quinta-feira, janeiro 09, 2014

JOSÉ TRAVASSOS E EUSÉBIO. AOS MEUS ALUNOS DO SPORTING.

Meus queridos alunos,

pelo menos alguns de vós não conhecereis estas palavras de Eusébio, escritas no hospital, em dezembro de 1960, e recolhidas no livro O que as almas são por dentro - 99 Testemunhos, da autoria do cónego António de Azevedo Pires, publicado em 1967 pela Editorial Pórtico. Antes de reproduzir na íntegra a carta, deixai-me destacar uma parte que tanto tem a ver com o que temos falado nas últimas aulas. E desta vez não quero dar relevo à humildade de Eusébio; isso sim, à nobreza de alma e à sabedoria humana do grande sportinguista José Travassos. As palavras são claras, não precisam de ser comentadas ou interpretadas por mim. O Eusébio dirige-se ao senhor padre autor do livro. Eu não conheço ainda o livro, admito que o senhor padre, boamente, tenha vertido para o livro uma versão especialmente bem compostinha das palavras originais de Eusébio. Na verdade, eu sei "do que é que a casa gasta..." Tenho experiência de muitos alunos da idade com que Eusébio escreveu esta carta (18 anos), sei qual é o rigor de expressão escrita, formal, de que, em geral, são capazes.

"Lembra-se da conversa que tivemos aqui, há pouco, neste quarto do Hospital, com o sr. José Travassos que veio também visitar-me? Estávamos só os três. Conversámos muito. O sr. Travassos, que foi grande jogador, foi muito largo nos elogios que me dirigiu. Ouviu aquilo que ele me disse e que eu não esperava?: «O Eusébio, se trabalhar e se tiver sempre juízo, pode ir longe no futebol. Já o vi jogar, e digo-lhe que tem qualidades para vir a ser o melhor jogador português de todos os tempos. Aproveite-as, trabalhe e nunca seja vaidoso.»
CARTA DE EUSÉBIO - VERSÃO INTEGRAL
Hospital da C. U. F.
Dezembro de 1960.
Aqui estou neste Hospital depois da operação que há dias me fizeram. Espero que hei-de ficar bom depressa. Deus há-de-me ajudar.
Desde que vim de Moçambique lembro-me muito de minha Mãe. Escrevo-lhe muitas vezes a dar notícias minhas, porque sei que ela gosta muito de as receber. Eu gosto de lhe dar alegria. No futuro, se as coisas me correrem bem, ela nunca será esquecida, Se eu triunfar no futebol e os jornais vierem a falar de mim e se eu ganhar dinheiro grande, não quero isso para vaidade minha. Quero para dar alegria à minha Mãe. Não gosto de ser vaidoso, mas quero que os meus triunfos vão dar gosto à minha Mãe. Ela merece. Fez muito pelos filhos, por mim e pelos meus irmãos. Não esqueço a formação que me deu, para ser um homem bom e honrado.
A formação cristã que minha Mãe me deu e a que recebi também dos padres missionários que estavam lá perto da minha terra hão-de ajudar-me muito na vida.
A minha Mãe Elisa é extraordinária, Também quero ajudá-la com o dinheiro que eu ganhar.
Lembra-se da conversa que tivemos aqui, há pouco, neste quarto do Hospital, com o sr. José Travassos que veio também visitar-me? Estávamos só os três. Conversámos muito. O sr. Travassos, que foi grande jogador, foi muito largo nos elogios que me dirigiu. Ouviu aquilo que ele me disse e que eu não esperava?:
«O Eusébio, se trabalhar e se tiver sempre juízo, pode ir longe no futebol. Já o vi jogar, e digo-lhe que tem qualidades para vir a ser o melhor jogador português de todos os tempos. Aproveite-as, trabalhe e nunca seja vaidoso.»
Isto foi o que disse o sr. José Travassos ao querer ser amável comigo, lembra-se? Como sou muito novo e estou a começar a minha carreira, naturalmente ele disse aquelas coisas só para me estimular. Mas vou aproveitar o estímulo e vou trabalhar a sério, para vir a ser alguém. Não quero vaidades. Quero ser um homem, e quero dar muitas alegrias à minha Mãe Elisa.
Eusébio da Silva Ferreira

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