escolas portuguesas... Sinais dos tempos!

Os tempos, nas escolas portuguesas, fazem correr ventos de medos entre os professores: medo de estar, medo de falar, medo de fazer... corre-se sempre o risco de se cometer uma falha que marque a "avaliação" que pende sobre a cabeça, avaliação burocrática, complexa, ameaçadora. Teme-se ter iniciativa para qualquer coisa que possa não corresponder ao "amén" que se pressente que é a única coisa que se quer que os professores façam.
Um pequeno exempo, retirado de um canal de televisão generalista, no noticiário da hora do almoço, hoje:
A jornalista pergunta claramente à professora (eventualmente, com responsabilidades directivas na escola) o que acontece aos alunos que estão à espera de professores que ainda não foram colocados. Se ficam sem aulas.
A colega pensa, guarda para si uma pequena pausa e, diplomaticamente, cuidadosamente (eu digo: tristemente, ridiculamente), responde: "São encaminhados para o pátio."
Como se foge de palavras comprometedoras!... Como se dizer "Sim, ficam sem aulas... Pois, não têm aulas..." ou outra coisa qualquer fosse uma acusação contra quem superior determina e avalia desempenhos!... Ou então o reconhecimento de uma culpa que estaria nas mãos do professor ter-se evitado!...
Percebo a colega e, tanto quanto possa fazer sentido que o diga, estou solidário com ela.
Repare-se: um não-acontecimento, uma série de não-acontecimentos [a(s) aula(s) que deveria(m) ter sido dada(s), mas que não foi(foram)], por presumida, adivinhada, responsabilidade de o (ou a) inomonável [não vá ele (ou ela) "cair-nos" em cima, e lá se vai a avaliação, ou lá vem o processo disciplinar!...], em resultado dos caminhos tortuosos dos pensamentos e das falas de mentes aflitas, transforma(m)-se numa acção activa, "responsável" e criativa dos professores que devem estar sempre prontos - como determinam os regulamentos - para cuidarem dos alunos... Assim, em vez de as aulas não acontecerem, em vez de não lhes darem aulas, os professores... encaminham os alunos para o pátio!
Que mais se pode dizer, senhores?... O melhor é calarmo-nos, não é?... Se calhar, já falámos demais...
... ... ...

Há mesmo que dar a volta a este ambiente constrangedor, confrangedor e que nega o fim último de qualquer processo educativo: a formação de cidadãos sabedores, esclarecidos, responsáveis e capazes de iniciativas pessoais socialmente úteis.

No hay Rey, no tenemos quién nos gobierne, nos vamos a gobernar nosotros! Toda história tem uma realidade por detrás da verdade pública!

Recebo todos os dias um e-mail da Britannica Encyclopedia que assinala as datas, as efemérides que a evolução dos tempos foi juntando, digamos, na História da Humanidade. A Enciclopédia Britânica é um colosso de informação, sendo considerada por muita gente um dos maiores, se não mesmo o maior, depositário de conhecimento enciclopédico do mundo.

Por razões editoriais, ou por outras razões – lamentável seria por desconhecimento ou por desvalorização – não assinala, para o dia de hoje, o “grito do Ipiranga” do Chile. E se uso esta imagem é apenas para assinalar os anseios certamente idênticos e fraternos dos povos locais vizinhos relativamente aos poderes monárquicos e colonizadores de portugueses e espanhóis na América do Sul.

Devo a Raúl Iturra, uma vez mais, o acesso a um acontecimento histórico de repercussões muito sensíveis, e de grande impacto, numa área de dinâmica social a que, por empenho pessoal e profissional, tenho dedicado atenção especial: a interculturalidade, a relação entre os povos e o desenvolvimento da tolerância perante as diferenças pessoais e grupais.

Como já noutras vezes o fez, Raúl Iturra traz-nos um relato vivo, à maneira do jornalista repórter que vê os acontecimentos passarem diante de si e procura dar deles uma imagem imediata, que espelhe a vivacidade das ocorrências, sejam simultâneas, ou venham uma após outra. Aqui e ali junta um pequeno complemento informativo, que intui facilitarem ao leitor a compreensão do que está a acontecer, sem deturpações.

Iturra sacrifica alguma forma e gramática à expressividade vital e emocional das ambições de liberdade e de independência dos protagonistas dos acontecimentos.

