1) Às 13h30, ou melhor, alguns minutos depois dessa hora, eu estou "refugiado" na sala do Departamento das Ciências Sociais e Humanas da minha escola. Estou lá "refugiado" porque acabei de dar as aulas da manhã, tenho a cabeça tensa de tanta coisa para fazer - a viagem a Estrasburgo, ao Parlamento Europeu está aí a rebentar, estamos a "safar" as coisas de última hora -, e a sala de professores fervilha de colegas professores que, como eu, procuram descomprimir do primeiro meio-dia de trabalho. Vou aqui sorver em um trago, como diria o patrono da escola, "um apressado almoço".
2) Sem que eu as veja e sem que elas me vejam, algumas jovens (são, na verdade, várias, pelas vozes que se sobrepõem umas às outras) protestam junto da funcionária do pavilhão por causa do cheiro a chulé da sala onde acabam de entrar para ter aula. Dizem que é impossível estar lá com aquele cheiro.
3) A funcionária, solícita e paciente, procura justificar-lhes a situação, e, ao mesmo tempo, percorre com o olhar a sala de professores - mais uma vez deduzo eu isto pelas vozes e sons de proximidade, eu não estou a olhar para elas - à procura da docente que pode ter estado a dar aula na sala malcheirosa no bloco de aulas que aconteceu imediatamente antes do deste grupo de alunas.
4) A minha colega vem à porta da sala de professores, toma conta da ocorrência, as alunas dizem-lhe o que tinham já dito à funcionária; eu oiço a minha colega justificar-se também às alunas, oiço-a, por exemplo, perguntar às alunas se será mesmo a chulé já que na aulas estavam todos calçados.
5) O som das vozes e dos passos afasta-se; discretamente levanto-me e vou espreitar a sala: ainda ninguém tinha aberto as janelas da sala, ainda ninguém pusera a sala a arejar.
6) Deixo-me ficar a pensar... Os alunos aprendem a reclamar os seus direitos (têm legitimamente direito a uma sala de aula que, no mínimo, esteja isenta de odores corporais desagradáveis); os professores reconhecem respeitam e fazem a pedagogia dos direitos dos alunos; os funcionários procuram ajudar os alunos e facilitar a vida dos professores. Mas, verdadeiramente, ninguém tomou a iniciativa clara de resolver imediatamente o problema como era preciso ele ser resolvido.
7) Que educação é esta que está a acontecer? Será que é isto que tanto depois se critica ao chamado "Estado Providência"? Que temos o direito de esperar que alguém resolva seja o que seja por nós?
8) Será que isto aconteceu mesmo? Ou isto é uma ficção que construí num momento de descompressão da exaustão ao final da manhã de aulas, numa sequências de dias a fio - fim de semana incluído - de trabalho intenso? Na verdade, apuro o ouvido: lá em baixo as coisas estão calmas, a porta da sala está fechada. Será que cheirava mesmo a chulé na sala de aula?
terça-feira, novembro 06, 2012
domingo, novembro 04, 2012
IDOSOS, ÉTICA E REFORMA
IDOSOS, ÉTICA E REFORMA
por Frei Bento Domingues, O.P.
(jornal Público, edição de 4nov12, caderno Opinião)
1 Vivemos numa sociedade paradoxal: por um lado, alegramo-nos com o aumento da esperança de vida; por outro, os idosos são acusados de levar muito tempo a morrer. Gastam, não produzem e ainda se sentem no direito a receber uma reforma ou uma pensão dignas. Mas os casais novos também não escapam à censura: são responsáveis por sermos um país de velhos. Tinham obrigação de ter mais filhos. Como são egoístas, não se importam. Diz-se que lá virá o dia em que também eles verão as consequências desta falta de previdência.
