quarta-feira, dezembro 17, 2025

#TOLERÂNCIA353 - PODE-SE TOLERAR ISTO? NÃO, NÃO E NÃO!

 #TOLERÂNCIA353 - PODE-SE TOLERAR ISTO? NÃO, NÃO E NÃO!

Fiz questão de ouvir toda a intervenção(1) do sr. Ministro da Educação, Fernando Alexandre, a intervenção que provocou grandes reacções, polémica e oposições. Sim, o sr. Ministro pôs-se a jeito, não foi claro, acho legítimos os protestos de desrespeito e discriminação social e cultural dos estudantes universitários de condição económica mais baixa.

A meio do discurso, o sr. Ministro diz de maneira muito enfática que é defensor da escola pública. Mas o melhor estava mesmo guardado para o fim. E desse fim, tanto quanto me parece, nenhum partido político e nenhum órgão de comunicação social fez eco!

Vou transcrever:

«Vamos implementar e depende do governo aquilo que vai acontecer às residências, depende das universidades e dos politécnicos de todos, não é só de reitores e dos Presidentes. E também muito dos

estudantes, porque aquilo que eu estou a dizer sobre o meu cepticismo em relação à capacidade com este modelo de gestão universitária de transformar verdadeiramente aquelas residências em espaço de bem-estar. Pode ser que eu me engane, porque se há alguma coisa em que eu acredito é de facto nos jovens e nos estudantes e as sessões académicas têm aqui uma oportunidade para mais uma vez mostrarem que têm que ter, têm que ser exigentes. Eu já vos disse, eu gostava de vos ouvir falar mais sobre a ação social, porque é a acção social que faz a diferença, a acção social.»

Aqui vou dobrar o eco: «É a acção social que faz a diferença.»

Continua o sr. Ministro da Educação: «Nós em Portugal discutimos muitas vezes temas que não interessam nada, que são completamente laterais. E aquilo que faz a diferença, aquilo que conta para o acesso ao ensino superior é a acção social. O resto... Vejam aquela discussão que o Professor Nicolas Bar apresentou aqui é uma discussão que nós nem queremos ter em Portugal. Não vale a pena... não vale a pena...»

E com o que o sr. Ministro da Educação vai dizer a seguir, eu pergunto se pode haver alguma tolerância para o estado de coisas que ele diz. Não, não pode haver qualquer tolerância! Nenhuma! Vai alguém pegar nestas palavras, desafiá-las e resolver a profundamente injusta situação? Qual partido? Qual organização de estudantes? Qual movimento cívico? Mas estas palavras, as verdadeiramente importantes, foram abafadas, quem sabe, intencionalmente pelas outras, as da polémica das residências de estudantes.

Oiça-se bem o sr. Ministro da Educação:

«Nós não conseguimos sequer falar de propinas com a desigualdade que temos em Portugal, com a desigualdade que nós temos no nosso sistema de ensino superior, em que as famílias que não colocam os filhos no ensino superior andam a pagar as propinas, andam a pagar os estudos dos das famílias mais ricas. É isto que nós temos em Portugal! Nós somos um país profundamente desigual, porque nós somos extremamente insensíveis à desigualdade! Não tenham dúvidas sobre isso. Obrigado!»

Apetece-me escrever este parágrafo mais 1000 vezes: «As famílias que não colocam os filhos no ensino superior andam a pagar as propinas, andam a pagar os estudos dos das famílias mais ricas. Nós somos extremamente insensíveis à desigualdade!»