O Chile, o povo chileno, os chilenos que amam profundamente o seu país de muito longe, como é o caso do nosso “jornalista repórter”, merecem que se grite de júbilo neste dia comemorativo. Que se grite tão alto que os autores da Enciclopédia Britânica se virem para o lado das vozes jubilosas, que sobem intensas lá do fundo, do outro lado do mundo, muito abaixo do Equador, e constatem a falha do seu conhecimento ou do seu registo; e que não queiram que, no ano que vem, alguém no mundo lhes aponte a mesma falha nas efemérides assinaladas para o dia 18 de Setembro.

Agora, finalmente, a palavra viva de Raúl Iturra, a quem, desde já endereçamos um imenso abraço, cheio de sincera fraternidade!

No hay Rey, no tenemos quién nos gobierne, nos vamos a gobernar nosotros!
Toda história tem uma realidade por trás da verdade pública!

Foram as primeiras palavras do Governador do, em esse tempo, 18 de Setembro de 1810, Reyno[1] do Chile. Era uma Colónia. Era parte das propriedades da família real da Espanha, um ramo dos Bourbón de Navarra, reino do Norte da Espanha de esses tempos. Mais tarde virão a ser dos Bourbón Orleáns, como é hoje, 198 após a Independência auto-proclamada do Chile. O Governador do Reyno, o Conde da Conquista, Mateo de Toro e Zambrano e Ureta bem sabia que, desde 1808, Napoleão Bonaparte tinha invadido o Reino da Espanha e colocado como Rei o seu irmão José, levando cativos a França o Rei Fernando VII e a sua mulher, a Infanta Maria Caserta de Bourbon-Sicilia, ao Castelo e cidade de Bayonne, um exílio dourado, do qual Fernando VII nem queria tornar: como em Portugal, era um Rei Absolutista e não queria liberais dentro das suas Cortes, esses Parlamentos impostos às Monarquias desde a Revolução Francesa de 1789. Mateo de Toro e Zambrano[2] sabia tudo isto, mas quis ignorar: estava confortável e cómodo no seu sítio de Governador, sem ter que lutar em guerras nem se aventurar em Cabildos[3], guerras e debates. Mas havia ambições entre as famílias mais antigas, com posses imensas e títulos nobiliários, como relato em outro livro meu: Para Sempre Tricinco. Allende e Eu. Essas família foram as promotoras do auto-governo e Mateo de Toro e Zambrano viu-se obrigado a invocar um Cabildo aberto, instigado pelos escrito do frade que o Primeiro Jornal Chileno instigou com os escritos de um redactor, jornal fundado em finais do Século anterior, pelo denominado frade da Boa Morte - mais uma vez não é gralha, é a ordem à qual pertencia o redactor, mais tarde director, o denominado Frade da Boa Morte, Camilo Henríquez [4].