Mais do que paradoxal, é niilista: não aguenta nem os idosos nem os novos. Se há queixas contra os idosos, os novos estão a ser preparados para nada. Diz-se que Portugal perde 2,7 mil milhões por causa de jovens inactivos. A grande alternativa parece ser a emigração, que não é um crime, mas esses jovens foram educados em Portugal e vão-se embora, sem pensar em ajudar quem por eles se sacrificou. Quando uma sociedade deixa de ser sujeito do seu destino e passa a ser objecto de contabilidade, não se vê possibilidades de acerto. As pessoas queixam-se de serem exploradas pelo Estado e o Estado diz que elas estão a ficar muito caras. Sentem-se todos prejudicados.
A nossa sociedade talvez não seja nem paradoxal nem niilista. Parece irreflectida.
Pensar em termos simplistas, como os que acabei de evocar, é o modo mais habitual de funcionar com os estereótipos, muito facilitados com a redução de tudo a números. Levou-se muito tempo a pensar em termos de deveres e direitos humanos, deveres e direitos de pessoas, sujeitos de dignidade. Agora, a propósito de tudo e de nada, só se pergunta quanto se perde e quanto se ganha. É um jogo de abstracções. As abstracções não choram, não riem, nem protestam. Uma boa máquina de calcular tornou-se o supremo órgão do pensamento. Os cursos de filosofia, de literatura, de teatro, de cinema, de música são artes de empobrecer alegremente, salvo casos geniais, que se descobrem, sobretudo, depois de mortos.
2. Para I. Kant, o ser humano não tem preço, tem dignidade. Nunca deverá ser um meio. É sempre um fim. Nas sociedades pluralistas em que vivemos, se os imperativos éticos não forem incondicionais, se a moral não tiver uma justificação, uma fundamentação, estas não serão pluralistas, mas relativistas, pois não haverá distinção entre bem e mal, tudo será aceitável - "vale tudo" -, basta que corresponda às tendências actuais, aos desejos de cada um, à moda. A pura actualidade sem horizonte, dominada pelo corropio das notícias, sem referência a uma orientação de longo alcance, tende a considerar tudo provisório, com medo do império de falsos absolutos. Será uma época que tem cada vez mais recursos, mas também um tempo de "meios sem fins".
As propostas éticas - que não sejam a sua negação - estão todas inseridas numa tradição. Procuram interlocutores na história.
Paul Ricoeur, sem juramentos de fidelidade ortodoxa a nenhuma delas, situou-se na confluência das tradições aristotélica e kantiana. Apresentou, várias vezes, o seu programa, da forma mais sintética: "A ética tem como objectivo a vida boa, com e para os outros, em instituições justas."
Como diz A.-J. Festugière, a norma para o grego não é "tu deves" (como é para Kant), mas "tu podes" ser humano, podes ser feliz.
Onde está o fundamento ético da reforma? Encontra-se na historicidade da condição humana. Não somos, vamos sendo. Importa que em todas as idades da vida, possamos contar com previdências e providências pessoais, comunitárias e sociais, para quando já não tivermos condições para cuidar de nós e dos outros.
Numa civilização pragmatista, os idosos não valem, estorvam; estão fora de prazo de validade. Paradoxo: caímos numa sociedade de idosos sem saber o que fazer com eles. Mas os reformados não podem ser indesejados e arrumados a um canto, à espera da morte, com medo ou como alívio.
3. Na chamada 3.ª idade reproduzem-se todos os aspectos da vida. Os idosos podem ser acarinhados ou maltratados, considerar-se indispensáveis ou a mais. Com a reforma - cuja idade pode variar - cessa a vida profissional, mas não acaba uma competência desenvolvida ao longo da vida. Deverá ter oportunidade de servir a comunidade, de fazer voluntariado, onde puder e quiser. Os idosos têm muito para dar, mas precisam de quem mostre alegria em receber.
Diz-se que já não produzem, mas quem contabiliza o que eles representam na família e na sociedade? A vida humana só se conta em euros? Fundamental é a sabedoria, mas quem sabe o seu preço?
Os idosos foram, em todas as culturas, considerados a sua memória viva. Fazem falta aos gestores de hoje. Os bons conselheiros não são, apenas, as pessoas de grande competência técnica. Sem sabedoria deita-se a perder o que ilusoriamente se ganhou.
