Gungunhana (1891), provavelmente o régulo mais famoso da História de Portugal |
Quando Mia Couto tinha olhos de menino, os olhos que agigantam o mundo, um dos
seus manos costumava chantagear os pais e os irmãos para dar satisfação às suas birras: dizia-lhes que fugiria para Inhaminga.
“Inhaminga situava-se numa inatingível bruma, era o lugar mais longínquo que nós, nascidos e vividos na Beira podíamos imaginar. (…) Quarenta anos depois regresso a esse percurso de encantamento. A primeira impressão quando fazemos essas incursões no passado é sempre de que o mundo ficou mais pequeno. Aquilo que eu retinha como grandes estradas de areia sempre foram, afinal, estreitas picadas. (…) À noite, conto ao régulo a história do meu irmão, usando Inhaminga como chantagem emocional. O homem ri-se. Depois, uma certa melancolia invade o seu rosto magro. Então, Evaristo Faife diz:
- Seu irmão tinha razão: isto aqui é mais longe que o estrangeiro.
- Não é verdade. Então não estamos aqui, juntos?
- Sim, mas quanto tempo demorou para que o senhor voltasse aqui?”
(Mia Couto, 2010. Pensageiro Frequente, pp. 85-88. Editorial Caminho)
Mia Couto calou-se ao ouvir isto. Eu também me calei ao ler
estas palavras. Confesso que não consegui evitar que me viesse ao pensamento,
outra vez, o Eusébio (moçambicano de um bairro periférico de Lourenço Marques) e a “homenagem” que Mário Soares lhe fez quando evocou, no dia da morte do fantástico jogador de futebol, a
sua “sem cultura”. É que me perguntei se a cultura de Mário Soares (muito mais parecida com a minha do que a de Eusébio) nos propicia
a oportunidade e as condições para pensarmos desta maneira. Que questionamento
notável, o do réculo! Quando o homem consagrado pela Cultura, Mia Couto –
felizmente, humilde pessoa, amante do contacto pessoal -, tentava simbolizar a
proximidade dos afetos por oposição à distância geográfica. O pensamento do
extraordinário régulo apanhou, desprevenido, o escritor, no seu próprio
terreno, jogando em casa…
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