(1) https://cnnportugal.iol.pt/fernando-alexandre/estratos-sociais/isto-foi-o-que-o-ministro-da-educacao-disse-na-integra-sobre-os-estudantes-dos-meios-socioeconomicos-mais-desfavorecidos-e-as-residencias-degradadas/20251217/694273ecd34e2bd5c6d531b9

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

terça-feira, dezembro 16, 2025

#TOLERÂNCIA352 - TOLERÂNCIA E ESTILOS PARENTAIS

 #TOLERÂNCIA352 - TOLERÂNCIA E ESTILOS PARENTAIS

Ontem fui ouvir o Professor Manuel Sobrinho Simões, em Vila Nova de Gaia, no El Corte Inglês, na apresentação que ele fez do livro do Professor Francisco Louçã, o "Imaginação - cores, deuses, viagens e amores". Como sempre, deliciei-me a ouvir o notável patologista, que a certa altura falou de Robert Sapolsky e do seu impressionante livro "Comportamento, a biologia humana no nosso melhor e pior". Deixei Gaia, já de noite, de comboio, meio-enjoado com o balanceamento do alfa pendular, a desejar

matar saudades do livro de Sapolsky e hoje fui procurar o livro. Desta vez, tinha de ser, fui ver o que ele tem escrito acerca da tolerância.

Procurei no índice remissivo, nada. Nem no que eu sempre acrescento aos livros que leio, na altura em que o li a minha atenção específica ao tema da tolerância era nula. Recorri à edição na língua original, digital, em pdf, e encontrei. Achei que o excerto que a seguir vou transcrever faz todo o sentido com as preocupações ligadas à Educação e à Pedagogia em que tenho mantido foco cerrado.

«Estilos Parentais e Origens Culturais

»Começamos pelo estilo parental, o primeiro contacto da criança com os valores culturais. Curiosamente, a tipologia mais influente de estilo parental, numa escala micro, surgiu da reflexão sobre estilos culturais, numa escala macro.

»Por entre as ruínas do pós-Segunda Guerra Mundial, os estudiosos tentaram compreender a proveniência de Hitler, Franco, Mussolini, Tojo e dos seus sequazes. Quais são as raízes do fascismo? Dois académicos particularmente influentes eram refugiados do regime de Hitler, nomeadamente Hannah Arendt (com a sua obra de 1951, As Origens do Totalitarismo) e Theodor Adorno (com a obra de 1950, A Personalidade Autoritária, em co-autoria com Else Frenkel-Brunswik, Daniel Levinson e Nevitt Sanford). Adorno, em particular, explorou os traços de personalidade dos fascistas, incluindo o conformismo extremo, a submissão e crença na autoridade, a agressividade e a hostilidade para com o intelectualismo e a introspecção — traços tipicamente enraizados na infância.

»Isto influenciou a psicóloga de Berkeley, Diana Baumrind, que na década de 1960 identificou três estilos parentais fundamentais (em trabalhos desde então replicados e estendidos a várias culturas).

  • Estilo Parental Autoritativo: As regras e expectativas são claras, consistentes e explicáveis — o "porque eu disse" é anátema — havendo espaço para a flexibilidade; o elogio e o perdão sobrepõem-se ao castigo; os pais acolhem o contributo dos filhos; o desenvolvimento do potencial e da autonomia da criança é primordial. Pelos padrões dos neuróticos instruídos que leriam (quanto mais escreveriam...) este livro, isto produz um bom resultado na idade adulta — indivíduos felizes, emocional e socialmente maduros e realizados, independentes e auto-suficientes.
  • Estilo Parental Autoritário: As regras e exigências são numerosas, arbitrárias e rígidas, não carecendo de justificação; o comportamento é moldado principalmente pelo castigo; as necessidades emocionais das crianças são de baixa prioridade. A motivação parental é, frequentemente, a de que o mundo é duro e implacável, e que é melhor que as crianças estejam preparadas. O estilo autoritário tende a produzir adultos que podem ter um sucesso restrito, obedientes, conformistas (muitas vezes com um ressentimento latente que pode explodir) e não particularmente felizes. Além disso, as competências sociais são frequentemente fracas porque, em vez de aprenderem pela experiência, cresceram a cumprir ordens.
  • Estilo Parental Permissivo: A aberração que supostamente permitiu aos 'Boomers' inventar os anos 60. Existem poucas exigências ou expectativas, as regras raramente são aplicadas e são as crianças que definem a agenda. Resultado na idade adulta: indivíduos auto-indulgentes com fraco controlo de impulsos, baixa tolerância à frustração, somando-se fracas competências sociais graças a terem vivido infâncias isentas de consequências.