Não é por acaso que este frade é nomeado dentro do texto. Foi quem instigou ao Governador para abrir um Cabildo, por meio dos seus sermões e textos do jornal referido, exaltando aos patriotas que queriam independência a solicitar essa convocatória. Os revolucionários de famílias antigas, como José Miguel Carrera, José Luis Carrera e a sua Irmã Javiera, famílias antigas e de poder, estavam fora do Chile ao ser convocado o Cabildo. De imediato apareceram em Santiago, a capital, e em conjunto com outro patrício revolucionário, o denominado patriota Manuel Rodríguez Erdoiza, já Deputado do Primeiro Congresso Chileno. Os dois criaram a primeira bandeira do Chile, o primeiro hino nacional e a primeira Constituição, tudo a seguir a um golpe de Estado contra o Governo Eleito por sufrágio dos mais poderosos. No Jornal Aurora de Chile, foi publicado ao detalhe os acontecimentos do 18 de Setembro[5]. José Miguel Varrera estava na guerra da Espanha contra Bonaparte, tornou rapidamente ao Chile, organizou com o seu grande amigo Manuel Rodrígues um batalhão, “Los húsares de la Muerte” e derrubou o Presidente da Junta Superior de Governo, Juan Martínez de Rozas, pacífico cidadão e patriota, para passar a ser o ditador do Chile, com o Título de Presidente da República, derrubado mais tarde pelas forças encabeçadas pela família Jaraquemada, tornou a atacar em 1813, auto-designou-se outra vez Presidente, até cair perante as forças patriotas encabeçadas pelas família Pérez, Infante e Eyzaguirre, todos eles depostos ao lutar uns contra os outros pelo poder, até que em 1814 a Coroa Espanhola tornou às mãos de Fernando VII Bourbon, derrotada finalmente em 1818, pelo novo Brigadeiro Bernardo O’Higgins, na batalha de Cancha Rayada, ao sul de Santiago do Chile, com a colaboração inacreditável das forças de mais nova República de Argentina. Lideradas pelo General José de San Martín, derrubado em Buenos Aires mais tarde ao querer se auto-proclamar Imperador da Argentina e exilado para Paris, onde faleceu. José Miguel Carrera e os seus irmãos José Manuel e José Luis foram, fuzilados na Argentina, enquanto se preparava um Exército Libertador do Chile. Apenas ficou viva a irmã, lembrada como uma grande patriota hoje em dia, Doña Javiera Carrera. Após ter ganho o Chile para os Chilenos, o Brigadeiro O´Higgins passou a ser Director Supremo, até que pelas suas imprudências, assassinatos de patriotas, como Manuel Rodríguez, e uma má Constituição, foi-lhe solicitado pelo Congresso abandonar o cargo e se exilar do Chile. Após criar a nacionalidade denominada Chilena em 1929, anunció a sua visita ao Congresso, onde se demitira e dissera: “Compatriotas, sé que no me quíeren acá. Me voy al Perú, que también liberté y me acepta. Les entrego el bastón y el mando”, y se fue. Todos os golpes e contragolpes foram sempre a 11 de Setembro, como é possível ler na História do Chile[6]. Uma histórica premonição!



[1] Não é gralha, é como se escrevia antigamente a palavra Reino em Castelhano antigo, em quanto em Portugal era a Pessoa Sagrada do Rei. Mudam os tempos, mudam os costumes e as palavras. Para Portugal, esta citação: O mais importante tratado, pelo seu carácter lesivo a Portugal, foi o de Methuen, assinado em 1703, em pleno início da mineração no Brasil. O tratado possuía apenas dois artigos:
Artigo 1º. Sua Sagrada Majestade El Rei de Portugal promete, tanto em seu próprio Nome, como no de Seus Sucessores, admitir para sempre de aqui em diante, no Reino de Portugal, os panos de lã e mais fábricas de lanifício de Inglaterra, como era costume até o tempo em que foram proibidas pelas leis, não obstante qualquer condição em contrário.

[2] Mateo de Toro Zambrano y Ureta (o de Toro y Zambrano, como se escribe en muchos registros históricos) (Santiago de Chile, 20 de septiembre de 1727 - † 26 de febrero de 1811), Vizconde previo de la Descubierta, I conde de la Conquista, Caballero de la Orden de Santiago, Gobernador de Chile 1810-1811, militar criollo chileno y presidente de la primera Junta de Gobierno de Chile.

[3] Cabildo é uma reunião de notáveis que acompanham a pessoa governante para decidir o quê fazer em momentos de mudança o para votar uma decisão importante. Normalmente composto pelos homens das famílias mais antigas e de mais patente hierárquica e muita riqueza. As minhas palavras. Há também uma definição mais oficial: Consistía en la reunión de la parte más "sana" y principal de cada población, convocada por el cabildo ordinario, que la presidía, para tratar asuntos de grave importancia. La reunión solía celebrarse en el recinto del cabildo o en alguna iglesia.
Los cabildos abiertos atribuían a la parte representativa de la ciudad el derecho a deliberar sobre cuestiones que por su naturaleza requerían una solución extraordinaria. Las personas convocadas eran designadas por el cabildo invitante sin intervención del pueblo y constituían la aristocracia local; pero, con todo, la circunstancia de llamarlas para deliberar con el cabildo ordinario daba a estas asambleas un carácter más democrático, em: http://es.wikipedia.org/wiki/Cabildo_abierto#Cabildo_Abierto

