O calendário "Celebração do Tempo" para 2013, das Edições Paulinas, também assinala este Dia, celebrado a 12 de fevereiro. No ano passado, celebrou-se a 13.
Pelo menos no ano passado (ou até ao ano passado, desde que terá sido instituído) celebrou-se, por um organismo das Nações Unidas, o DIA CONTRA A UTILIZAÇÃO DE CRIANÇAS-SOLDADO (http://www.un.org/disarmament/content/news/day_against_use_of_child_soldiers/?lang=en).
Estranhamente, este ano, não aparecem menções oficiais. Em tudo o que pude consultar na Internet não encontrei, nem em jornais, nem em "sites" de instituições oficiais, nacionais e internacionais, menção a esta celebração-aviso, exceto aqui, a fazer referência a informações de 2010.
Bem... não se deve tratar de uma brincadeira, perdão!, de uma omissão de Carnaval.
Na lista dos Dias celebrados pelas Nações Unidas, este Dia - pelo menos neste ano - não é assinalado (http://www.un.org/en/events/observances/days.shtml)
Bom, resolvi não deixar de falar desta celebração. Se estou a pecar ou a errar, atendendo ao que se trata, prefiro fazê-lo por excesso em vez de o fazer por defeito.
Proponho, então, a revisita a este texto, tendo também na cabeça o enredo secundário do filme "Diamantes de Sangue", que segue paralelamente ao enredo principal, que mostra o processo de endoutrinação de crianças-soldado.
DNGENTE
"O pior foi lembrar tudo sem as drogas"
por
PATRÍCIA VIEGAS09 junho 2007Comentar
(http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=659040&page=-1)
Ishmael Beah sabe que é um rapaz com muita, muita sorte. É um dos poucos ex-meninos soldados da Serra Leoa totalmente reabilitados. Teve a oportunidade de estudar e de voltar a fazer parte de uma família. Hoje consegue conviver com o passado e faz questão de usar a sua sorte para ajudar outros como ele e chamar a atenção do mundo para o uso de crianças em conflitos armados. "O que fiz com a minha sorte foi lançar uma fundação com o meu nome que ajude as crianças e escrever um livro com a minha história", conta numa entrevista ao DN, com o ar cansado de quem termina em Portugal um mês de promoção editorial por vários países da Europa. No livro, Uma Longa Caminhada: Memórias de um Menino Soldado, conta como viveu uma infância de Kalashnikov ao ombro, matando pessoas, roubando, drogando-se para não sentir.
"A combinação das drogas [marijuana e cocaína com pólvora] dava- -nos muita energia e tornava-nos violentos. A ideia da morte nunca me passara pela cabeça e matar tornou-se tão fácil como beber um copo de água. A minha mente não só parou durante a primeira morte, como também parou de sentir remorsos, ou pelo menos assim pareceu."
Esta é uma das muitas descrições que Ishmael faz no livro, para explicar como passava os dias depois de ser recrutado à força pelo exército, quando tinha apenas 12 anos. O seu inimigo principal eram os rebeldes da Frente Unida Revolucionária (RUF) que, disseram-lhe, tinham matado os seus pais e irmãos. "Os nossos recursos vinham da luta com os outros grupos. Nós atacávamos quem tinha armas, drogas, comida ou potenciais recrutas", conta num luxuoso hotel lisboeta, enquanto autografa um caixote de livros.
Após três anos de luta, foi resgatado por funcionários da UNICEF. "Não sei que tipo de acordo tinham com o exército para que eles deixassem ir crianças como eu. Talvez o facto de saberem que um dia a guerra iria acabar e eles iriam querer beneficiar de uma amnistia", diz, esclarecendo ser apenas uma hipótese. Quando chegou ao centro de reabilitação de Freetown, a capital, comportava-se como um delinquente, agredindo funcionários e vendendo na rua o material escolar.
