Do corpo à mente, da emoção ao pensamento
Em jeito de "axiomas":
- Num texto que escrevi há tempos sobre as ideias de António Damásio, e que o notável neurocientista disse estar em conformidade com o seu pensamento, eu dizia que a emoção é a primeira forma de pensamento.
- Arbitrariamente, olhamos e começamos a falar do desenvolvimento do ser humano a partir do nascimento.
- Sabemos, cada vez mais claramente, que o bebé humano nasce com uma espantosa capacidade de entender e aprendizagem, e de estabelecer laços.
- As emoções acontecem no corpo e são reacções a estímulos que surgem de fora do indivíduo e também de dentro dele.
- O cérebro é constantemente informado por tudo o que acontece no corpo e de tudo guarda registo em estruturas neurológicas pré-estabelecidas.
- Parece que uma das mais radicais diferenças entre o ser humano e os outros animais é a sua capacidade de simbolização - que, no meu entender, se sustenta nessa capacidade que o cérebro tem de recolher informação sobre tudo o que se passa no corpo e dos registos que disso faz.
- Será facilmente consensual considerar que, quando nasce, o ser humano está sob o império da pressão das necessidades básicas ligadas à fome, ao sono, à temperatura corporal e à eliminação fisiológica.
- A sobrecarga (de produtos a eliminar - a urina e as fezes) e a carência (de alimentos, de sono, de calor) fisiológica provoca tensão neurofisiológica, que desperta um sinal de alerta sobre a forma de uma emoção - é como se o bebé "toma consciência" de que qualquer coisa não esta bem consigo.
- Dependente dos cuidados da mãe (ou de quem a substitua), absolutamente dependente, o bebé humano vem instintivamente programado para estabelecer laços - por necessidade, e (pelo menos secundariamente) por desejo; mais, parece que traz consigo competências instintivas fazer despertar nos outros o desejo de se ligarem a ele.
- Ao nascer, a criança reage como se fosse apenas um ser vegetativo, limitado aos processos de assimilação e desassimilação. A sua consciência elementar só conhece dois estados: o de neutralidade e o de incomunidade, quando sente a depleção das vísceras (Wallon), isto é, quando sente sede ou fome. (1)
- Pouco a pouco a mãe introduz, através das várias formas de comunicação - contacto cutâneo, movimentos que executa, alimentos que administra, palavras e carícias -, mais do que o bebé necessita para a sua satisfação fisiológica, algo que dá prazer. (1)
- Na verdade, não é sequer concebível que as relações da mãe com a criança se baseiem apenas em cuidados de ordem exclusivamente vegetativa. O que a mãe introduz a mais na sua relação com a criança, o que ela procura impor-lhe, tem um carácter emocional-afectivo a que pode chamar-se linguagem (comunicação ou linguagem extraverbal). (1)
- A criança aprende o que há de mais fundamentalmente humano - o falar - no contacto com a mãe e de uma forma nada comparável com o que se chama correntemente ensino. A criança fala porque a mãe impregna de afecto e de palavras o ambiente em que vive e porque lhe permite toda a espécie de experiências verbais, desde o grito e do balbucio ao emprego das palavras e frases. A mãe procura ligar os sons que (por imitação ou por acaso) a criança emite aos objectos e às pessoas que a cercam; utiliza todas as formas de sedução para impor à criança o uso de uma linguagem verbal que está na base do desenvolvimento mental do homem. (2)
- É na primeira e na segunda infância que o pequeno ser humano se faz homem, que aprende a jogar com os objectos, sentimentos e símbolos; quando essa experiência fundamental não é possível nessas idades, a inteligência não se desenvolve. (3)
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(2) João dos Santos e outros, “Educação Estética e Ensino Escolar, Lisboa, Publicações Europa-América”, 1966, p. 46.
(3) João dos Santos e outros, “Educação Estética e Ensino Escolar, Lisboa, Publicações Europa-América”, 1966, p. 47.