terça-feira, fevereiro 14, 2017

Pensar a paixão, o amar e o namorar com a ajuda de Eça de Queiroz

Um acaso engraçado juntou o Dia dos Namorados ao meu mestre João dos Santos e ao patrono da
"Breakfast", 2015, pertence à série O Primo Basílio, feita a partir do romance de Eça de Queirós
 com o mesmo nomeCORTESIA: GALERIA MARLBOROUGH FINE ARTS, LONDRES
minha escola, Eça de Queiroz.
Na semana passada, uma reflexão de Sérgio Niza pôs-me à procura de um texto de João dos Santos. Já o li - mas que texto! Um dia dele falarei.
A procura, muito difícil, fez-me saber de outro; e nova procura. Chegou-me hoje pelo correio! No Dia dos Namorados. No velho caderno de "O Tempo e o Modo" encontrei três excertos de "O Primo Basílio"!
O caderno de "O Tempo e o Modo" é sobre... precisamente, o casamento! Por isso a minha ênfase ao Dia dos Namorados.
A subir a escada rolante do Metro dos Olivais, a seguir ao almoço - e depois de ter passado a manhã no Tivoli com alunos a assistir ao espectáculo "Europa: que paixão!" (onde, diga-se de passagem, com muito pouco jeito se tentou fazer a analogia do título da peça musical à celebração dos namorados), um antigo e muito querido aluno abanou-me num susto pelas costas. Trocámos um abraço e algumas palavras a saber como vai a vida de um e do outro.
Já a despedida: "Para onde vai, professor, vai para a escola?", "Sim, vou.", "Vai dar aulas?", "Não. Olha, vou escrever uma coisa sobre o Dia dos Namorados.", "Olha o Dia dos Namorados! Oh... pois sim, eu é que estou sempre sozinho...", "Sozinho, é até ao dia chegar, não te preocupes - e já quase a gritar, depois do abraço de despedida -, tantas vezes as coisas vêm quando a gente menos espera." Só não quis foi dizer-lhe "Não te preocupes, não tenhas pressa." É um conselho muito ambivalente, que cada vez mais pais usam com filhos... na casa dos trinta anos!
Voltando ao caderno de "O Tempo e o Modo", se João dos Santos nele escreveu respondendo ao convite-desafio de três perguntas que lhe foram dirigidas na qualidade de psicanalista, Eça, por seu lado, viu-se arbitrariamente escolhido por alguém - que teria dito ele sobre o assunto do casamento se sobre isso fosse directamente solicitado para o fazer?
Ora bem, na minha opinião, no conjunto geral do caderno, publicado em Março de 1968, os excertos - três, todos retirados de "O Primo Basílio - são interessantes, harmonizam-se bastante bem com tudo o mais escrito neste livro extra-colecção de "O Tempo e o Modo".
Vejam lá se o que Eça escreve conserva ou não - tanto no conteúdo como na forma - pleno sentido para os dias de hoje:
É que o amor é essencialmente perecível, e na hora que nasce começa a morrer. Só os começos são bons. Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho do céu. Mas depois!... Seria pois necessário estar sempre a começar para poder sentir?... Era o que fazia Leopoldina. E aparecia-lhe então nitidamente a explicação daquela existência de Leopoldina, inconstante, tomando um amante, conservando-o uma semana, abandonando-o como um limão espremido, e renovando assim constantemente a flor da sensação! (in "O Tempo e o Modo", Extra-colecção, 2.º Caderno, «O Casamento», Março de 1968, p. 183)
Curiosamente, o texto - notável! - de João dos Santos ajuda-nos a entender a vivência destes sentimentos breves, efémeros; paroxísticos, quase - que a intensa e viperina publicidade das sociedades consumistas modernas exploram à saciedade - mas o texto de João dos Santos ficará para outra redacção, que em breve aqui sinalizarei.




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