No início pensou em voltar. "A lavagem cerebral funcionava tão bem que eu não via mais nada. Estes grupos eram como a nossa família depois de a nossa família ser morta." Não suportava ouvir que a culpa do que aconteceu não era dele. "Nós sentíamos que éramos soldados e dizerem-nos isso, na altura, era quase como um insulto. Era estarem civis a dizer que afinal nós não tínhamos o poder que pensávamos."
O momento mais difícil da reabilitação, lembra, foi a desintoxicação. "O pior foi lembrar-me de tudo sem as drogas. Foi muito duro sentir a dor e tomar consciência plena daquilo a que havíamos pertencido e das coisas brutais que tínhamos feito." No livro lembra alguns episódios: "À noite, alguns acordavam com pesadelos, a bater com a cabeça nas paredes para expulsar as imagens que continuavam a atormentar mesmo quando já não estávamos a dormir. Os auxiliares estavam de guarda para controlar as explosões. Mesmo assim, todas as manhãs alguns eram encontrados escondidos nas ervas junto ao campo da bola."
Foram vários os dias que passou no hospital de Freetown, onde na altura a guerra ainda não chegava, acabando por travar amizade com uma enfermeira, Esther, que lhe emprestava o walkman para ouvir cassetes de música rap e reggae. O tio, que desconhecia ter, acolheu-o e incentivou-o a ir falar nas Nações Unidas. Apesar de só acreditar que estava realmente em Nova Iorque quando recebeu um telefonema em que Ishmael contava que tinha visto coisinhas brancas a cair do céu.
Foi nesse encontro de crianças vítimas da guerra que travou conhecimento com Laura Simms, contadora de histórias de profissão, que lhe enviaria dinheiro para Freetown e o ajudaria a fugir, primeiro para a Guiné Conacri, depois África do Sul, Costa do Marfim e, por fim, Nova Iorque. "Esta é hoje a minha casa longe de casa. Eu saí da Serra Leoa em Setembro de 1997 e cheguei aos EUA em Junho de 1998", explica Ishmael, hoje com 26 anos, filho (único) adoptivo de Laura.
"Ela não queria que eu voltasse para a guerra e ajudou-me. É por isso que acho que tive sorte. Muitos dos meus amigos que voltaram não sobreviveram e outros tiveram de ir novamente para a reabilitação", conta, acrescentando que os programas "podem ser melhorados para se adaptarem ao trauma de cada pessoa e oferecerem oportunidades para ajudar a refazer vidas. É óbvio que no início há erros. No entanto, eu apoio estes programas de reabilitação como o da UNICEF".
Apesar de quase não fazer referências ao contexto político no livro, "porque queria mostrar como as pessoas que menos têm que ver com a política eram as mais severamente afectadas pela guerra civil", o ex-menino soldado serra-leonês formou-se em Ciências Políticas. Aceita, por isso, falar do pós--guerra e do futuro dos países africanos. " É positiva a prisão de Charles Taylor [antigo presidente da Libéria acusado de crimes de guerra por armar as milícias da Serra Leoa com o objectivo de explorar os diamantes]. Mas é preciso fazer muito mais para que seja criado um efeito dissuasor."
Questionado sobre o que a Europa poderia fazer no sentido de ajudar África a desenvolver-se e a evitar genocídios ou o recrutamento de menores para conflitos armados, enumera três aspectos: "Não vender armas a estes países, não deixar os líderes corruptos ter contas em bancos europeus, instalar a indústria ligada à exploração de matérias-primas como os diamantes nos próprios países, criando emprego em vez de ir apenas lá explorar." Numa frase resume o que é preciso: "A vontade política é a solução em si mesma."
A noção de que é preciso fazer mais, muito mais para lutar contra a indiferença com que o mundo olha para África e para os seus mortos, leva Ishmael a endurecer o tom. Numa conferência, em Paris, afirmou que não participaria noutro evento do género com as mesmas pessoas, caso não cumprissem as promessas. "Não vamos desperdiçar tempo", diz, ensaiando uma expressão irónica e realçando, porém, aspectos positivos como a libertação das crianças-soldado no Chade. E remata: " O mais importante de tudo é não desistir, porque senão acontece o pior, que é cair no esquecimento das pessoas".
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