"[...] Já antes, em entrevista ao Expresso, Maria de Lurdes Rodrigues tinha garantido "continuar sempre disponível para conversar, ouvir e resolver problemas, incluindo com os sindicatos", embora reconheça que entre o ministério e as forças sindicais existam normalmente pontos de partida muito diferentes. Mais, a ministra da Educação admite mesmo que se lhe perguntarem "se tenho esperança de que os sindicatos possam definir uma política educativa em que prevaleçam os interesses dos alunos, não tenho"."MÁRCIO CANDOSO e PEDRO VILELA MARQUES
Acaba assim uma notícia da edição on line do Diário de Notícias, publicada hoje certamente na sequência directa da Manifestação dos Professores de ontem, em Lisboa, e da entrevista que, à noite, a Senhora Ministra da Educação deu à SIC.
Sendo correcta e justa a citação destacada pelos jornalistas, pessoalmente considero que as palavras da Senhora Ministra sobre a posição dos sindicatos e "os interesses dos alunos" são pura demagogia, são imorais e resultantes de intenções desonestas e eticamente reprováveis. A Senhora Ministra recorre a um argumento, a uma imagem de forte impacto social que, mais uma vez, tem implícita uma ideia que, no meu entender, constitui o pecado original da Ministra da Educação: que os professores são essencialmente maus, egoístas, apenas preocupados com interesses pessoais acomodados, que tratam os alunos de forma despersonalizada, movidos apenas por razões mercantis.
É a chantagem, é o agitar do papão do "superior interesse das crianças", "os homens e mulheres de amanhã", "indefesos nas mãos de quem tem a faca e o queijo na mão para os avaliar", "coitadas das crianças!..."
A Senhora Ministra sabe claramente que, pela própria natureza dos diplomas ministeriais presentemente em discussão, não são "os interesses dos alunos" que estão em causa. A Senhora Ministra sabe, porque o tem afirmado constantemente, que o que está em causa é pedir aos professores "muitos sacrifícios", tal como para a generalidade do povo português. Aceito, é legítimo, não está em discussão. Não irei agora por aí.
A Senhora Ministra da Educação sabe que defender os interesses dos alunos implica, antes de mais, garantir, entre outras coisas, que os professores se encontrem tranquilos, disponíveis para o ensino e a relação pedagógica com os seus alunos; disponham de tempo para os professores troquem impressões e experiências para melhorar as aulas, os procedimentos pedagógicos, as dinâmicas de sala de aula, a resolução de problemas de indisciplina e a gestão de conflitos; que os professores mais novos possam beneficiar da experiência dos professores mais velhos. A Senhora Ministra sabe que a generalidade dos professores, que cuidam dos alunos com o respeito e o cuidado com que cuidam os seus próprios filhos, estão sempre prontos e disponíveis para "fazerem das tripas coração", sem que quem quer que seja mande que assim façam. Basta que reconheçam a sua necessidade. É tão fácil que isso aconteça com o professor português, que tem o coração sempre muito perto da boca e do pensamento.
Por isso, mais uma vez, no meu entender, com o que insinua desonestamente acerca da atitude dos sindicatos (que, quer queira quer não queira, são representantes legítimos dos professores; e são uma das manifestações sociais mais representativas dos regimes democráticos. E eu não sou professor sindicalizado; e sou muito crítico em relação às actuações da generalidade dos sindicatos que representam a minha classe profissional), a Senhora Ministra toca maldosamente no pouco que resta (porque muito, entretanto, já tirou) da dignidade de professor.
Sejam os professores - sejamos nós, todos os professores - capazes, mais uma vez, de fazer das tripas coração e lidar com mais esta adversidade. A bem da nossa dignidade pessoal, a bem do valor social da nossa profissão, que exige respeito humano e prazer de ensinar e aprender, hora a hora, nas aulas.
Quanto aos interesses dos alunos, seja: a cada um (a Assembleia da República, o Ministério da Educação, os Pais, Outros e os Professores; os próprios Alunos) o que lhe cabe. Com discrição, honestamente, sem bandeiras moralmente e eticamente chantagistas, reprováveis.
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