Hoje, a arrumar papéis, recuperei o que considero ser um bem delicioso diálogo familiar, que aconteceu numa manhã em que o Sol irradiava um brilho como se tudo a que ele chegasse ele quisesse abençoar mansamente.
O dia 18 de Outubro é o Dia Europeu de Luta contra o Tráfico de Seres Humanos.
Dedico este pequenino texto a todos os pequenos sobrinhos e a todos os tios e tias que por causa da violência de homens não podem fruir estes momentos encantadores de convívio humano, de carinho familiar.
"- Ó ti Jóge, o mar é grande, não é? perguntou-me lá do banco de trás, assim que eu parei o carro para me desembaraçar do toque do telemóvel, o J. H., 7 anos de idade, neto do Peter, que toda a sua vida viveu o mar como o rapazinho o começava a ver agora: grande, muito grande. Estávamos num ponto alcandorado da ilha, com o hospital da cidade por detrás de nós e a montanha do Pico a aparecer-nos sobre o lado esquerdo.
- É, J., é grande, e às vezes é mesmo muito grande…
- O mar dos Açores é grande, ti Jóge?
- Olha para ali, J., a gente olha lá para o fundo, vê sempre o mar e depois la no fundo a gente não vê mais, mas o mar continua ainda mais, parece que nunca mais acaba. Mas se tu olhares ali para o Pico, o mar fica pequenino; e se tu um dia quiseres e o mar estiver mansinho, tu podes ir o mar todo até ao Pico, a nadar.
- Ti Jóge, o mar tem um nome?
- Tem, tem muitos nomes, é que há muitos mares. E quando os mares ficam muito grandes já não se chamam mar, chamam-se oceanos.
O J. olhou lá para o fundo para onde eu dissera que o mar continuava e perguntou-me:
- O mar dos Açores é um oceano?
- O mar dos Açores ali para o fundo já se chama Oceano Atlântico. Ali em baixo – tu sabes – chama-se praia de Porto Pim; daquele lado ali, quando vamos para o Pico, chama-se Canal; onde tu estiveste ontem com o teu irmão e os vossos amigos chama-se Praia do Almoxarife…
- Quantos oceanos há no mundo?... interrompeu-me ele.
- Um dia, na escola, a tua professora vai mostrar-te num mapa grande o Oceano Atlântico, o Oceano Pacífico, o Oceano Índico, o Oceano Glacial Ártico e o Oceano Glacial Antártico.
- Este aqui dos Açores é o mais grande ou não, ti Jóge?
- É quase o mais grande. O mais grande de todos é o Oceano Pacífico.
- O oceano dos Açores não é o mais grande, ti Jóge? A voz e o rosto do J. traziam, nem era bem um desapontamento, era mesmo uma aflição.
- Não, não é… Mas tu já viste bem as coisas bonitas que o mar dos Açores tem? As baleias e os golfinhos; a doca onde tu, o teu pai e os teus irmãos tomam banho; os peixes que a gente pesca com o Chefe Jaime… não é, J.?...
- Ó ti Jóge, tu sabes tanta coisa…
A voz e o rosto do petiz recuperavam já o ar ruminativo e espantado que tomam nas crianças quando elas pensam intensamente. Parece que, quanto ao mar, por agora bastava.
O objecto da sua curiosidade passou a ser a sabedoria das pessoas.
- Ó ti Jóge, quem é que sabe mais, és tu ou é o avô?..."
É a esse avô e ao seu compadre Peter, que leram e se riram com esta pequena história, que eu envio, hoje, dia de Sol também lindo, que há bem pouco trouxe o brilho ao Tejo, que passa lá ao fundo, no horizonte da minha janela, como naquele dia passava o mar dos Açores, que eu mando um muito forte e carinhoso abraço. Um abraço manso, como fez o Sol num dia de Agosto, no Faial, no ano dois mil.