Hoje conheci uma princesa ciganita (21 de setembro de 2013, sábado)
Hoje, a
seguir ao almoço, fui visitar o meu neto nigeriano, que recupera ansiosamente
de um osso partido no pé direito. Ansiosamente porque veio para cá atrás do
sonho de vencer no futebol e este contratempo põe neste momento em causa a
possibilidade de poder continuar no nosso País.
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Ali encostado à porta aberta do carro, à espera, vi vinda da zona em que o meu neto desapareceu, uma menina, uma ciganita, que desceu o breve lance de
escadas que ele também teria de descer para vir ter comigo. Trazia dois sacos de plástico volumosos, um
em cada mão. Ambos cheios de lixo. Quando passou por mim olhou-me bem olhado;
eu já estava a olhar para ela e continuei a olhar para ela, seguindo-a assim
até ao caixote do lixo. A chegar lá, a menina olhou para trás, claramente à
minha procura. Sorriu quando viu que eu continuava a olhar para ela e ganhou um
jeito um pouco exibicionista no modo como atirou ora um, ora o outro saco de
lixo para dentro do caixote.
A
menina tomou o caminho de volta e foi logo evidente que passaria ali muito perto de
mim. Era uma menina bonita, magrinha, esguia, muito bem proporcionada. Rosto
claro, olhos escuros e cabelo comprido apanhado atrás como é tradição na sua
etnia. Que figura agradável!
Eu
queria meter conversa com a menina, mas o ambiente dos prédios
à volta inibia-me de o fazer. Só que tive muita sorte! A menina quando chegou outra vez ao pé de mim parou e lançou-me um vigoroso e bem sorridente “ – Olá!”.” – Olá!”, respondi eu. “És uma menina muito forte!... Levavas cá cada saco!...” A menina-princesa riu-se, olhou para as palmas das mãos, limpou uma na outra e disse-me, pondo um ar de pessoa séria e com o sentido das responsabilidades, desabafou: - “Agora tenho de ir fazer os trabalhos da escola…” “Ah!... A escola, não é?, já começou a sério, não foi?...” “Sim, já começou…” E antes que eu tivesse tempo de dizer mais qualquer coisa, deixou de olhar para as mãos, que continuava a limpar uma na outra, olhou para mim e perguntou-me: - “Tu não és daqui, pois não?... O que é que estás aqui a fazer?...”
à volta inibia-me de o fazer. Só que tive muita sorte! A menina quando chegou outra vez ao pé de mim parou e lançou-me um vigoroso e bem sorridente “ – Olá!”.” – Olá!”, respondi eu. “És uma menina muito forte!... Levavas cá cada saco!...” A menina-princesa riu-se, olhou para as palmas das mãos, limpou uma na outra e disse-me, pondo um ar de pessoa séria e com o sentido das responsabilidades, desabafou: - “Agora tenho de ir fazer os trabalhos da escola…” “Ah!... A escola, não é?, já começou a sério, não foi?...” “Sim, já começou…” E antes que eu tivesse tempo de dizer mais qualquer coisa, deixou de olhar para as mãos, que continuava a limpar uma na outra, olhou para mim e perguntou-me: - “Tu não és daqui, pois não?... O que é que estás aqui a fazer?...”
Eu já admitia que alguém
pudesse estar algures a controlar-me: que faria ali aquele estranho a falar com
uma miudita do bairro? Pelo menos, - que isso me valesse! - eu estava à vista de toda a gente; e tive o
cuidado de não me aproximar mais da menina desde que ela parara ali à minha
frente.
- “Não, tens razão, eu não sou daqui, vim buscar
um rapaz que está aqui no Pedro Arrupe e vou levá-lo a dar um passeio comigo,
ele é mais ou menos meu neto.” Disse
isto e fiz um gesto bem exuberante a apontar para a entrada do Centro de
Acolhimento para que quem quer que fosse que estivesse a controlar-me pudesse perceber a razão de eu estar ali. – “Onde é que moras?...” perguntou-me a
menina. Achei que era conveniente tomar alguma liderança na conversa e
respondi-lhe: - “Moro longe daqui, moro
nos Olivais e dou lá aulas numa escola.” A menina-princesa arregalou os
olhos, e antes que ela dissesse alguma coisa, eu perguntei-lhe: - “Em que ano andas tu?...” – “Ando no terceiro ano, a minha escola é ali
para trás”, disse-me ela torcendo-se sobre o seu lado esquerdo e apontando
quase a 180 graus para trás de si. – “E
tu dás mesmo aulas?”, perguntou-me ela olhando outra vez para mim. – “Sim, dou, mas para teres aulas comigo, tens
de chegar primeiro ao 12.º ano…” – “Tchiii!...
Ainda falta muito!...”, disse ela. – “Não
te preocupes, vais lá chegar, e se quiseres ter aulas comigo vais à escola que
fica ao pé da Quinta Pedagógica… Sabes onde é a Quinta Pedagógica?...” Sim,
ela sabia, já lá tinha estado. – “Depois,
quando lá chegares, é só perguntares pelo professor de bigode!...” A menina
levou a mão direita acima do lábio superior e esticou ali os dedos indicador e
médio, colando-os como se de um farto bigode se tratasse. Riu-se e comentou,
divertida: - “O professor de bigode?...”
Entretanto,
o KC, o meu neto nigeriano aproximava-se. Ela olhou-o e perguntou-me: - “É este o seu rapaz?...” Não deixei de repara na diferença de tratamento entre o "tu" e o "seu"; já conheço esta transformação, normalmente é de bom sinal. Disse-lhe que
sim e ela afastou-se. Já no patamar do prédio, voltou-se para trás, na minha
direção, e gritou, com o dedo indicador direito bem apontado para mim: - “Eu não me vou esquecer do professor de
bigode!...” Depois disse-me adeus. Eu não qui deixar de lhe responder ao aceno e disse-lhe
também adeus, de braço bem levantado no ar. O meu neto ria-se, comentando que eu já tinha arranjado mais uma
amiga.
Levei,
então, dali o KC até ao Spacio, nos Olivais, ele pediu no MacDonald’s um Sunday
com ananás – ele não se apercebeu logo que o ananás era de São Miguel, dos Açores, ilha que ele, afinal, conhecia já de maneira muito especial; e eu deleite-me com o
meu gelado favorito: Sunday de caramelo, em bolacha, com pedacinhos de amêndoas.
O
encontro com o KC durou cerca de duas horas. Quando o deixei de novo à porta do
Centro Pedro Arrupe, ouvi um grito de gente pequena. Olhei em volta, era a
minha princesa a chamar-me; e lá de longe fez-me ouvir muito claramente: - “O professor de bigode, não é?... Eu não vou
esquecer-me!...” As pessoas que estavam à volta dela olhavam sem perceber o
que estava a acontecer. Eu acenei bem vivamente à menina, deixando que todos me
vissem bem. Ela atirou-me um beijinho e eu atirei-lhe outro. Dei um abraço rijo
ao KC, ele ria-se e abanava a cabeça a dizer mais ou menos assim: - “Avô, arranjas amigos em todo o lado…” – “E que amiga eu arranjei aqui! É uma princesa!...”
E fui
embora dali.