Nas televisões, no chamado horário nobre, à noite, quando é de esperar que a família esteja toda reunida em casa, TAMBÉM passam programas interessantes, ao lado de outros que claramente o não são.
O concurso "Uma canção para ti" é um programa que me parece estar no fio da navalha, ali mesmo na fronteira muito estreita entre um bom programa de entretenimento familiar e um programa (mais um!) de exploração comercial desonesta da alegria das crianças e da ingenuidade das famílias.
Ontem calhou, em Coimbra, entrar numa grande superfície comercial para uma compra de conveniência. Quando cheguei à caixa de pagamento, enquanto esperava a minha vez, olhei a prateleira das revistas que ali estava mesmo à minha frente e em duas delas vi fotografias do pequeno David Gomes a ocupar quase toda a capa, e noutra a fotografia dele também lá estava, só que bem mais discreta.
O David é um rapazinho que me tem encantado - e tem, pelos vistos, encantado muita gente por esse País fora - com a sua voz, as suas interpretações musicais, a alegria contagiante do seu sorriso aberto e a expressividade artística do seu corpo, no concurso dominical da TVI, "Uma canção para ti".
Foram certamente um sonho e um prazer de criança que o levaram ao casting, primeiro e ao palco, depois. Na sociedade que inventámos, ele tem direito a esse sonho e a esse prazer. E a todos nós que pululamos à sua volta cabe a responsabilidade de o educar convenientemente; ou de o respeitar na verdura dos seus anos.
É isso mesmo: à comunicação social cabe TAMBÉM o dever de o educar ou de o respeitar.
Imagine-se, pois, o rapazinho, ali, no meu lugar, a ver as suas fotografias, legendadas por estes títulos, respectivamente nas revistas "Ana", "TV guia" e "Maria":
- Menino de ouro não consegue ser feliz, vencedor antecipado provoca revolta
- Racismo na família, "O Sr. José Luís (avô de David Gomes) é um racista!"!
- David Gomes, Mãe proibida de falar
O mais pequenino lamento - um eufemístico lamento - que aqui posso deixar vem-me da memória dos versos de Augusto Gil: "Mas as crianças, Senhor, / Porque lhes dais tanta dor?! / Porque padecem assim?!"
Ou o versículo bíblico, que cito de cor, também na fronteira entre o literal e o metafórico: "Fala, ancião, porque isso te compete. Mas com discrição, não perturbes a música."
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