»O trio de Baumrind foi expandido pelos psicólogos de Stanford, Eleanor Maccoby e John Martin, para incluir o estilo parental negligente. Esta adição produz uma matriz dois por dois:

»A parentalidade classifica-se assim como:

  1. Autoritativa (alta exigência, alta responsividade);
  2. Autoritária (alta exigência, baixa responsividade);
  3. Permissiva (baixa exigência, alta responsividade);
  4. Negligente (baixa exigência, baixa responsividade).

»É importante notar que cada estilo produz, habitualmente, adultos com essa mesma abordagem, valorizando diferentes culturas diferentes estilos.»

Repare-se como esta última frase desafia a Educação! Perante esta afirmação-suspeição de determinismo da influência parental, que cabe ao educador (pai ou professor) fazer? Aceitar?... Contrariar?... O que é aqui a boa pedagogia? Temos aqui pano para mangas.

#tolerância, #tolerance, #Tolerancia, #tolérance, #tolleranza, #toleranz, #tolerantie, #宽容, #寛容, #관용, #सहिष्णुता , #סובלנות, #हष्णत, #Ανοχή, #Hoşgörü, #tolerans, #toleranță, #толерантность, #التس

domingo, dezembro 14, 2025

#TOLERÂNCIA350 - A PRESSÃO DA TOLERÂNCIA CONSTITUCIONAL

 #TOLERÂNCIA350 - A PRESSÃO DA TOLERÂNCIA CONSTITUCIONAL

Nem de propósito! Há dois dias falámos da tolerância constitucional ('toleration') e da tolerância. O relato de hoje parece-me ser uma boa ilustração da maneira como a tolerância/intolerância constitucional pressiona as pessoas, em jeito de "bem, quer dizer, podes, mas se calhar era bom que que não quisesses".

O texto é extraído da edição de hoje do Público, em que José Cesário, antigo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, responde à jornalista Gina Pereira.

«Como explicação para o aumento dos pedidos de aquisição da nacionalidade estão "o incentivo à naturalização em países onde o estatuto de estrangeiro acarreta exclusões de direitos, mas onde a naturalização é facilitada", aponta ainda o documento [relatório do Observatório da Emigração de 2023], adiantando que "factores como o regime de cidadania, a exclusão ou inclusão de direitos associados ao estatuto de estrangeiro e a antiguidade dos fluxos migratórios influenciam fortemente a decisão de naturalização dos emigrantes portugueses e a situação dos seus descendentes nos países de destino".

»Confrontado com os dados da recusa da nacionalidade, José Cesário, antigo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, admite que "há países em que o facto de os emigrantes terem dupla nacionalidade pode ser penalizador e não lhes permite aceder a determinadas funções".

»Em Andorra, por exemplo, conta que, durante muito tempo, para se abrir um estabelecimento comercial
era exigida a nacionalidade andorrana, e que há também serviços de vários países que obrigam ou recоmendam que as pessoas que a eles se candidatam não tenham uma outra nacionalidade, como, por
exemplo, serviços de segurança, agências de serviços de informações ou serviços da administração pública local.

»"A percepção que tenho é que deve ter que ver com o facto de as pessoas estarem hoje a aceder a funções que as condicionam e acabam por se sentir coagidas, às vezes, até obrigadas, a renunciarem à nacionalidade originária”, disse, questionado pelo PÚBLICO. Além disso, lembra, embora a comunidade portuguesa no estrangeiro hoje ainda esteja maioritariamente em actividades profissionais braçais (construção civil, hotelaria), já há muitos quadros que vão para outro tipo de serviços e que se empregam na administração pública local.

