terça-feira, junho 09, 2015

Falar nem sempre é dizer palavras.

Falar nem sempre é dizer palavras.

Isso sim, muitas vezes, falar é sentir as palavras que nos percorrem a mente ao ver, ao ouvir - no fundo, tomar consciência do que nos desperta os sentidos no instante que estamos a viver; assim simplesmente, ao lado de quem connosco está e nos deixa assim estar,  nos dá espaço relacional para fazer tão simplesmente isso: sentir os sentidos, tomara consciência deles e procurar as palavras que tornem comunicáveis os nossos sentimentos e os nossos pensamentos ao Outro, ao nosso interlocutor.
Tenho a crença de que, se calhar, é isso que eu sei fazer de melhor na minha prática clínica; e nas aulas tanto insisto com os alunos para que parem e pensem!
Seguramente o precioso relato de Alice Vieira explica muito melhor que eu quero dizer com todo o palavreado que acabei de produzir. A escritora tinha acabado de citar João dos Santos que dizia que "falar é deixar que os silêncios falem". (1)
«Mas onde está o silêncio de hoje?
Há dias sentei-me com a Isabel [a neta mais pequena] a uma mesa do El Corte Inglês. Eu estava a acabar um texto que tinha de mandar para o jornal e, como normalmente fazia com os irmãos dela quando eram pequeninos, levava a mala cheia de lápis de cor, e marcadores, e caderninhos, e um puzzle miniatura, e bonequinhos dos Estrunfes, herdados de outra geração, tudo para eles se distraírem numa emergência. Coloquei tudo em cima da mesa mas a Isabel, recostada na cadeira, não parecia muito decidida a pegar fosse no que fosse.
 - Queres fazer um desenho? - A Isabel abanava a cabeça.
- Queres brincar com os Estrunfes? - A Isabel abanava a cabeça.
- Então o que é que queres fazer, enquanto a avó está aqui a trabalhar?
Deu um suspiro muito fundo, daqueles em que ela é perita quando quer dizer, mas não diz... - "coitada, não percebe mesmo de nada..." - e murmurou, na sua voz sempre calma:
- Quero olhar para as pessoas.
E lá ficou, a olhar para as pessoas.» 
(1) Repito-o muitas vezes que, um dia, na última sessão de psicoterapia muito bem sucedida a um rapazinho encoprético, que no rosto dava sinais claros do advento da puberdade, ele, na expressão da sua gratidão me quis dizer porque ele e outros colegas seus tanto gostavam de estar ali comigo: é que eu não os enchia de perguntas e deixava-os estarem ali pensar.  


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