sábado, setembro 29, 2018

A boneca perdida, a criança nunca encontrada, as cartas procuradas, o afecto que nunca esmoreceu


A boneca perdida, a criança nunca encontrada, as cartas procuradas, o afecto que nunca esmoreceu

Um ano antes da sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular.
Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque havia perdido a sua boneca.
Kafka disse à menina que queria ajudá-la a encontrar a boneca, ia procurá-la, e combinou um encontro com ela no dia seguinte, no mesmo lugar, podia ser que a tivesse encontrado.
Não tendo encontrado a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu-a à pequenita quando se encontraram. A carta dizia: “Por favor, não chores por mim, parti numa viagem para ver o mundo, e quero contar-te as minhas aventuras.”
Durante três semanas, Kafka entregou pontualmente à menina outras cartas que narravam
as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Madagáscar…
Tudo para que a menina esquecesse a grande tristeza!
No final das três semanas, Kafka deu de presente à menina uma outra boneca.
A boneca era, obviamente, diferente da boneca original.
A última carta da boneca, que chegou no mesmo dia da nova boneca, dizia assim: “Não te assustes, não me estranhes, a minha viagem transformou-me…”.
Anos depois, a garota encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta.
O bilhete dizia:
“Tudo que amamos, eventualmente perderemos, mas, no fim, o amor voltará numa forma diferente.”

Nota: Será verdade o que a história conta? Durante anos, Klaus Wagenbach, um estudioso de Kafka, procurou a menina pela região próxima ao parque, investigou com os vizinhos, colocou anúncio nos jornais, mas nunca conseguiu encontrar a pista da menina ou das cartas. Contada e recontada, a versão mais difundida da história é a do conto de Jordi Sierra I Fabra “Kafka y la Muñeca Viajera”.

Querido aluno, viaja! Ousa, aceita transformar-te! Olha, embarca já nesta: a da Psicologia — cada aula é uma paragem: Paris, Roma, Londres, e por aí fora…

Um beijinho grande de carinho e gratidão à Professora Manuela Barros Ferreira, que me fez embarcar na fascinante viagem deste conto!


Bibliografia
O conto e o testemunho de Jordi Sierra I Fabra:

quarta-feira, setembro 19, 2018

O PROFESSOR DE PSICOLOGIA ENQUANTO SUJEITO DOS TRABALHOS MONOGRÁFICOS


Conversas reais ou imaginárias com alunos, 1

O PROFESSOR DE PSICOLOGIA ENQUANTO SUJEITO DOS TRABALHOS MONOGRÁFICOS

— Mas, ó “stôr”, porque é que não o podemos escolher a si como sujeito do trabalho monográfico,
"O pensador" original, na Porta do Inferno.
será que é diferente das outras pessoas?...
A provocação é grande, mas a resposta não é difícil.
— Caro aluno, o caso que eu vos contei acerca da forma como cheguei ao contacto com o Professor António Damásio, o que nos diz ele? É que o desafio que vos proponho, o desafio vencedor, é aquele em que nós vamos um pouco mais além do que óbvio, do que é lógico: se eu quero falar com o Professor António Damásio, escrevo ao Professor António Damásio. Foi o que fez o vosso colega, insistindo ao longo de mais de 2 meses. Resultado: nada, o que o fez querer desistir do Professor António Damásio enquanto sujeito monográfico. E que fiz eu para chegar ao Professor António Damásio em menos de 24 horas? Não escrevi ao Professor António Damásio, não foi o que vos disse?
Porta do Inferno (Musée Rodin).
                No fundo, o que fiz eu? Pensei um pouco para além do óbvio, do imediato; do lógico. Quer dizer, essencialmente, em vez de pensar de forma convergente, pensei de forma divergente, criativa. Imaginei o Professor no seu dia-a-dia de trabalho, na maneira como se move entre as aulas que dá, as investigações em que participa, as teses que orienta, as leituras que faz, a correspondência que manda e recebe, etc.
                Então, agora, pensem cá uma coisa: nunca algum de vocês teria hipótese de fazer o trabalho monográfico comigo! Vejam lá se é obvio, ou não: os meus alunos fazem trabalhos monográficos há vários anos — vocês acham mesmo que são os primeiros a quererem fazer o trabalho monográfico comigo? Se eu já tivesse dito sim a um dos vossos colegas, em resultado das regras (não se podem repetir sujeitos monográficos), o que eu agora vos diria era “Não posso, já alguém fez o trabalho comigo.”
                Por outro lado, para ser justo com todos, da mesma maneira que vos estou a dizer não, disse não a todos os outros. O que eu tenho dito aos vossos colegas dos outros anos é o seguinte: “Aceitarei ser sujeito de trabalho monográfico quando tiver a certeza de estar a leccionar o meu último ano de aulas. E mesmo nessa altura, só serei se algum dos alunos quiser; se não quiserem, nem nesse ano serei. Portanto, aquele ‘nunca’ lá de trás vale para todos os anos em que ainda venha a dar aulas, excepto para o último ano.”

sexta-feira, setembro 07, 2018

Do gene egoísta à cultura altruísta

A convincente verdade do gene egoísta de Richard Dawkins, que nos mete pela cabeça dentro a lei do mais forte/apto, arrasa as concepções (românticas?) dos ideias humanistas e solidários. A
inevitabilidade da selecção genética, tal como o sábio e feliz Charles Darwin soube explicitar de forma sistemática, é, tanto quanto parece, irrefutável.
Se o egoísmo está-nos no sangue, a fascinante viagem evolutiva do Homo sapiens equipou a mente com os grandes adversários: a compaixão e a inteligência.
Qual é a estratégia que a compaixão e a inteligência arquitectaram para conter a frieza do egoísmo genético e, inclusivamente, usar a sua força a favor do companheirismo e da solidariedade em vez da competição e da anulação dos outros? A estratégia tem um nome: Cultura; também podemos dizer Civilização.
Só que o Gene Egoísta não desarma - e o que hoje em dia assistimos na vida dos Povos ( a recuperação dos idealismos nacionalistas, que excluem os outros; o "America first", de Trump; e os estilos de vida do puro desfrutar. aqui e agora, das comodidades materiais e dos prazeres turísticos a todo o preço e em todo o ano) é o leque de comportamentos humanos que bem comprovam a força primordial, constantemente renovada, do Gene Egoísta.
Esclarecido (ou informado) por esta evidência, apresso-me a um conselho: depois de lerem O Gene Egoísta de R. Dawkins, leiam (ou releiam) A Estranha Ordem das Coisas de A. Damásio.