Como escreveu Catarina Nunes, "um dia o mundo será um grande lugar onde ninguém é visto como velho, mas como alguém mais adiantado na jornada da vida". A isto se poderá chamar solidariedade entre gerações.
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sábado, novembro 03, 2012
O Acordo Ortográfico e a tradução para português
Arrogo para mim a boa fé de aceitar escrever em acordo com o tão polémico Acordo Ortográfico (1). A ver o que ele dá, até porque, enquanto psicólogo, sempre tenho defendido que a lógica da escrita se deve aproximar da lógica da fala e da lógica do pensamento. Está já experimentalmente demonstrada a importância dessa aproximação, por exemplo, com o estudo das línguas orientais e as facilidades que essas línguas naturalmente proporcionam nas aprendizagens escolares fundamentais.
Começamos a dispor de tempo de experiência para avaliar a lógica, a eficácia e valor do Acordo Ortográfico. Começo a pensar que o saldo é desfavorável às alterações oficiais na escrita do português
A este propósito, gostei muito de ler, no passado domingo, dia 28 de outubro, o artigo de Paula Blank, "O Acordo Ortográfico e a tradução para português", publicado, sob o signo do "Debate Língua Portuguesa", na edição do Público (pág. 56).
Tomo a liberdade de transcrever para aqui esse artigo:
O meu trabalho consiste, em suma, na revisão de traduções do Inglês para o Português de manuais de instruções e interfaces do utilizador de equipamento médico. Vai desde a simples maca de exames utilizada nos consultórios médicos ao ventilador de cuidados intensivos ou desfibrilador cardíaco, de cujo correcto funcionamento e utilização dependem as vidas de tantos doentes por este país fora. Dependendo de o fabricante ser europeu ou americano, as traduções são produzidas – em geral – para Português de Portugal ou do Brasil, respectivamente. Por conseguinte, quando importamos da Europa, geralmente, repito, não há problema de maior; contudo, ao comprar equipamento nos EUA e com a globalização, consequentes fusões de companhias e migração de quadros pelo mundo inteiro, a situação complicou-se.
O que me chega às mãos está 90% das vezes muito longe do nível de qualidade que seria de esperar para qualquer tradução, quanto mais para traduções nesta área. Os exemplos são infindáveis, mas escolhi um que servirá para demonstrar aquilo de que falo. Na tradução do manual de um ventilador, feita por um tradutor brasileiro, lê-se:
“Usar o ventilador de maneira diferente como foi instruída pode causar danos ao digitalizar de RM.”
Uma tradução correcta do original em Inglês poderia ser assim:
“A utilização do ventilador de maneira diferente da que foi indicada nas instruções, pode causar danos ao aparelho de RM (ressonância magnética).”
Em praticamente todos os manuais traduzidos para Português do Brasil, e também no deste exemplo, chama-se “vazamento” a fuga, “cabo de força” a cabo de alimentação, “tela” a ecrã, “plugue” a ficha (um “plugue” que se “pluga”, do verbo “plugar”), “jack” a tomada, “leiaute” a disposição, “acurácia” a precisão, diz-se que a impressora “está aquecendo”, que “você tem de acessar isso” (aceder) ou “você deve apertar aquilo” (pressionar), os verbos reflexivos são conjugados ao contrário (“isso se faz assim” em vez de “isso faz-se assim”), etc.
O manual de um dispositivo de suporte de vida chega a ter 300-400 páginas e o deste exemplo era uma tradução que estava autorizada, em utilização em Portugal, e que só foi corrigida (1) quando o fabricante passou a fazer parte da gama de comercialização de certa empresa e (2) porque, depois de muita argumentação, o fabricante acabou por concordar em produzir uma versão em Português de Portugal.
Peço-vos que voltem a ler os exemplos apresentados. Não verão uma só instância de diferença ortográfica, o que prova a futilidade do esforço (inútil porque não o consegue) de uniformização ortográfica. A maioria dos manuais traduzidos no Brasil que eu revi estão escritos assim e, provavelmente, no Brasil até são textos perfeitamente aceitáveis, não sei, nem discuto. Mas em Portugal não. As traduções utilizadas em Portugal têm forçosamente que ser feitas por tradutores portugueses, em Português de Portugal, para que se possam cumprir os critérios exigíveis. E isso não basta, é preciso que o tradutor preencha outros critérios técnicos específicos, cuja discussão ficará para outra altura.
