No dia 23 de Junho de 1915, ele escreveu a seguinte carta a Armando Côrtes-Rodrigues (1):
Lisboa, 23 de Junho de 1915.
Meu caro Côrtes-Rodrigues:
É uma circunstância violenta e aflitiva. V. pode emprestar-me cinco mil réis até ao dia 1do mês que vem (1 de Julho)? É aflitivíssimo [sim, é isso mesmo: aflitivíssimo] o caso, creia. E o pagamento é pronto e certo no referido dia 1, se não for antes, o que pode acontecer, mas não prometo.
Armando Côrtes-Rodrigues
Se v. me pudesse fazer isto! Valia-me numa conjuntura em que não tenho ninguém para quem me vire. Era questão de uns dias; nem eu — desde o que v. já me explicou sobre a sua situação — lhe faria partida alguma, ou seria capaz de lhe dizer que lhe pagava em determinado dia, se me fosse impossível fazê-lo. Se v. puder, não deixe de me fazer isto!
Não estarei no escritório amanhã senão tarde. Mas, vindo v. cá e deixando-me em envelope a quantia, ser-me-á entregue fielmente quando eu chegue.
Não me julgue indelicado por lhe pedir, ainda por cima, que venha aqui ao escritório e, mais, dizendo-lhe que talvez eu não esteja. É que tenho coisas inadiáveis de que tratar e não poderia marcar horas e lugar mais conveniente onde encontrá-lo. Desculpe.
Veja se me pode fazer isto, sim? É só por estes 5 ou 6 dias. Decerto que poderá ser.
Seu mt.º am.º e grato
F. PessôaHá registo que no dia 26 ele voltou a escrever ao amigo. Assim:
Noite de 26-6-1915.Segundo a nossa fonte, esta segunda carta alude «certamente, à resolução do problema de dinheiro que motivara a carta de 23 do mesmo mês.»
Irmão em pseudo:
Saberás que hoje, pelas 6 horas da tarde, inesperadamente, tudo se resolveu.
Eu nada já esperava, como sabias, e eis que de repente uma porta se abriu nas ocorrências, mesmo defronte do meu Desejo.
Um astro benéfico talvez transitando um ponto vital do horóscopo? Verei se assim foi. Saúdo-te.
Fernando Pessôa
A fonte é o volume "Correspondência, 1905-1922", edição de Manuela Parreira da Silva, da Asírio & Alvim, 1999, p. 165-6.
Pronto, a crise financeira de Fernando Pessoa, ao contrário da nossa, foi de pouca dura; só que ele teve muitas crises assim...
(1) Noutra carta, de 24 de Fevereiro de 1913, a Álvaro Pinto, Pessoa chama a atenção ao seu correspondente, que é Côrtes, não é Cortês.