Ao contrário da minha vontade, não pude estar presente na Moagem, no Fundão, no lançamento do livro do "nosso" Padre José Lambelho. Entretanto, com a benevolência e a amizade da dr.ª Maria Antónia Vasconcelos, representante da editora Estrela Polar, pude saudar o Padre Motard, com uma mensagem escrita, que foi lida na sessão por um velho companheiro de aventuras da nossa escola, o agora Comandante da GNR, João Figueiredo.
Com a devida autorização do Padre José Fernando, aqui vos deixo a mensagem que o João Figueiredo leu:
"O primeiro contacto que tive com o Padre José Fernando não foi com a sua pessoa, foi com a sua amizade e com a sua entusiástica força de viver. Mais espantado fiquei com esta força porque tão depressa fui tocado por ela, tão depressa fui informado que o Padre José Fernando era um homem condenado por uma doença irremediável.
É fácil vermos uma criança seduzida pela atenção, pelo carinho, pelo sorriso e pelas palavras amáveis e elogiosas de um adulto, de mais a mais, um adulto que é padre, que é motard, que veste um casaco de cabedal, que aparece na televisão e que arrasta multidões de gentes e de motas magníficas atrás dele. Só que esta criança era uma criança especial, daquelas que também têm alguma coisa de mágico, espalhando vida, espalhando sonhos, ambições e entusiasmos à sua volta. Por isso concluí que o Padre José Fernando teria mesmo de ser uma pessoa especial.
Pouco tempo depois, na escola onde dou aulas, o sonho concretizado a partir do esforço coletivo investido num concurso nacional, pôs-me a caminho de Estrasburgo com colegas e alunos para que estes pudessem ver o seu trabalho consagrado no Parlamento Europeu. À saída do País, na Guarda, constatei que a inquebrantável amizade que os laços fortes da juventude sempre geram ligava, também, mesmo que com a distância de mais de 30 anos, o Padre José Fernando a um dos meus colegas professores participantes na viagem a Estrasburgo. Pela segunda vez, o Padre José Fernando surgia na minha vida social e despertava em mim afetos intensos, agora a partir da presença viva desta amizade de mais de 30 anos entre dois velhos colegas de escola.
Às escondidas, logo mesmo ali, ainda a ver a Guarda atrás de nós, lancei-me num segredo e numa jura com a tal criança, um rapazinho fantástico, amigo do nosso padre: nós os dois congeminámos que os adolescentes seminaristas Lambelho e Acúrcio se reencontrariam muito em breve. Assim o pensámos, assim o fizemos. Foi um acontecimento humano muito rico e muito intenso. Até o conseguimos documentar muito razoavelmente, com uma máquina de filmar discretamente apontada a partir de um canto da entrada de uma pequena sala de espetáculos de uma povoação dos arredores de Lisboa.
Foi nessa altura que conheci a pessoa do Padre José Fernando. Logo aconteceu ele e eu tornarmo-nos aliados na mesma luta, pela saúde, pela vida, pelo bem-estar. A afinidade que nos juntou não tinha a ver apenas com o nome. De algum modo, pudemos espelhar-nos um no outro nas ameaças que as doenças prodigalizam à saúde e à vida.
Hoje, estou em condições de depor as mãos onde quiserem que eu as junte para testemunhar a inteira verdade do que passo já a dizer:
- O exemplo do Padre José Fernando, na evidência pública que a condição da sua saúde pessoal o mantém, não é a repetição do exemplo do Papa João Paulo II, que suportou estoicamente todo o sofrimento que a vida lhe trouxe nos seus últimos anos de vida;
- O esforço do Padre José Fernando não é o esforço fantasista, qual fuga para a frente, do doente que nega a sua condição clínica e procura vencer, pela magia ou pela rebeldia, a inexorabilidade do destino que as metástases traçam.
- Isso sim, o esforço do Padre José Fernando é o esforço intenso e dominado de quem olha de frente para a sua doença e escalpeliza todas as oportunidades de saúde; solicita a firmeza dos médicos e estimula-os a arriscarem um cuidado clínico – novo ou renovado -, onde o cardápio de tratamentos possíveis não mostra mais soluções; sensibiliza os serviços hospitalares para os procedimentos clínicos oportunos, amigos da saúde. Na pessoa do Padre José Fernando, a máxima do “Enquanto há vida, há esperança”, não é apenas um consolo feito de muita fé. É, isso sim, um exemplo tremendo de lucidez pessoal empenhada.
Fernando Pessoa deixou-nos o poeta fingidor que chega a fingir a dor, a dor que deveras sente. Não tenho dúvidas nenhumas que a doença que condena os homens está baralhada com o doente em que o Padre José Fernando se tornou. Já não sabe onde ele sente ou “des-sente”, onde ele dói ou onde ele tenta vencer a doença.
Hoje seremos todos muito amigos e solidários com o Padre José Fernando. Mas, na nau da sua vida, é mesmo ele que vai à proa, é ele que puxa o vento que agita o pano, é ainda ele que vai ao leme.
A gente olha-o e espanta-se com ele. Tão pregados ficamos com a sua força admirável que tantas vezes deixamos por fazer o que tanto bem lhe faria: tocar-lhe os ombros num abraço; mesmo em silêncio lhe mostraríamos o quanto estamos com ele.
A Vida precisa do exemplo do Padre José Fernando! De alguma forma, viver como ele vive, é viver no fio da navalha, tensão que ele todos os dias transforma segundo uma fórmula que ele apurou com a sabedoria que se alimenta da experiência feita: "O dia de Hoje, era o dia de Amanhã, que eu Ontem tanto temia!..."
Querido amigo, consegues sentir, aqui de longe, o abraço do jovem José Geadas, do velho amigo Acúrcio e deste teu homónimo?
Força, hoje e sempre! Vá, não te esqueças, põe aí de lado três exemplares do teu livro, autografado com curvas de letras bem elegantes… e também alguma acelerada vertigem."
Um beijinho de parabéns à jornalista Rosa Ramos pelo papel decisivo na realização de este precioso documento biográfico!
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