[4] Camilo Henríquez, da ordem dos Camilianos que ajudavam a morrer bem, foi Presidente do Primeiro Senado do Chile e perseguido pela Inquisição pelos seus escritos subversivos. Religioso y político chileno. Religioso de la Orden de los Camilos, fue perseguido por el Santo Oficio a causa de sus ideas ilustradas. Apoyó a los independentistas chilenos, fue elegido diputado y en 1811, en un sermón pronunciado en la catedral de Santiago, reclamó la independencia de la patria chilena. A través de sus periódicos, La Aurora de Chile, el primer diario nacional chileno, y El Monitor Araucano, difundió el pensamiento liberal y apoyó la independencia de su país. En 1812 escribió El catecismo de los patriotas, donde realiza una vigorosa defensa de la libertad y la razón frente al despotismo, la superstición y la ignorancia. Retirado do meu saber e de: http://www.biografiasyvidas.com/biografia/h/henriquez.htm

[5] EL CABILDO ABIERTO DEL 18 DE SEPTIEMBRE DE 1810 fue un éxito resonante, y sus organizadores se restregaban las manos con regocijo. Todos los acuerdos se tomaron por unanimidad, y hasta los nombramientos de los dos últimos vocales de la Junta Provisoria de Gobierno fueron hechos por mayorías abrumadoras, sin que se notasen voces discordantes, especialmente después de los elocuentes discursos de Argomedo y de Infante. El tímido llamado a la reflexión que intentó hacer don Manuel Manso, cabildante más timorato que realista, fue acallada a las primeras frases por la vociferación general de: '¡Junta queremos! ¡Junta queremos!', artículo de La Aurora de Chile, retirado do livro de Ismael Espinosa V.
Artículo publicado en su libro "Historia secreta de Santiago de Chile", en el cual escribe sobre las medidas y actuaciones del Cabildo Abierto de 1810. http://www.auroradechile.cl/newtenberg/681/article-2325.html

[6] O Presidente da República do Chile é ao mesmo tempo o chefe de estado e de governo do Chile e também a máxima autoridade política. Ele é eleito por voto popular e seu mandato dura quatro anos, sem a possibilidade de reeleição imediata.
De acordo com a Constituição, o Presidente tem o dever de desempenhar fielmente seu cargo, manter a independência da nação e defender e fazer ser defendida a Constituição e as leis, tal como determina o juramento que ele presta antes de assumir suas funções.
A sede presidencial é, desde 1845, o Palácio de la Moneda ("Palácio da Moeda") na capital Santiago.
A lista dos Presidentes pode ser lida em:
http://dicionario.sensagent.com/presidente+do+chile/pt-pt/

sexta-feira, setembro 12, 2008

Encapuçados ou encapuzados

Se a frequência de notícias nos meios de comunicação social é um bom indicador da realidade, então está-se em Portugal perante uma onda de assaltos (à noite ou em plena luz do dia; com armas de fogo ou sem elas; fazendo e não fazendo reféns; na via pública, a cidadãos desprevenidos, ou a estabelecimentos comerciais de portas abertas ou já trancadas; com carjacking ou a pé...) como nunca antes.
Lamentavelmente, os governantes e os demais políticos principescamente instalados (e governando-se...) no sitema de condução da coisa pública desdobram-se em espectáculos televisivos de controlos de entradas e de saídas de locais da vida nocturna e da vida diurna; fiscalizam papéis, mandam soprar no balão, passam multas; procedem à detenção de um ou outro indivíduo e apreendem uma ou outra arma de fogo, mantendo-se por localizar centenas de milhares de armas, como já foi publicamente admitido. Chega a roçar a imbecilidade, tudo isto!...
Tristemente, nesta "brincadeira" de polícias e ladrões, só uma vitória, só uma mudança parece ter-se consolidado definitivamente: já ninguén diz assaltantes "encapuçados", já todos dizem que os ditos gatunos estão "encapuzados".
O mérito parece que terá de ser atribuído à experiência social que se impôs (tanto roubo!... tanto capuz, pois então!...) e ao minuto dedicado pela RTP1, todos os dias, de manhã, bem cedo, aos erros mais comuns da língua portuguesa.