Contudo, há uma batalha contínua para que os dispositivos comercializados sejam acompanhados de instruções adequadas. A realidade é que os fabricantes pressionam os distribuidores portugueses a utilizar as traduções brasileiras em Portugal. Os argumentos são sempre os mesmos: (1) só se produz uma versão em Português e, dado que o Brasil é um mercado maior, a versão a produzir será em Pt-Br ou (2) temos que reduzir custos, por isso há que anular uma das versões em Português; o Brasil é um mercado maior, portanto eliminamos a versão Pt-Pt. Ponto final. Contra-argumentar dizendo que a sintaxe e a terminologia não são aceitáveis para textos que se destinam a profissionais clínicos, que os erros podem provocar acidentes de proporções mais ou menos sérias, é por regra inútil. Algumas vezes, felizmente, o esforço de argumentação é recompensado, e os médicos e enfermeiros em Portugal podem usufruir do privilégio de ler as instruções do dispositivo médico, que adquiriram em Portugal, num Português de fácil e natural compreensão. Sim, aquilo que devia ser um direito, que está previsto numa directiva europeia, que, por sua vez, foi transferida para a lei portuguesa, é no fundo, um privilégio. Quase um favor.
É, portanto, com profunda consternação que vemos o Governo português, que devia defender os nossos interesses, assinar um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que (defendem alguns) visa unificar a ortografia e resolver todas as diferenças entre ambos os registos do Português.
O Acordo Ortográfico, ao criar esta falsa noção de uniformidade, extremamente nefasta para o Português-padrão, tem um resultado terrível para a tradução, porque enche o mercado português de instruções que quanto mais técnicas, mais incompreensíveis são.
Mas ainda podemos inverter este erro colossal, assinando a Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Para saber como assinar e ficar a saber mais pormenores, por favor, visite o portal http://ilcao.cedilha.net/.
(1) Além disso, sou professor do ensino secundário, condição que me obriga a escrever de acordo com o AO. Faço-o sempre desejando que os meus alunos desenvolvam a capacidade crítica para apreciarem as diferenças entre a escrita que faziam e a que fazem agora; e tomem depois a sua opção.
Começamos a dispor de tempo de experiência para avaliar a lógica, a eficácia e valor do Acordo Ortográfico. Começo a pensar que o saldo é desfavorável às alterações oficiais na escrita do português
A este propósito, gostei muito de ler, no passado domingo, dia 28 de outubro, o artigo de Paula Blank, "O Acordo Ortográfico e a tradução para português", publicado, sob o signo do "Debate Língua Portuguesa", na edição do Público (pág. 56).
Tomo a liberdade de transcrever para aqui esse artigo:
O meu trabalho consiste, em suma, na revisão de traduções do Inglês para o Português de manuais de instruções e interfaces do utilizador de equipamento médico. Vai desde a simples maca de exames utilizada nos consultórios médicos ao ventilador de cuidados intensivos ou desfibrilador cardíaco, de cujo correcto funcionamento e utilização dependem as vidas de tantos doentes por este país fora. Dependendo de o fabricante ser europeu ou americano, as traduções são produzidas – em geral – para Português de Portugal ou do Brasil, respectivamente. Por conseguinte, quando importamos da Europa, geralmente, repito, não há problema de maior; contudo, ao comprar equipamento nos EUA e com a globalização, consequentes fusões de companhias e migração de quadros pelo mundo inteiro, a situação complicou-se.
O que me chega às mãos está 90% das vezes muito longe do nível de qualidade que seria de esperar para qualquer tradução, quanto mais para traduções nesta área. Os exemplos são infindáveis, mas escolhi um que servirá para demonstrar aquilo de que falo. Na tradução do manual de um ventilador, feita por um tradutor brasileiro, lê-se:
“Usar o ventilador de maneira diferente como foi instruída pode causar danos ao digitalizar de RM.”
