Hoje, a edição em linha do Diário de Notícias, traz um texto também muito interessante, do comentador cinéfilo João Lopes, sobre, não o caso de que fala o padre José Borga, mas sobre o fenómeno social em que o caso se insere.
No meu entender, sem conjunto, os dois textos são excelentes pontos de partida para "partir pedra" (há muita pedra para partir!) nas escolas, nas famílias, nas comunidades locais, na comunicação social; e, claro, entre os decisores políticos.
Tudo isto tem a ver com opções, com valores, com prioridades sociais. Com educação; com muita educação! Com a maneira como decidimos tecer as relações sociais (que começam em casa e na escola; com os governos a garantirem condições para que possa haver tempo - e valorização, repito! - para que tais relações aconteçam e deem frutos).
O texto do Diário de Notícias:
A estética do falhanço - Opinião - DN
Há uma narrativa mediática, de raiz televisiva, que nos leva a identificar uma "juventude-YouTube" que, enredada nas ambiguidades do mundo virtual, se compraz em encenar-se através dos dispositivos mais extremados: agredindo, desafiando a morte, morrendo...
É um facto que a imagem não é estranha a tais vertigens, envolvendo mesmo o poder radical de integrar a morte, superando os seus limites (será que já nos esquecemos que nascemos em berço católico?). Em todo o caso, vale a pena questionar a transparência daquela narrativa: será que podemos compreender esta paixão menor pelas imagens "perturbantes" como um mero reflexo das novas tecnologias e suas derivações? Ou ainda: que dizer de um mundo em que, todos os dias, se oferece à juventude o espelho de coisas tão medíocres como Morangos com Açúcar ou de inenarráveis anúncios em que a posse de um telemóvel se confunde com abrasivos êxtases sexuais?
Na verdade, quase ninguém (a começar pela esmagadora maioria da classe política) se mostra disponível para lidar com os valores da nossa cultura dominante. Que cultura é essa? A da celebração da festa obrigatória e da gratificação instantânea, logo de indiferença pela certeza indizível da morte. Não adianta, por isso, demonizarmos as imagens. Elas não são "boas" nem "más". Num mundo dominado pela fealdade das telenovelas e seus derivados, são apenas irrelevantes e intermutáveis. Os jovens limitam-se a prolongar o falhanço estético dos adultos que os criaram. A minha geração, por sinal.
Agora só falta o texto do padre José Luís Borga. Ele aqui está:
"O gosto de ser admirado é, quando não enquadrado numa acção meritória, um enorme risco de morte. Este jovem acabou "toureado" pela estupidez que, pelos vistos, um grupo de "amigos" estava disposto a registar. Deve ter registado mas... fugiu perante a tragédia e no contexto da desgraça. Mais uma prova de que são precisos amigos melhores e... aprendizagem do gosto pela vida! Que a dor destes pais seja remédio para muit (...)!
P.S. - Achega do Francisco Raposo (Obrigado, Francisco!), via Facebook:
A corrida para o vídeo famoso - Opinião - DN
Há limites para anedotas? Alguém, lúcido, disse: "Eu conto anedotas sobre tudo mas não conto é certas anedotas a toda a gente." Não nos rimos de anedotas racistas (e há-as, boas) com racistas. E vídeos? Aí, o critério é mais relaxado. Há dias que Portugal se ri com o Hélio, titubeante ao skate ("sai da frente Guedes!"), descendo uma estrada, lançando uma frase épica ("o medo é uma cena que a mim não me assiste"), cruzando um automóvel e espalhando-se na berma. O vídeo foi visto no YouTube em quantidades maiores que as enchentes do Estádio da Luz num ano, as televisões entrevistaram os pais do Hélio, rimo-nos todos. E, no entanto, o vídeo do Hélio é uma estupidez criminosa que acabou bem. Exemplo de uma estupidez criminosa que acabou mal: António, de 17 anos, foi de madrugada para uma auto-estrada tourear carros. Deveria haver também um Guedes com um vídeo a filmar, mas fugiu, sem coragem de mostrar o atropelamento e a morte do António. Sem coragem, e daí não sei... Talvez ainda apareça no YouTube - e nos online dos jornais - a morte do António. A estupidez das pessoas (e não estou a falar só do grupo do António) é infinita. Aqueles que têm a arma de propagação da estupidez nas mãos - dos grupos de popularização dos Hélios até ao YouTube, passando pelos jornais e televisões - deveriam pensar nos limites. O próximo passo é pôr o vídeo de um garoto a atirar um pedregulho, de uma ponte, para a auto-estrada?