quinta-feira, setembro 04, 2008

O 11 de Setembro de 1973 de Raúl Iturra

O 11 de Setembro de 2001, com a tragédia que toda a gente, em todo o mundo, pôde acompanhar em directo, através da televisão, ganhou o efeito de absorvência que a ciência de divulgação corrente atribui aos buracos negros celestes, que apanham, absorvem tudo o que entre dentro da esfera da acção das suas forças internas e nelas se perdem para sempre. De 2001 até agora, a cada novo 11 de Setembro, praticamente mais nada existe senão a memória desse dia infeliz e vergonhoso para a cultura humana, essa cultura que desde há milhares de anos tem procurado acrescentar tolerância e entendimento entre todos os homens.
Mesmo que o poder de absorvência possa estar a entrar em fase de redução da sua intensidade, provavelmente, enquanto Bin Laden continuar a estar na primeira linha dos culpados dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e, em consequência, continuar a ser apontado como o inimigo número um da experiência política democrática dos países ocidentais (os EUA incluídos), o 11 de Setembro de 2001 impedirá que de outras coisas se fale e de outras experiências sócio-políticas se conserve memória.
Daí que seja com especial gratidão que abrace o Professor Raúl Iturra, que amavelmente me trouxe a partilha de uma memória especialmente sentida, formada a partir da sua própria experiência pessoal, vivida de corpo e alma, com inteligência e emoção, junto do seu País Chile, do seu Presidente Allende, do seu projecto político socialista latino-americano.
Redobro o esforço de pedir que se tenha presente que não se trata do texto de um estudioso universitário (que Raúl Iturra, afinal, também é), consultando livros, documentos e teses, mas sim de alguém que tem gravada em todas as células do seu ser uma experiência pessoal, social e política que deve fazer parte do património cultural e político de todos aqueles que um dia queiram ocupar-se – para verdadeiramente a resolver - da velha (mas sempre renovada) “questão social”, que assim tomou forma com o pensamento e os escritos de Marx e seus contemporâneos, no século XIX. “Como acabar com a enorme diferença entre ricos e pobres e com as vergonhosas desigualdades em matéria de saúde, educação e oportunidades de realização”, é essa a questão social de Marx, na síntese de Tony Judt.
Ainda antes de apresentar o texto de Raúl Iturra, quero deixar aqui um poema de Pablo Neruda, que é uma forma de lhe agradecer o pedaço de vida que quis partilhar comigo. Creio que Raúl Iturra vai apreciar o poema, se alguma coisa dele conheço, se consegui aprender o que lhe é caro.
Companheiro Raúl, aqui vai:

