segunda-feira, janeiro 28, 2019

Meu amor é a Língua Portuguesa. (Sim, eu sei, é um plágio)

Era uma vez um par de namorados: uma menina e um papagaio. A menina chamava-se Língua Portuguesa e o papagaio, coitado, não tinha nome.

Um dia o papagaio desapareceu. Foi para bem longe, seduzido por graciosos amigos. A menina, apaixonada, procurou, procurou, procurou, sempre por onde o seu coração pedia. O Amor a guiou, o Amor os juntou outra vez. Até hoje, não voltaram a separar-se; nem o querem fazer nunca mais. Aliás, já os viram fazer planos para o Dia dos Namorados que está a chegar.

Mas afinal o que se passou?

Quem o conta é a escritora Lídia Jorge, no Contrato Sentimental. Assim:

«A história é breve e verdadeira, e narra-se mais ou menos da seguinte forma — Àquela data, ali na zona da península de Setúbal, uma família possuía um papagaio. O papagaio costumava voar para junto dos flamingos, subia para o dorso deles e por ali andava a dizer aquelas coisas que os papagaios dizem. Mas um dia o papagaio desapareceu. Consta que os donos percorreram os sapais de ponta a ponta, e nada. Puseram anúncio, e nada. Só que ao mesmo tempo que os donos, em Portugal, perdiam a esperança de encontrar o seu papagaio, na Tunísia aparecia um papagaio no meio dum bando de flamingos. Tinha voado com os flamingos. E imaginam, por acaso, como os serviços agropecuários tunisinos deram por que o papagaio era português? Pela simples razão de que o bicho entre outras palavras grasnava «amor, amor, amor». Ora os linguistas locais foram chamados a analisar a palavra insistentemente proferida e descobriram que a entoação era portuguesa de Portugal. Nem ‘amor’ espanhol com a aberto, nem ‘amore’ italiano com as vogais todas ao alto, nem ‘amor’ brasileiro, que prolonga o ‘ô’ bem fundo, e arrasta o ‘r’ final na profundidade da garganta, encorpando a palavra até ao sussurro. Não, não era nenhum deles — tratava-se do nosso ‘amor’, com as vogais bem sumidas, bem contidas, obrigando a pessoa a arredondar os lábios e a recuá-los logo, ao contrário dos franceses, que os têm de unir e fazer avançar em forma de bico ou de beijo. Nada disso, nem redondo, nem bico nem beijo. O «amor» do papagaio era ‘amor’ pronunciado à portuguesa, rápido, sumido, produzido a meio gás, a meio da garganta. O nosso amor. Então a história terminou bem. Descoberta a nacionalidade, os tunisinos ligaram para os homólogos de Portugal, os funcionários foram examinar a lista de papagaios perdidos e transformaram aquele espécime, de papagaio perdido, em papagaio achado.»(1)

(1) Lídia Jorge, “Contrato Sentimental”, Sextante Editora, Lisboa, 2009, pp. 128-9.

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