"Normalmente tem de se ter a nacionalidade do país para o qual se trabalha e pode acontecer que não
admitam [a pessoa] ter dupla nacionalidade", salienta José Cesário, admitindo que estes processos,

actualmente, "já sejam mais simples e menos custosos para as pessoas, por serem uma opção de vida".
José Cesário lembra o caso da China, que conhece bem. "A China não permite dupla nacionalidade. Entre
Macau e Hong Kong temos perto de 150 mil pessoas com nacionalidade portuguesa e uma boa parte deles também são chineses. Apesar de haver uma certa tolerância nesse facto, em termos práticos, quando essas pessoas querem aceder a determinado tipo de funções podem sentir-se condicionadas e algumas acabam por renunciar à nacionalidade portuguesa", afirma, admitindo que nos últimos anos o país tem sido mais tolerante [sic, mas aqui pergunto-me se era mesmo "tolerante" que a autora queria escrever, ou se era "intolerante", ou "menos tolerante"] nessa exigência. Questionado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não se quis pronunciar sobre estes dados.»

#tolerância, #tolerance, #Tolerancia, #tolérance, #tolleranza, #toleranz, #tolerantie, #宽容, #寛容, #관용, #सहिष्णुता , #סובלנות, #हष्णत, #Ανοχή, #Hoşgörü, #tolerans, #toleranță, #толерантность, #التس

sábado, dezembro 13, 2025

#TOLERÂNCIA349 - APRENDER A TOLERÂNCIA POR ANALOGIA

 #TOLERÂNCIA349 - APRENDER A TOLERÂNCIA POR ANALOGIA

As analogias dão-nos interessantes e úteis formas de aprendizagem, nem que seja pelo que sugerem. No caso da estação de hoje, este excerto deixa-nos no ar a pergunta: «Então, se precocemente também habituarmos o organismo à tolerância, a tolerância mostra-se adquirida na adolescência e na vida adulta?» A analogia é tentadora. Como diz a entrevistada, a "extrapolação" é tentadora.

Vamos ao caso, que aparece numa entrevista da edição desta semana da revista Sábado. A nutricionista Inês Pádua, que trabalha sobretudo com crianças, integra um grupo europeu que estuda a relação entre os ultraprocessados e o aumento de casos de reacções imunitárias graves a alimentos. A entrevista é conduzida por Lucília Galha.

Pergunta: Na introdução alimentar houve mudanças nos alimentos tradicionalmente considerados alergénios. Porquê?

Resposta: Aquilo que se fez durante muitos anos foi atrasar a introdução de alimentos que se

consideravam potencialmente alergénicos. A ideia era: vamos deixar que a criança cresça, fique com o sistema imunitário mais robusto, e depois então apresentamos-lhe estes alimentos para ela estar mais preparada para os tolerar. Acontece que se percebeu que era precisamente o contrário.

Pergunta: Como é que se percebeu isso?

Resposta: Foi há cerca de 10 anos, no Reino Unido, com o amendoim. Foi feito um estudo em que deram amendoim a crianças precocemente e perceberam que elas tiveram uma prevalência menor de alergia àquele alimento. Inclusivamente há dados recentes, de 2024, que mostram que as crianças que entraram
neste estudo, hoje são adolescentes e mantêm a tolerância ao amendoim. Portanto, isto teve efeito a
curto, médio e longo prazo. Depois houve um outro estudo feito com ovo, que teve resultados semelhantes, e daí extrapolou-se para outros alergénios mais comuns.

Pergunta: Quais são, então, atualmente as recomendações?

Resposta: Neste momento, a recomendação que temos é que qualquer alimento, excluindo o sal, o açúcar, o mel, a bebida de arroz, chás e infusões, pode estar na introdução alimentar assim que ela começa - a recomendação geral são os 6 meses, ou nunca antes do quinto mês - e que os alergénios alimentares devem estar todos introduzidos, os principais, até aos 11 meses do bebé.

