#TOLERÂNCIA306 - O LUGAR DA TOLERÂNCIA NO PALCO DAS ATITUDES E COMPORTAMENTOS
Na transcrição que a seguir trago, Miguel Torga, no fundo, advoga em causa própria. Um autor alentejano advogaria as virtudes e as fraquezas dos alentejanos doutra maneira; outro, ribatejano, doutra ainda a propósito dos ribatejanos; e o mesmo fariam outros portugueses do continente ou das ilhas. E não precisamos de sair do pequeno Portugal, nele incluindo os madeirenses, os micaelenses, ou faialenses e os restantes naturais de outras ilhas.
A minha intenção com esta transcrição é chamar a atenção para que a Tolerância e a a atitude tolerante tem também condicionalismos e sustentação que vêm da experiência cultural, a qual, por sua vez, é marcada pela geografia particular e pelo desenvolvimento histórico, político e económico do grupo humano em causa. Neste texto, parece que Miguel Torga diz que os transmontanos são pouco dados à Tolerância, são pouco tolerantes com a Tolerância. Será que é mesmo assim?
Mais do que dizer já "Sim" ou "Não", o que importará à Reflexão e à Educação é a leitura colectiva e a discussão, a tentar-se que nasça a luz. E nasça a luz não tanto da opção pelo "Sim" ou pelo "Não", mas a luz que leva ao aprofundamento das características humanas e dos matizes das diferenças entre grupos culturais, em que se deseja que cada um se sinta bem na sua pele histórica e cultural, senhores de uma identidade gregária que congrega e promove o bem-estar pessoal e comunitário.
«Cruelmente, sem dó nem piedade, levamos dia a dia ao pelourinho os aleijões físicos e morais de cada um. E é um rol infindável de alcunhas por toda a província, sentenças sem qualquer apelo. As deformidades de dentro e de fora recebem o mesmo castigo do cautério inexorável. 'Pé-Tolo', é o sujeito que teve uma paralisia infantil; 'Sobe-e-Desce', o desgraçado manco que anda no chão como um barco nas ondas; 'Pernas de Centeio', o escanifrado com tíbias de gafanhoto. Mas há também o 'Mija-Lérias', o 'Florista' e o 'Padre-Nossos', que são estigmas de misérias mais profundas e doutra natureza: paleio vão, trato social postiço, falsa religiosidade. A espontânea e piedosa compaixão que tais infelicidades despertam não evita o ferrete judicativo. Olhamos os abismos de frente. Magro, o seio que nos
alimentou é uma branca lição de realismo. Por isso, mesmo com lágrimas nos olhos, superem-se as limitações, ultrapasse-se a pró-pria dor. A criatura é uma fome que nem todo o pão do mundo satisfaria. Busque-se, pois, outro alimento. Faça-se na deseroização do transitório a exaltação do definitivo.»A mãe não manda ser um Narciso de virtudes secretas ou de falências toleradas. Ordena vitórias na colaboração, façanhas no meio da praça, no coração das feiras, na sala das assembleias, no cerne dos continentes, nas profundas dos infernos. E cheguem onde chegarem, os filhos cumprem religiosamente este mandato solene que exige o todo pelo todo, a abnegação mais desmedida e a mais teimosa irredutibilidade. Por toda a parte, nas grandes empresas do ideal, está o transmontano, ou à cabeça do rol ou no cortejo discreto mas actuante dos comparsas. É um quixotismo social irreprimível, um zelo pátrio vigilante, um impulso perpétuo para as obras de humanitarismo. Um apostolado que irrompe dum ímpeto pessoal que se expande, misto de fatalidade, orgulho e dever.
»Fiel às suas remotas regalias municipais, conquistadas a ferro e fogo, o transmontano mantém erguida não só a Domus de Bragança, símbolo palpável dessa liberdade de que não abdica, mas também o sentimento agudo duma colaboração fraterna com o semelhante, que aprendeu no comunitarismo do pastoreio, das fainas agrícolas, da transumância das rogas, no desenrolar de toda a vida quotidiana da sua aldeia. Que significa esta casa, e que significamos todos nós aqui, senão a irresistível entrega ao imperativo sagrado de preservação da personalidade, na dádiva constante do melhor que ela tem?»
Este excerto faz parte da conferência "Trás-os-Montes no Brasil", realizada no Centro Transmontano de São Paulo, em 14 de Agosto de 1954, e repetida no Centro Transmontano do Rio de Janeiro, a 16 do mesmo mês. É um dos textos do livro "Traço de União" (2.ª edição revista, de 1969, edição do autor). A releitura vem na sequência de alguns dias da semana passada, em que estive no Douro Vinhateiro, e foi pelo anfitrião, o amigo Barros de Carvalho, aos outros elementos do grupo desses dias.
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