"Chateia-me a molécula, chateia..."Ouvida dita pelo meu pai, esta expressão era como o cartão amarelo que os árbitros mostram aos jogadores de futebol. Era um aviso, normalmente, um aviso sério...
Hoje dei-me conta que há muito tempo que não oiço referências à molécula; nem eu próprio a tenho usado. Dei-me conta porque reencontrei-a, de manhã, na leitura de uma carta de Eça de Queirós. O meu pai nasceu em 1927 e Eça de Queirós morreu em 1900.
Em 8 de Agosto de 1897, a fazer tratamento na região dos Vosges, o notável escritor, instalado nos Grands Hotels (Plombières), escreve assim à sua esposa Emília:
"[...] Ainda assim, só por me ter demorado, depois da ardente jornada, alguns minutos naquele antro semigelado, apanhei um destes maus estados mórbidos em que a molécula fica a hesitar se terá febre ou se não terá febre. Hoje estou murcho e a molécula tende para a febre. Por isso não comecei como devia, o tratamento, e estou em regime do quinino. [...]" (1)
http://www.vosgescpa.fr/Plombieres-les-Bains/slides/ Plombi%C3%A8res-les-Bains%20-%20Grands%20H%C3% B4tels%20et%20Nouveaux%20Thermes.JPG |
Tenho andado especialmente empenhado, nestes últimos dias, na recuperação de fotografias, cartas, informações - tudo o que possa! -sobre o meu pai. O Patrono da minha escola ajudou-me a recuperar também um pouquinho da cultura que fazia a pessoa do meu pai.
Já agora, outra consciência que ganhei foi a propósito do vocábulo "secante". Tão presente nas falas bem sincréticas da malta nova dos tempos que vivemos!... Pensava eu que era mesmo uma criação desta juventude... Qual quê! Eça de Queirós também a usava abundantemente, e, ao que parece, o significado mantém-se. E esta, hein?...
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(1) "Eça de Queirós entre os seus, apresentado por sua filha - CARTAS ÍNTIMAS, Lello @ Irmão - Editores, Porto, 1974. Pp 312-3.