Ontem, a descer a avenida da Liberdade, o coronel Sousa e Castro dizia, deixando as palavras saírem do fundo do coração e do fundo da memória, que o Movimento dos Capitães, o que queria, era acabar com a Guerra! Eles, os militares, os capitães e os outros oficiais jovens, foram a África, ao "Ultramar", a Angola, à Guiné e a Moçambique, e lá perceberam o absurdo da Guerra.
Como diz Ben Polis neste poema, também eles gritaram a revolta e a determinação: «Parem a Guerra!»
O Muro de Berlim, cujo derrube hoje se celebra, não acabou com o confronto e a Guerra; pelo contrário, continuou a alimentá-los, por isso foi necessário deitá-lo abaixo.
Por isso, os Capitães de Abril tinham, também ele, derrubado o Estado de Salazar e de Marcelo Caetano. Em 1989, em Berlim, alguma D. Celeste levou aos jovens esperançosos da Europa Central os cravos das espingardas dos soldados da nossa Madrugada da Liberdade. Em 1974, no dia 25 de Abril.
Em 1997, na Austrália, um rapazinho, o terror das escolas por onde passava, escreveu este poema. Teria 15 ou 16 anos.
Mais do que nunca, as televisões, as internetes e os écrãs dos telemóveis pessoais confirmam que as guerras estão para durar. Por isso temos de continuar a denunciá-las e a ajudar a que acabem mesmo!
Fizeste aquilo que Era Certo (Guerra do Vietname)
Dedico este poema ao meu Pai, que, aos vinte e um anos de idade, foi recrutado pelo exército australiano para combater no Vietname.
Estou a fazer o que é certo,
Acho eu.
O Bem contra o Mal.
Sou um soldado da liberdade,
Sou um matador de crianças,
Sou um assassino.
Sou um homem encurralado.
Lanço uma bomba sobre os vietcongues,
Espero que acerte.
Raios, falhei.
No que estava eu a pensar?
Devia estar lixado da cabeça,
Acabei de matar uma família de seis.
Lanço uma e outra bomba,
Até que o bem derrote o mal.
Bomba a bomba,
Napalm a napalm,
Os pesadelos estão cá para durar.
Tudo o que ouço no meu sono
É o grito das bombas
Que fizeram tanta gente chorar.
Muitos homens caíram
Nas matas do inferno.
Os meus camaradas estão em casa,
Mas as cicatrizes estão cá para durar.
O meu companheiro está sentado numa cadeira
Mas as pernas não estão lá.
Um outro anda de andarilho,
Um outro ainda com bengala.
Outro amigo tenho
Que perfura a carne,
Não com uma arma
Mas com uma agulha
Para fugir à dor do Vietnam.
Diziam eles: «Venham, rapazes,
Venham e ajudem o vosso país,
Venham, façam o que é certo.»
Lembrem-se, não tirem os olhos do chão.
Se for uma mina,
As pernas se vão.
O estrilho, o medo
Ecoarão nos ouvidos para sempre.
Mas lembrem-se, rapazes,
Fizeram o que é certo.
Parem a Guerra!
Parem a Guerra,
Não posso mais.
Homens bons a morrer,
Mães sem parar de chorar.
Pais orgulhosos
Mas nada pode impedir a nuvem-cogumelo iminente.
Não há vencedores neste espantoso jogo de morte e desespero.
Onde, onde está o meu companheiro?
A mulher, Beth, não tardará a saber da morte sangrenta do seu amor.
Os políticos sentam-se nas cadeiras e controlam-nos como peões que somos.
Mas são as pernas desses sacanas que eu vejo serem rasgadas ao meio?
Não me parece - esta vida é f#%&*+@!
Alguns destes rapazes são jovens o suficiente para voltarem ao berço.
Parem a guerra, não posso mais. Parem-na agora, porque ninguém vai conseguir parar a bala...
Que traz o vosso nome gravado!
(Ben Polis, O Menino que não queria ser Diferente. Lisboa, Verso da Kapa, p. 87-88)