Uma tradução correcta do original em Inglês poderia ser assim:
“A utilização do ventilador de maneira diferente da que foi indicada nas instruções, pode causar danos ao aparelho de RM (ressonância magnética).”
Em praticamente todos os manuais traduzidos para Português do Brasil, e também no deste exemplo, chama-se “vazamento” a fuga, “cabo de força” a cabo de alimentação, “tela” a ecrã, “plugue” a ficha (um “plugue” que se “pluga”, do verbo “plugar”), “jack” a tomada, “leiaute” a disposição, “acurácia” a precisão, diz-se que a impressora “está aquecendo”, que “você tem de acessar isso” (aceder) ou “você deve apertar aquilo” (pressionar), os verbos reflexivos são conjugados ao contrário (“isso se faz assim” em vez de “isso faz-se assim”), etc.
O manual de um dispositivo de suporte de vida chega a ter 300-400 páginas e o deste exemplo era uma tradução que estava autorizada, em utilização em Portugal, e que só foi corrigida (1) quando o fabricante passou a fazer parte da gama de comercialização de certa empresa e (2) porque, depois de muita argumentação, o fabricante acabou por concordar em produzir uma versão em Português de Portugal.
Peço-vos que voltem a ler os exemplos apresentados. Não verão uma só instância de diferença ortográfica, o que prova a futilidade do esforço (inútil porque não o consegue) de uniformização ortográfica. A maioria dos manuais traduzidos no Brasil que eu revi estão escritos assim e, provavelmente, no Brasil até são textos perfeitamente aceitáveis, não sei, nem discuto. Mas em Portugal não. As traduções utilizadas em Portugal têm forçosamente que ser feitas por tradutores portugueses, em Português de Portugal, para que se possam cumprir os critérios exigíveis. E isso não basta, é preciso que o tradutor preencha outros critérios técnicos específicos, cuja discussão ficará para outra altura.
Contudo, há uma batalha contínua para que os dispositivos comercializados sejam acompanhados de instruções adequadas. A realidade é que os fabricantes pressionam os distribuidores portugueses a utilizar as traduções brasileiras em Portugal. Os argumentos são sempre os mesmos: (1) só se produz uma versão em Português e, dado que o Brasil é um mercado maior, a versão a produzir será em Pt-Br ou (2) temos que reduzir custos, por isso há que anular uma das versões em Português; o Brasil é um mercado maior, portanto eliminamos a versão Pt-Pt. Ponto final. Contra-argumentar dizendo que a sintaxe e a terminologia não são aceitáveis para textos que se destinam a profissionais clínicos, que os erros podem provocar acidentes de proporções mais ou menos sérias, é por regra inútil. Algumas vezes, felizmente, o esforço de argumentação é recompensado, e os médicos e enfermeiros em Portugal podem usufruir do privilégio de ler as instruções do dispositivo médico, que adquiriram em Portugal, num Português de fácil e natural compreensão. Sim, aquilo que devia ser um direito, que está previsto numa directiva europeia, que, por sua vez, foi transferida para a lei portuguesa, é no fundo, um privilégio. Quase um favor.
É, portanto, com profunda consternação que vemos o Governo português, que devia defender os nossos interesses, assinar um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que (defendem alguns) visa unificar a ortografia e resolver todas as diferenças entre ambos os registos do Português.
O Acordo Ortográfico, ao criar esta falsa noção de uniformidade, extremamente nefasta para o Português-padrão, tem um resultado terrível para a tradução, porque enche o mercado português de instruções que quanto mais técnicas, mais incompreensíveis são.
Mas ainda podemos inverter este erro colossal, assinando a Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Para saber como assinar e ficar a saber mais pormenores, por favor, visite o portal http://ilcao.cedilha.net/.
(1) Além disso, sou professor do ensino secundário, condição que me obriga a escrever de acordo com o AO. Faço-o sempre desejando que os meus alunos desenvolvam a capacidade crítica para apreciarem as diferenças entre a escrita que faziam e a que fazem agora; e tomem depois a sua opção.
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