Assim que entrei na carruagem, no Metro do Saldanha, dei logo de olhos com ele: sportinguista da cabeça aos, a impecável camisola oficial e o cachecol que saúda e celebra os golos.
Encostei-me nas costas do banco do costume, ali aconchegado ao cantinho da porta que não abre, oposta à que usei para entrar. Peguei no livro, fresquinho, compradinho de manhã, de tema candente e leitura apetitosa.
Tocou um telemóvel, e como o som habitual do meu está alterado, reagi ao toque, dando-lhe atenção. Não, não era o meu; era o do jovem sportinguista; e era para falar do jogo entre o Sporting e o Porto, mais logo. Pelos curiosos e complexos caminhos da atenção difusa reconheço claramente a espantosa afirmação: "Se perdermos com o Porto, o resultado já não é mau..." Ainda tentava eu confirmar que tinha sido isso mesmo que tinha ouvido, já o mesmo rapaz desabafava: "Ao menos não tenho que aturar depois aqueles filhos da p*ta, se não forem campeões!..."
Pasmei!... Pasmei mesmo! Como é possível que o entusiasmo clubista seja feito destas "convicções"?...
- Perdoa-lhe, pai, ele não sabe o que diz.
O meu pai foi sempre um entusiástico adepto sportinguista; daqueles que se irritava, nas disputas directas, com as vitórias dos benfiquistas e dos portistas. Agora, consolar-se com as derrotas do seu clube do coração, mesmo que servissem os sucessos dos adversários mais difíceis?!... Nunca! Nunca!
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