Quando fui, há uma semana atrás, à Biblioteca Municipal da
Horta requisitar o “In Memoriam” de Antero de Quental, a solícita funcionária
porfiou a procurá-lo mas não o encontrou. Desejosa de me ajudar, trouxe-me o “In
Memoriam” de Agostinho da Silva. “Obrigado,
não é este que eu quero, mas tenho muito interesse em levá-lo.” Que engraçado! Logo quando tinha acabado de pôr a atenção nas atas do Encontro em São Jorge sobre Agostinho da Silva! E trouxe mesmo o livro para casa!
Hoje, finalmente, dei-lhe um pouco de séria atenção. Li as
contribuições de Pedro Agostinho da Silva, Maria Gabriela Agostinho da Silva
Rodrigues, seus filhos; do meu querido colega e amigo Inácio Fiadeiro; de
António José Saraiva, autor que leio com olhos de filho-coruja, tudo o que ele
escreve é, para mim, antecipadamente notável; e calhou – pura coincidência,
abrir na página do testemunho de José Hermano Saraiva, irmão do meu “pai-corujado”,
ou “mãe-corujada”.
Por atravessarmos a época cultural-religiosa que
atravessamos – a celebração da Páscoa – chamou-me a atenção que o filho Pedro
fizesse questão de associar a “partida” (como ele se refere ao falecimento de
seu pai) de Agostinho da Silva ao Domingo de Páscoa, em 3 de abril de 1994. “(…)
do Restelo de onde os Navegadores partiram, detendo-se no dia seguinte,
brevemente, na Igreja de Santa Maria de Belém, Mosteiro dos Jerónimos.”
Confesso que não sei se as coisas se passaram assim por
vontade expressa de Agostinho da Silva, ou se porque os vivos lhe quiseram
dedicar, em presença, um derradeiro simbolismo.
Fico com curiosidade em saber um pouco melhor porque
aconteceram assim as coisas na partida de Agostinho da Silva – aliás, preciso
de saber muito mais de muitas mais coisas de Agostinho da Silva – já que, noutra
contribuição do In Memoriam, a do jornalista António de Sousa, é feita aparentemente (o texto está escrito entre aspas) a seguinte citação do Professor Agostinho da Silva, que nos mostra uma certa maneira de estar do autor acerca dos Descobrimentos Portugueses (quer dizer, não são de franca ou orgulhosa glorificação): [o
feito extraordinário das Descobertas] “Sim, prejudicaram Portugal porque passou
a ser fácil enriquecer: Bastava ir pilhar. Toda a gente que não queria fazer
nenhum esforço de trabalho, resolveu mudar de vida e lançar-se a essa aventura
dos descobrimentos, essa empresa estatal dos descobrimentos, e isso levou
aqueles que ficam em Portugal a viver daquilo que colhíamos lá fora, portanto a
não tomar aqui nenhuma iniciativa”.
Quando calhei no depoimento de José Hermano Saraiva, lá
estava a Páscoa outra vez! Num texto de 3 linhas, hiper-sóbrio, denunciando, no
meu entender, o simples esforço de “cumprir um dever”, o mais conhecido
divulgador da História de Portugal, anos a fio, na televisão portuguesa, insinua
um mistério, um simbolismo religioso que, creio, Agostinho da Silva nunca
encomendaria: “Se Agostinho da Silva pudesse comentar a sua morte, diria que esta
ocorreu num Domingo de Páscoa, o dia da Ressurreição. Quando um pensador morre,
a morte passa a ser ilusória. Ficam as sementes do pensamento.” Pergunto-me se
noutro dia qualquer do ano não ficariam, do pensador, as sementes do
pensamento. O misticismo – o dia da Ressurreição - que José Hermano Saraiva
associa à morte do homenageado é o misticismo que o Professor Agostinho da
Silva professava?... Será que alguma vez
Agostinho da Silva se tomou como um “eleito”, predestinado a alguma especial
missão de condução dos homens, ressuscitando ao terceiro dia, como o Cristo
celebrado há tantos séculos? E como “cola” este misticismo com o que cheguei a
ver em alguns dos programas do Professor José Hermano Saraiva, em que me
parecia ver uma pedagogia paciente para quebrar mitos e “ledos enganos” que distorcem a perceção, ou melhor, que alimentam uma certa perceção de nós
próprios, os Portugueses, e da nossa História?a
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