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The poor people are often the most generous. |
Foi uma versão desta fotografia
publicada pelo Rui Ferreira no seu mural do Facebook, no sábado, dia 7 de
agosto, que fez riscar o fósforo para mais um pequeno lume de escrita.
Há uma
história que trago por passar ao papel desde a aventura Comenius em Rzeszów, na
Polónia, no princípio de junho de 2011. Como me pareceu logo que seria uma
história simples de contar, e de que seria fácil lembrar-me, fui adiando…
A fotografia que prendeu a
atenção do Rui e que ele quis mostrar a todos exibe o rosto de uma velhinha
sorridente que desperta ternura e boa disposição. É em mãos assim que a gente
gosta de encontrar a tentação das maçãs, em vez de as recebermos da bruxa má da
Bela Adormecida. Simpática em si mesma, por toda a composição, a fotografia no mural do Rui acrescenta, à
esquerda da querida velhinha, a afirmação, em inglês, “As pessoas pobres são, muitas
vezes, as mais generosas.” Penso que não é só porque sejam pobres, é também
porque têm um modo muito particular de estar na vida, que em ambientes de vida
simples e essencialmente gregária é, felizmente, comum. Temos tendência a
pensar que essa é a ambiência dos campos, onde os modelos de desenvolvimento humano
marcado pela ávida acumulação material ainda não tomou domínio. Sendo
possivelmente verdadeira esta ideia, a Internet, hoje em dia, também repete outras imagens sobre a generosidade da pobreza, como esta, a do rapaz e do cão.
Para
mim, a imagem desta velhinha tem um extra de carinho e ternura; e de saudade: a
senhora parece-se muito, na expressão do rosto, na cor e nas formas das roupas
e do lenço na cabeça… Na varanda!... Sim, na posição do corpo à varanda, a
senhora, dizia eu, parece-se muito com a minha avó materna, a avó Rosa.
A
história que a fotografia do Rui me trouxe de volta passou-se, como já disse,
na Polónia, em Rzeszów, quando ali estava com colegas e alunos numa aventura do
projeto escolar Comenius.
Num
momento livre de programa oficial, andava eu com alguns alunos na praça central
da cidade, deambulando, sem propósito claro a conduzir-nos; passeávamos, pura e
simplesmente, por isso, ora aqui ora ali, um de nós se afastava um pouco e logo
depois se juntava ao resto do grupo.
Numa
das vezes de ser eu a estar um pouco afastado, quando olhei à procuro do
grupo, ele estava ali bem perto, e reparei que alguns dos miúdos se encolhiam
encostados uns aos outros. Todos olhavam na mesma direção: ali bem à frente
deles estava um sujeito de ar vagabundo e era seguramente o seu aspeto que
intimidava os jovens portugueses. Aproximei-me devagar, esforçadamente
desejando não acelerar o passo, mostrando toda a tranquilidade do mundo. O senhor
tentava que os jovens portugueses lhe respondessem, alguns deles faziam aqueles
esgares que todos nós fazemos quando algum cheiro nauseabundo nos sensibiliza a
pituitária.
Meti-me
na conversa e percebi que o senhor tentava falar com a rapaziada em português.
Não foi difícil tornar-me o principal interlocutor do senhor. Percebi que ele
tinha tentado o sonho de uma vida melhor em Portugal mas as coisas não tinham
corrido bem. Falou de várias localidades portuguesas; não foi Lisboa a
principal povoação a acolhê-lo, isso sim, uma povoação do interior do País.
Teve de desistir e voltar para a terra natal tão ou ainda mais pobre do que
quando de lá (cá) saíra.
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Foi uma garrafa destas que o senhor me deu. |
Gostou de estar a conversar
connosco e de me ter como ouvinte ativo que lhe sorriu, o cumprimentou e não
teve relutância em o tocar com afeto. O senhor tinha na mão um usado saco de
plástico. Quando nos preparávamos para despedir, olhou difusamente, e
remexeu-se nervosamente, como a gente olha e se agita quando percorremos com a
mente o que temos nos bolsos das calças ou noutra coisa qualquer que tenhamos
connosco, à procura às vezes nem sabe bem a gente de quê. Meteu a mão direita ao saco e de lá tirou uma cerveja. O saco ficou vazio. Estendeu a garrafa na
minha direção e disse mais ou menos assim: “Tome, é para si, é tudo o que
tenho, fico muito contente que o senhor a beba, eu depois arranjo outra para
mim.” Mostrei-me satisfeito e agradeci-lhe carinhosamente a cerveja, prometendo-lhe bebê-la quando estivesse com amigos e pudesse falar de quem me
tinha dado a cerveja; e que, depois, guardaria comigo, em minha casa, a garrafa, para
sempre me poder lembrar da conversa agradável que com ele tive na sua terra. O senhor afastou-se de nós. Ia certamente contente; a
rapaziada toda agora também estava de rosto alegre por ter participado naquela
pequena experiência social que - imagine-se! – levou todos, por uns instantes,
pelo protagonismo de um pobre homem, à terra natal de todos. Que situação!... Parecia que as coisas estavam ao contrário: quem tinha aspeto de pedinte era quem dava uma esmola a quem mostrava ser turista em condições de a dar!
Decidi
que não beberia a cerveja sem antes escrever a história. Aqui está.
Rui,
meu querido amigo, quando voltar, daqui a dias, para Lisboa (estou na Horta) vou, seguramente com alguma
ansiedade, olhar o prazo de validade da cerveja. Espero que ainda esteja em
condições de ser bebida; esteja ou não, será aberta ao pé de amigos, aos quais
falarei da história. E porque não saborear a cerveja contigo e mais malta da
nossa, Rui? Estás nessa?...