O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Como que simbolicamente, Neruda, que desistiu da sua candidatura à presidência do Chile a favor de Allende, em 1970, morreu a 23 de Setembro de 1973, apenas 12 dias depois do golpe militar de Pinochet. De cancro na próstata. Simbolicamente, também?...
Neruda morreu como o nosso imaginário colectivo compôs também a morte de Camões, que morreu quando o Portugal das fantasias sebastianinas também morreu.
A palavra a Raúl Iturra:
Em breve devo partir fora de Portugal para acabar com uma doença que mata. Mortes é o que não queremos. São tantas ao longo da nossa vida! Apenas a nossa mata as outros: não estamos mais por aí para saber o que se passa.
Como esse 11 de Setembro de 1973.
Ouvi, como é habitual, as notícias das 7 da manhã, apenas marchas militares..
Por acaso, estava no Chile, país para o qual tinha sido enviado pelo meu Catedrático da minha Britânica Universidade de Cambridge, Sir Jack Goody, para entender o que era o que se pretendia com a via chilena para o socialismo. Até onde eu saiba ou me lembre, os socialismos de ideologia materialista tinham sido conquistados pela luta armada. Como na Rússia de 1911, como na Cuba de 1959.
O que o democrata Presidente do Chile, o Dr. Salvador Allende pretendia era uma redistribuirão da riqueza, acumulada em poucas mãos, entre todos os habitantes do país. Conquistou o poder por via do voto directo, em época de eleições normais, e a sua eleição foi ratificada pelo Parlamento Bicameral do País: a eleição tinha sido ganha por estreita margem de votos do segundo candidato, era preciso, por causa da Constituição de 1925, uma ratificação, ou não, da parte do Congresso pleno. O Dr. Salvador Allende Gossens ganhou com facilidade essa eleição. O Chile era, e tornou a ser, um país democrata, com uma longa história de respeito e cumprimento da lei. Houve imensas manipulações para impedir o acesso da Sua Excelência, como se diz no Chile aos Presidentes, sejam homens ou mulheres, como é o caso hoje, ou ao cargo de Presidente de todos os chilenos. Era também mau hábito das Suas Excelências, esse governar apenas para os seus apoiantes. Para votar, era preciso pensar com muito cuidado na personalidade do candidato. No caso do Presidente Allende, não havia dúvidas: tinha prometido governar para todos os chilenos. E fez por cumprir essa promessa. Retirou a riqueza do Chile das mãos de estrangeiros, como o Cobre, a maior riqueza dos seus proprietários da América do Norte, a Kenneth Copper Companny, e outras empresas das mãos dos britânicos, como o carvão, os tecidos de tweed; ou dos alemães, as terras das maiores estâncias do mundo, no Sul do Chile, a limitar com a Antárctida: milhares de hectares de terra usadas para criar ovelhas. Todo esse Produto Interno Gerado, o denominado Produto Interno Bruto ou PIB, ia para os estrangeiros. Os ricos do Chile viviam ou da terra ou dos rendimentos alfandegários de exportação da riqueza da nação, como disse Adam Smith em 1775: o pior negócio para uma nação.
O mais estranho era a raiva dos não proprietários com o novo Presidente. Não souberam entender, como, pelo contrário, nos dias de hoje tem feito Joseph Ratzinger ou Bento XVI, o texto
A Ideologia Alemã e a marcada tendência luterana de Marx nos seus textos e acções, imbuídos de uma grande solidariedade cristã. Solidariedade que não está na denominada fé, uma inteligência emocional, como diz Daniel Goleman, mas na acção descrita por Babeuf na França 1785, ou Sylvain Maréchal em 1795, ou Marx e Engels em 1848. Livros básicos para entender que somos todos iguais, livres e fraternos.
Salvador Allende terá lido o texto. Leu, entendeu e agiu. Mas os da confissão católica do Chile não entendiam as crenças cristãs de Marx e Engels, nem sabiam que agiam assim por solidariedade com os espoliados de sempre. A denominada bem-aventurança da caridade parece existir apenas para nós, os materialistas. Allende respeitava verdadeiramente a bem-aventurança da caridade, mas os cristãos não - excepto nós, os cristãos materialistas da Teologia de Libertação e do Movimento de Cristãos para o Socialismo, organizado no Chile a pedido de Fidel Castro na sua visita a Sua Excelência o Presidente. O respeito foi tão faltoso, que a 11 de Setembro de 1973 as Forças Armadas do Chile, instigadas pela CIA por ordem do derrubado Nixon e do Nobel da Paz Kissinger, mandaram matar uma pessoa que apenas tinha cometido um erro: dar a riqueza da nação à maior parte da população, que – compreensivelmente? - a não sabia gerir, começando assim o mercado negro dos produtos básicos.
O Senhor Presidente devia saber que para ter riqueza, é preciso saber gerir bens. Ao lhe dizer esta ideia, achou que eu tinha razão. Mas era tarde demais.
Nesse 11 de Setembro de 1973 ele foi bombardeado pelos Hawkers Haunters da USA e morto, e eu levado a um campo de concentração, julgado sem lei, torturado sem piedade, até Jack Goody - 4 anos de Auschwtichz - e o seu professor, e meu também, Meyer Fortes - 2 anos campo de concentração na África do Sul por judeu e anti-apartheid -, me resgatarem antes do fuzilamento.
Para meu prazer, o ditador que matou o Senhor Presidente morreu em processo penal como réu, faz poucos dias, e a sua família toda viu requisitados todos os bens roubados durante a ditadura, e passaram a ficar em prisão domiciliária ou pública.
Entretanto, como membro de Amnistia Internacional, sei que esse milhão que teve que sofrer, fugir, ou ser torturado, anda ainda por aí, como eu! Com prazer, porque Sua Excelência me ensinara a andar pelas largas avenidas por onde circula o homem livre. Muito obrigado, Senhor Companheiro Presidente!
Muitos devem lembrar-se desse 11 de Setembro de 2001, do World Trade Center, que eu também choro. Mas poucos do Presidente Democrata, Salvador Allende Gossens, hoje em dia mais um Pai da Pátria livre e soberana que o Chile é, pátria a ser governada pela filha do assassinado General Bachelet, fiel ao Companheiro Presidente até a sua morte. Quem manda no Chile é essa leal filha, socialista como o pai, como o Presidente e como muitos de nós, socialistas democratas que vamos sempre a eleições livres e directas. Trinta e cinco anos de sobrevivência, já com um legado de pessoas e experiências em todos os países da Europa, sítio desde o qual lembramos ao nosso Presidente.