Pergunta: Há uma janela temporal?

Resposta: Sim, e temos dados dos últimos cinco anos que mostram que, além da introdução precoce, o principal factor protector para evitar uma alergia alimentar é a diversidade. Ou seja, quanto mais alimentos a criança conhecer até fazer 1 ano, melhor.

Eis a tentação da extrapolação: se se consegue educar a tolerância fisiológica muito precocemente, será que se consegue educar também a tolerância psicológica? Depois vem a pergunta, dupla, desafiadora, para a Educação: se a resposta é sim, então, quando é que deve começar? E como é que se faz?

Não é fácil responder às duas perguntas duma maneira que seja útil para para os pais, até porque os pais, especialmente os das crianças mais pequenas, já têm um outro desafio educativo pela frente: tem a ver com o que se costuma dizer "fazer ou não fazer todas as vontadinhas ao bebé ou à criança pequena", disciplinar-lhes hábitos (de sono, amamentação, refeições) ou não, isso sim, deixar que os bebés e as crianças se desenvolvam de acordo com as suas motivações e características de personalidade naturais.

Repare-se como pode estar em causa um, digamos, confronto entre a educação duma tolerância positiva e a lassidão perante uma tolerância negativa: é o espectro dos meninos mimados, que só fazem o que querem e quando querem, só comem o que querem e quando querem... E depois, em que vão eles tornar-se quando forem mais crescidos? Há já um conjunto relativamente vasto de literatura sobre estas questões, e pode-se sempre recorrer aos pedagogos clássicos, da estirpe, por exemplo, de Maria Montessori.

Sou adepto dos grupos de discussão, seja de pais, de educadores, de professores; mistos ou não. E onde falta informação exacta e comprovada, que se chegue à opinião o mais informada e esclarecida possível, para cada um ter ideia do que está em causa e de quais são os graus de liberdade na acção do educador, seja mãe, pai ou educador profissional.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

sexta-feira, dezembro 12, 2025

#TOLERÂNCIA348 - FUI TOLERANTE OU FUI COVARDE?

 #TOLERÂNCIA348 - FUI TOLERANTE OU FUI COVARDE?

Fui ao Vasco da Gama às compras da semana, como tantas vezes vou. Só que costumo ir ao sábado, e com calma, mas desta vez fui à sexta e com pressa, é que esperava-me um compromisso familiar.

Na grande nave da estação do metropolitano, logo depois de subir as escadas que lhe dão acesso, fixei os olhos num homem, que eu via de costas, um pouco à minha frente. Um homenzarrão! Sim, lá para os 2 metros de altura. Um pouco mais atrás dele, também de costas para mim, caminhava uma senhora vestida de preto, com um véu também preto, que empurrava um carrinho de bebé.

Primeiro pareceu-me que não tinham ligação um ao outro, que o homem ia por ali completamente indiferente à mulher. Depois ouvi-a a falar, sem perceber nada do que ela dizia, mas o homem percebeu, já que se virou para trás e falou à senhora que, entretanto, parara. Como a senhora não avançou, o homem recuou, chegou-se à senhora. Falavam e reparei que ele mudou para uma cara que primeiro foi de falta de paciência e depois de zangado.

Pelo movimento da senhora, que se deslocou ligeiramente para a esquerda, percebi que ela queria subir para o nível da avenida que liga a estação ao centro comercial pelas escadas rolantes. E chegou-se à pequena plataforma que inicia todas as escadas rolantes. Chegou-se e parou à espera do homem. O homem, de ar contrafeito, chegou-se à senhora pelo seu lado esquerdo. Nesta altura eu já via os dois pela frente, e parei mesmo a ver o que iria acontecer.

O senho continuava de ar zangado e parecia falar rispidamente para a senhora. Quando se calou avançou para os degraus da escada rolante e deixou-se ir sem mais olhar para trás. A senhora nem o seguiu com o olhar. Claramente a preocupação tornou-se em ver como poria o carrinho de bebé — com o bebé dentro, obviamente — a subir os degraus, e o homem parecia estar perfeitamente desligado da

senhora, do carrinho e do bebé.

