domingo, janeiro 10, 2021

Qual é coisa, qual é ela, que nasce com a Pessoa, a Educação consolida, a Escola abala, a Economia esquece e a Política esmaga?

 POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 2/52

Qual é coisa, qual é ela, que nasce com a Pessoa, a Educação consolida, a Escola abala, a Economia esquece e a Política esmaga?
1) E a resposta é… a Tolerância.
2) Como sempre, um título não diz tudo; e quanto maior, pior. Por isso, há que esclarecê-lo, há que, neste caso, modulá-lo, matizá-lo.

3) Para começar esse cuidado de matização, a definição, circunstancial, de Tolerância: numa conversa com o filósofo Paul Ricoeur, Jean-Pierre Changeux, biólogo e professor de Neurobiologia, enumera-a ao lado da Boa Vontade e da Paciência, depois de a referir a propósito de tentar Compreender — no caso concreto da sua fala, a propósito das religiões.
4) Não vamos complicar a definição de Tolerância, apenas proporei considerar que a Tolerância tem a ver com identificar diferenças, aceitar as diferenças, agir respeitando as diferenças e não tentar, mesmo que cordialmente, convencer os outros que as nossas crenças, as nossas perspectivas, os nossos valores, são melhores, mais justos e mais correctos.
5) No mesmo diálogo, Paul Ricoeur diz assim a propósito do uso da palavra Tolerância: “A tolerância passa, de facto, por diversos limiares: no primeiro limiar, consiste em suportar o que não é possível evitar. Mas, é preciso passar desta tolerância forçada a uma tolerância aceite e escolhida. É do interior da relação com o fundamental que há convicções diferentes da minha. A partir daí, a tolerância já não é imposta por terceiros que me dizem: guarde os seus limites, não vá mais longe; terceiros que, de fora, me impõem um constrangimento. É de dentro que reconheço que há outros diferentes de mim, pensando de maneira diferente da minha. Se assim é, o problema da tolerância ultrapassa a relação da ciência e da religião, abrange todas as convicções. Não é só a ciência que detém a chave do problema da violência entre os homens.”
6) A Tolerância nasce com cada ser humano. Sim, cada vez mais as espantosas experiências “ovo-de-colombo”, que os incríveis estudiosos do comportamento humano conseguem conceber, mostram que é assim; e mostram também outros afectos, outras necessidades e motivações — e confirmam que cada criança que nasce não é um anjo celestial que se junta a outros.
7) A Educação não terá o radical poder que António Aleixo sintetiza dos versos que dizem «Sou apenas o produto / Do meio onde fui criado»; mas tem mesmo muito poder! Tem o poder de consolidar o que de melhor o ser humano traz consigo à nascença, e o poder de amaciar, dominar, o que traz de pior. E Educação é, antes de mais, influência parental e familiar — naturalmente aceite pela criança.
8) A Escola abala. Sim, a Escola passou a aparecer na vida da criança como a primeira — e muito valorizada! — instituição social que influencia o desenvolvimento da criança, sendo até a Família a primeira instituição social a reconhecer, aos olhos da criança, a importância da Escola e do que nela fazem com as crianças e os jovens seus filhos (seus, da Família). Acontece que a Escola actual é marcada, cada vez mais, por objectivos de capacitação livresca, conhecimento fragmentado e competição entre alunos — nunca houve tantos ‘rankings’ como agora, nem prémios de excelência por se ser melhor que os outros; e a Escola põe os alunos a disputarem entre si décimas e centésimas nas suas avaliações escolares finais. A Escola, nos dias de hoje, não é socialmente agregadora, é selectiva e desadequadamente competitiva.
9) A Economia esquece. Para a Economia actual, dominada pela expansão ilimitada, sustentada no crescimento constante e no consumismo permanente, de usa-e-deita-fora, a Tolerância é uma perda de tempo — e Tempo é Dinheiro! Há muito que é assim, e não se vê maneira de deixar de ser.
