Um dia, ao sair da escola, ia eu a caminho de casa, um aluno meu – que muito me estima, e que eu muito estimo – gritou-me, do outro lado da rua: - Setor, não tem vergonha?... Um professor a andar à pobre?... a ir a pé para casa?...
Sorri para ele, acenei-lhe e gritei-lhe um comentário qualquer, de circunstância.
Mais recentemente, ao sair de casa, à pobre, a caminho da escola, uma vizinha dos meus pais chamou-me e parámos a falar um com o outro. Curiosamente, paráramos ali mesmo à porta da casa deles.
- Os seus pais, Fernando?... Como está o seu pai?...
Respondi-lhe o que eu me habituara já a responder, todos os dias, tentando, apesar de tudo, dizer qualquer coisa que não soasse a cassete repetida e, no mínimo, respeitasse a atenção que assim as pessoas dispensavam sentidamente aos meus pais. – Está fraquinho – dizia-lhes eu – mas está a tentar aguentar-se. Está junto à filha, que não o larga. Assim está bem.
Mal sabia eu que, mesmo que incipientemente, estava já a seguir o exemplo do nosso pai, como comprova o comentário que a nossa vizinha logo de seguida me fez. Disse assim a senhora: O seu pai faz-nos falta, sentimos a falta dele. Quando o víamos, ele tinha sempre qualquer coisa para dizer, não era só os bons-dias, não era só cumprimentar as pessoas. E o que dizia tinha a-propósito. Sabia-nos bem. Agora sentimos a sua falta aqui no bairro.
Isto teve para mim tal significado que, imediatamente depois de me afastar da senhora, peguei no caderno de apontamentos que sempre me acompanha e registei aquelas palavras sinceras, claras e nostálgicas. Não queria esquecê-las, nem deturpá-las.
Quando retomei o caminho para a escola, pude tomar claramente consciência de alguns valores que sempre pautaram a vida do nosso pai, desfiando, naquele rotineiro caminho de todos os dias de aulas, lembrança atrás de lembrança, todas aquelas que tiveram tempo de me ocorrerem ao pensamento: acima de todos esses valores, tinhas, querido pai, o valor da família, o valor da vizinhança e da cordialidade social, bem patentes no comentário muito sentido daquela nossa vizinha.
Andar à pobre… pois é…
Outra lição que tu nos deixas, a lição da profunda riqueza humana de quem anda a pé: a riqueza do encontro.
Quero, cada vez mais, andar na vida como tu andavas, pai, a pé, ou à pobre, tanto faz, a espalhar cordialidade e bem-estar à minha volta, como tu sempre fizeste.
Descansa agora na paz que mereces. Confia que continuaremos a seguir os teus exemplos e as tuas lições de vida.
Perdoa-nos os nossos desencontros e desentendimentos. Perdoa-nos as vezes que te deixámos triste connosco. Sabemos que sempre tiveste muito orgulho nos teus filhos. Sabes que podes continuar a ter.
O Natal é a festa da família. Tu fazias da família a tua ocupação e a tua preocupação durante o ano todo. E na família estavam também os teus vizinhos e os teus amigos.
Todos nós estamos muito gratos pelo grande Natal que sempre nos deste.
Bem-hajas! Obrigado, pai querido!
Gostamos muito de ti!
Até sempre!...
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