Cristiano Ronaldo, el-rei D. Sebastião e a espada de D. Afonso Henriques
Cristiano Ronaldo, o “CR7” da“Estou com esperança que este ano vai ser
o ano da selecção de Portugal”[1].
Em frente aos ávidos jornalistas da protocolar conferência de imprensa da
véspera do jogo oficial, o Cristiano Ronaldo respirava serenidade, lucidez e
confiança que apaziguava quem pressurosamente escrevia ou gravava, por todos os
meios possíveis, o que ele dizia. Na verdade, os jornalistas desportivos e os repórteres
das imensas cadeias de televisão vinham gemendo, já nas semanas anteriores, com
intensidade quase catártica, ansiedades e angústias acerca do joelho do “melhor
jogador do Mundo”; e contagiavam leitores e espectadores com ansiedades e angústias
iguais. A preocupação dos profissionais da Comunicação Social adquiriu níveis
de legitimidade jornalística quando, no dia 24 de Maio, CR7 reconheceu,
finalmente, após ganhar a Liga dos Campeões Europeus, que alguma coisa não ia
bem com o seu joelho e que, sim senhor, no jogo que acabara de disputar minutos
antes, tinha forçado o joelho.
O jeito seguro,
convicto, de CR7, na esperançosa conferência de imprensa, já tinha sido especialmente
marcante no jogo do “play off” de
Portugal com a Suécia, que lhe deu a oportunidade tripla – tantas quantos os golos
que ele marcou nesse jogo -, de trazer os dedos indicadores à frente do peito,
apontá-los com determinação poderosa e absoluta ao chão que os seus pés pisavam
e até o mais surdo dos adeptos ouviu e o mais cego dos fanáticos pode ver o que
imperialmente ele dizia: “Eu estou
aqui!...”. E se ele estava ali, como poderia alguém duvidar da vitória da
equipa portuguesa? Se foi assim coma Suécia, por maioria de razão seria agora
no Mundial.
Quantas
vezes os portugueses – não apenas o Cristiano Ronaldo – se viram já nesta
vertigem que nos leva do sonho à decepção, do céu ao inferno, da glória à
derrota, da euforia à depressão?...
Até os
grandes filósofos portugueses (quero puxar da ironia insinuante, mas não sei se
ponha as aspas nos “grandes” ou nos “filósofos”) pensam e ensaiam sobre esta
proverbial característica do homem português: é fado?... é destino?... é
temperamento genético?... é do mar?... é do sol?... é do jardim à beira mar
plantado?...
Não me quero meter por aqui… Eu
não sou grande, nem filósofo. O que sei é que depois da prova real dos factos e
dos acontecimentos, quer queiramos ou não, ficamos – que remédio! - de pés no
chão e reconhecemos que tudo não passou de uma ilusão; que sim, que estávamos a
sonhar demasiadamente alto. Não digo que estávamos a construir castelos na
areia porque eles desfazem-se habitualmente com muita suavidade; usar a imagem
do sonho é pôr-nos a cair que nem Ícaros, brutalmente, a levarmos um grande
safanão! E é isso que nos acontece sempre.
Casualmente,
calhou que – como tantas vezes a gente diz, “nem de propósito!” - cruzasse hoje
o CR7 com o nosso rei D. Sebastião e a espada do mais mítico de todos os nossos
reis, o primeiro, D. Afonso Henriques.
Estou a ler
o volumoso trabalho de José Mattoso sobre D. Afonso Henriques. Hoje cheguei à
página 169. É dessa página que retiro o seguinte excerto:
“(…) O marquês de
Abrantes referia-se ainda ao facto de o pavês de Afonso Henriques ter sido
guardado sobre o seu túmulo em Santa Cruz de Coimbra, juntamente com a sua
espada, pelo menos até ao século XVI. Quando D. Sebastião partiu para
Alcácer-Quibir, pediu aos cónegos regrantes para levar consigo a espada como
penhor da vitória que esperava alcançar. (…)”[2]
Ora cá está ela! A tal proverbial
ilusão: aquilo lá contra os Mouros eram favas contadas! Alguém duvidava que a
os portugueses lá chegariam e venceriam os infiéis? Dizem os miúdos de hoje “depois viraste-te para o lado, caíste da
cama e acordaste, nessa altura é que percebeste que estavas a sonhar, não
foi?...” Pois, D. Sebastião não caiu da cama, caiu do cavalo; e a malta que
estava à volta dele caiu toda também. E lá ficámos nós sem a espada do D.
Afonso Henriques![3] O “Agora é que é!...” dos portugueses tem
remédio?... Não sei… Tanto quanto a gente sabe – e por mais embrulhados que
andem factos, mitos , mentiras e fantasias -, sem essa ilusão a designada “empresa”
dos Descobrimentos também não teria acontecido…
Ora bem, cá
p’ra mim, o que faltou neste Mundial à equipa portuguesa foi trabalho,
concentração e foco; e há sempre interesses parasitas. Mas é melhor calar-me,
disto não sei nada…
[1]
Ver, por exemplo: http://vmais.rr.sapo.pt/default.aspx?fil=701518
[2]
Mattoso, J. (2007). D. Afonso Henriques. Temas e Debates, p. 169.
[3] Lá teve João Pedro Rodrigues – que certamente bem
gostava de ter podido contar com a original espada – que se desenrascar com uma
réplica para a vencedora, em terras brasileiras, curta-metragem “O Corpo de
Afonso”. “O Corpo de Afonso é uma muito interessante ficção que o jovem
cineasta português realizou precisamente sobre a pessoa de carne e osso que teria
sido o primeiro rei de Portugal, com a personalidade e das façanhas que [julgamos
que] conhecemos… São mesmo conhecimentos cheios de dúvidas, mitos, polémicas;
na linguagem que conhecemos a propósito de D. Sebastião, são nevoeiros… muitos
e intensos.
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