10) A Política esmaga. Depois da invasão do coração da instituição parlamentar dos Estados Unidos da América do Norte, o Capitólio, é preciso dizer mais alguma coisa? Na Europa, o radical movimento a favor da Tolerância aconteceu no início da década de 50 do século XX, quando os pais fundadores da actual União Europeia ousaram quebrar a lógica tradicional dos vencedores e dos vencidos e inventaram o projecto da Europa Unida — que é feito, nos dias de hoje, desse ideal de Paz, Tolerância e União?
11) Num artigo de opinião, na edição do Público de ontem, o sociólogo António Barreto escreve assim, a propósito da invasão do Capitólio: “Como foi possível? E como se pode evitar que seja novamente possível? Esse é o verdadeiro problema. Gente como esta, programas como este e políticas como esta só são possíveis, em democracia, porque os democratas deixam, porque a democracia tem tantos ou mais defeitos, porque os democratas e as esquerdas se transformam em figuras detestáveis de arrogância e suficiência. Porque os democratas decretam e protegem os seus privilégios e nunca se esquecem de defender os seus.”
12) As interrogações postas por António Barreto obrigam-nos a trazer à reflexão o célebre Paradoxo da Tolerância de Karl Popper; e obrigam-nos a pensar a sério que queremos fazer com a Educação e a regulação da Justiça Social e Política.
13) Por cá, no jardim à beira mar plantado, que tema central tem sido debatido até à exaustão, mas que sem que ninguém consiga dar a volta convincentemente? Precisamente a tolerância com André Ventura e o o partido que lidera, o Chega: aceita-se ou não um dirigente político, ou um partido político assim, num ministério governamental, ou mesmo com primeiro-ministro? É isso mesmo: não se chega a conclusão nenhuma; e porquê? Porque não há uma cultura social e político-social da Tolerância e dos valores afins: a Paciência e a Boa Vontade de que fala Paul Ricoeur; e também a Verdade, a Honestidade, a Coerência e o Respeito Humano.
14) Sim, no meu entender, temos vindo a acentuar nas sociedades — até nas que são geralmente apontadas como os grandes bastiões da Democracia — as reacções e os comportamentos de intolerância, numa triste regressão civilizacional que, na esfera da Religião, podemos equipara ao regresso ao olho-por-olho-dente-por-dente do Velho Testamento bíblico, que, precisamente, o Novo Testamento procurou amaciar e eliminar, substituindo-o pelo Perdão e pela Tolerância.
15) Não termos nós acabado de assistir a uma vitória da Tolerância? Estou a falar dos debates televisivos das eleições presidenciais portuguesas. Quais fora os debates em que se tiveram, como o próprio disse, conversas «porreiras», até com o intolerante/“intolerante” André Ventura? Foram todos os debates com o candidato Tino de Rans. Por todos os outros — e pela Comunicação Social, em geral — considerado uma carta fora do baralho, foi o único que que conseguiu expor, sem interrupções, e sem contraditórios deliberadamente a serem ouvidos por eleitores a arregimentar, as suas ideias, os seus pensamentos, as suas parábolas, a sua cultura simples. Será que a Simplicidade é um valor irmão da Tolerância? Acho que o Tino de Rans mostrou-nos que sim, que é.
16) Tino de Rans teve o condão de pôr todos os outros candidatos a ouvi-lo, todos eles sem duas pedras na mão. Ele é que os motivou com as suas 4 pedras, a fazer lembrar a pedra do viajante que inventou a Sopa de Pedra. E como conseguiu ele isso? Os outros, como sempre o consideraram como não sendo perigoso, dispuseram-se a ouvi-lo — e seguramente todos eles aprenderam com ele! Além disso, mesmo quando contraditou os seus oponentes — e poucas vezes o fez — fê lo sempre com Simplicidade e Tolerância.
17) Ao não o considerarem, com genuína boa-fé, adversário perigoso, os outros candidatos presidenciais, curiosamente, chegaram-se ao sentimento natural, genuíno que nos bebés alimenta os comportamentos de tolerância; e esta, hein?
18) A Política Intolerante é a negação da própria Política. Será possível conceber a Política, em sentido estrito, sem Tolerância? Se não pensarmos assim, que temos nós, afinal, aprendido com a Grécia Antiga que tanto louvamos nas suas realizações e nos seus escritos?

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