terça-feira, setembro 14, 2021

REGRESSAR À ESCOLA E FAZER A VIAGEM DO ALFABETO - 1/7

 REGRESSAR À ESCOLA E FAZER A VIAGEM DO ALFABETO - 1/7

Antes da invenção da escrita e do alfabeto (o alfabeto inventou-se depois da escrita), o segredo era ouvir...

Um dia alguém inventou o alfabeto, popularizando a escrita, que deixou de ser um privilégio dos poderosos.

ESCREVER A SENSUALIDADE E A ETERNIDADE INDIVIDUAL


"Os primeiros vestígios alfabéticos que conhecemos apareceram em vasos de cerâmica ou na pedra. As palavras que os oleiros e os canteiros gravaram já não falam de vendas e de posses - escravos, bronze, armas, cavalos, azeite ou gado. Eternizam instantes especiais das vidas de pessoas comuns que participam em banquetes, que dançam, bebem e celebram os seus prazeres.

Sobreviveram cerca de vinte inscrições datadas entre o ano 750 e 650 a. C. A mais antiga é a inscrição de Dipylon, encontrada num antigo cemitério de Atenas.

O exemplo mais remoto de escrita alfabética, embora incompleto, é um verso sensual e evocador:

«O bailarino que dance com maior destreza...»

Essas simples palavras transferem-nos para um simpósio realizado numa residência grega com risos, jogos, vinho e um concurso de dança para os convidados cujo prémio era o próprio vaso. Homero descreveu na Odisseia este tipo de competições festivas, que eram frequentes nos banquetes e para os gregos faziam parte do seu conceito de boa vida.

A julgar pelos termos da inscrição, o tipo de dança seria acrobática, enérgica, carregada de erotismo. Por isso imaginamos que o vencedor do concurso devia ser muito jovem, capaz de fazer um grande esforço físico, as piruetas e os saltos que a dança exigia.

Sentiu-se tão orgulhoso que conservou sempre a recordação daquele dia feliz e, muitos anos depois, pediu que o enterrassem com o troféu da sua vitória. No seu túmulo, após vinte e sete séculos de silêncio, encontrámos o vaso e, gravado nele, esse verso que conserva ecos de música e marcas de uns belos passos de dança."

(Irene Vallejo, "O Infinito num Junco", Bertrand Editora, p. 119, 2020)

Fotografia: By Durutomo - Durutomo, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9798748