Hoje falei assim na Escola, na sessão comemorativa do Dia da Europa e da Educação Intercultural, em que estiveram presentes a Senhora Alta-Comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural, o Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais, dois amigos do S.O.S. Racismo e alguns dos meus queridos alunos e colegas da Eça:
Eu, abaixo-assinado, declaro, por minha honra, serem verdadeiras as afirmações que a seguir apresento:
· Que eu, nascido no Oriente, português da China, da antiga Macau, fui a Madrid de 16 a 22 de Abril passado com a incumbência de representar a portuguesa Escola Secundária Eça de Queirós no 4.º Encontro do projecto de Educação Intercultural PLURALIA;
· Que fui acompanhado pelo professor e colega Onivaldo Dutra, brasileiro de língua e nacionalidade; pelo aluno da escola Alexandru Marius Casota, romeno de nascimento, nacionalidade e língua;
· Que a colega Dolores Fonseca, nascida no lugar das Falcoeiras, freguesia do Montoito, concelho do Redondo, filha de pai e mãe nados e criados no mesmo concelho, parecia ser o único professor da comitiva lusa digno representante do velho húmus viriático que definiu há séculos as fronteiras portuguesas da ibérica península;
· Que o grupo de 19 jovens do grupo de teatro que connosco foi, todos alunos da escola, era maioritariamente de origem étnica e cultural africana, de tantos países quantas praticamente as colónias que um dia Portugal teve em África;
· Que fomos recebidos numa escola madrilena em que a colega professora responsável do PLURALIA em Espanha é argentina de nascença e de infância;
· Que os alunos que maioritariamente conhecemos na escola são africanos e americanos do sul, praticamente desconhecidos em Portugal, já que os africanos de Espanha são brancos, ao contrário dos nossos, que têm vincados matizes de castanhos brilhantes e sedosos nas suas peles; e os americanos do sul de lá, da Espanha, não dançam o samba nem falam o português do Brasil que os americanos do sul de Portugal falam; e – dizem os espanhóis nativos de Espanha – nem falam espanhol, o que é claramente uma demonstração de dificuldades auditivas dos espanhóis de Espanha, porque para nós, os portugueses, aqueles seres tão sorridentes com a nossa presença, de tez e perfil inca e azteca evidentemente falam espanhol!
· Que, quando preparava à noite a entrevista a que iria sujeitar-me no dia seguinte na escola, topei, no meu computador, com as fotografias que, no fim-de-semana anterior, tinha tirado em Coimbra, à frente da Igreja de Santa Cruz, em que, quando abordava um jovem ardina para lhe comprar o velho Borda d’Água, ele, ainda antes de me dar atenção, se virou para o outro ardina que a ele se juntara e perguntou-lhe “Tu não és português, pois não?”, e o outro respondeu “Não, sou romeno”. Quando depois o “meu” ardina ficou sozinho face a face comigo, e eu lhe perguntei “Tu não és português, pois não?”, ele me respondeu “Não, sou moldavo…”
· Que, quando a colega Olga me apresentou aos alunos que me iriam entrevistar, não quis deixar de saudar o aluno da turma que tinha acabado de ganhar um prémio internacional de Matemática. Quando todos olhámos para o jovem que ela acabou por apontar, vimos uns lindos e bem altos olhos em bico de um rapazinho cujas feições não deixavam quaisquer dúvidas, apenas traídos por um agradecimento em espanhol escorreito;
· Que, quando com este rapazinho falei no fim da entrevista, ele me confidenciou que nunca tinha estado na China, e – ao contrário de mim, que fui lá nascer para não ser chinês – nem sequer lá tinha nascido. Mas ele era chinês de nacionalidade.
· Que fiz a minha última intervenção numa reunião espontânea em que, numa escola espanhola, um professor português falou em francês e portinhol com uma vintena de alunos romenos que naquela escola estudavam; e que me perguntaram o que é que eu achava das mulheres romenas;
· Finalmente que, ao jantar festivo de despedida da última noite, depois do discurso da praxe do director da escola de Madrid ser traduzido do espanhol para a língua oficial do PLURALIA, o francês, um rapazito aluno daquela escola de hotelaria, com quem eu tinha metido conversa mesmo antes do jantar começar, e que estivera todo o tempo do jantar em aula, servindo-nos, levantou o braço direito, pediu licença para falar (assim se afastando completamente do rigor quase protocolar que a farda que vestia o obrigava) e ofereceu-se para traduzir o discurso do director da escola para português. É que o pai dele era espanhol, mas a mãe era portuguesa transmontana, de Bragança, e tinha-lhe ensinado a língua que conhecia e que amava.
Por serem verdadeiros todos estes factos relatados sobre a Europa, que assim me recebeu na semana supra identificada, numa exasperantemente chuvosa capital madrilena, vai esta declaração por mim assinada e autenticada com a memória saborosa guardada no pensamento e nos corações daqueles que comigo em Madrid estiveram e dos quais eu fiquei muito grato e orgulhoso.
A todos os que hoje aqui vieram e connosco estarão até ao fim da manhã, o meu muito obrigado!
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