Talvez porque estivesse, pareceu-me, longe das escadas rolantes, não tive o impulso de ir ajudar a senhora. A senhora lá se amanhou como pôde. Os degraus levaram-na, ela ia tensa e contraída; o homem, aparentemente descontraído, chegou ao topo das escadas, pôs-se a andar, deixei de o ver. Enquanto o vi, nunca ele se virou para trás.

Fui à minha vida. Dei-me conta de que ia irritado comigo mesmo. No mínimo, eu deveria ter subido as escadas atrás da senhora, discreto, como quem estava ali absolutamente indiferente a quem estava ou não estava nas mesmas escadas. Deveria, mas não fui.

Aquele homem, que não tinha chegado, de certeza, aos 40 anos, tinha envergadura física para levar ao colo a sen hora, o carrinho e o bebé. A tez de ambos sugeria — é com grande dose de ironia que aqui uso este jeito de observação hoje em tia tão frequentemente usado nos diagnósticos clínicos do corpo e da mente (e ainda hesitei em escrever, em alternativa, que era compatível com) — origem norte-africana ou arábica, a língua quase que garanto que era mesmo o árabe.

Não seria a primeira, nem a segunda, ou mesmo a terceira vez que eu ajudaria uma mãe com um carrinho de bebé a subir ou a descer as escadas do metropolitano, já lhes perdi a conta. Esta vez em que não ajudei, repito, deixou-me irritado.

Fui tolerante? E que tipo de tolerante fui, positivo ou negativo? Não deveria ter sido intolerante? Irritou-me o comportamento do homem, tive pena da senhora, afligi-me com o bebé. Mas o bebé ia protegido pela mãe, a mãe é que ia desamparada, quem é que a protegeria? Ou quem é que a protege? Ou protegerá?

O pensamento saltou-me para a Islândia e a consciência deste salto talvez justifique a inibição do impulso para ir ajudar a senhora. Um dia disseram-me, foi um jovem que vive lá, que se um homem se chega ao pé duma senhora a oferecer-se para ajudar a levar pesados sacos de compras arrisca-se a levar uma valente descasca, quem é ele para julgar que uma senhora não é capaz de carregar assim com pesos, machismo nunca mais!

Há ainda muito, mas mesmo muito, para fazer no campo da Tolerância e da Intolerância humana, pessoal, social, cultural... e ideológica. Seja, mas ainda não me desculpei da hesitação e da inibição. Não, não foi o medo de ser insultado fosse pelo homem ou pela senhora, ou mesmo dum confronto físico (o que já fiz, carregado de cabelos brancos, no Jardim Arco do Cego, é prova de que não estava com medo de levar porrada), isso sim, são atavios estereotipados e preconceituados que ainda carrego automaticamente, e hei-de carregar sempre. Que ninguém tire o cavalinho da chuva, todos temos telhados de vidro.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

quinta-feira, dezembro 11, 2025

#TOLERÂNCIA347 - "TOLERATION" E "TOLERANCE"

 #TOLERÂNCIA347 - "TOLERATION" E "TOLERANCE"

A autora do livro que descobri praticamente por acaso diz que "toleration" e "tolerance", sendo diferentes, o facto de serem "compagnons de route" dificulta a distinção entre ambos. Para já, mais difícil do que fazer a distinção conceptual entre "toleration" e "tolerance", é difícil traduzir "toleration" para português.(1)

Pedi à minha mana Vanda, super-especialista, como diriam na Ordem dos Psicólogos Portugueses, na língua inglesa. Não, não está nada fácil traduzir 'toleration' com uma palavra só. Recomenda a prudência e a preocupação de clareza optar por um substantivo composto, talvez tolerância-constitucional, tolerância-jurídica, tolerância-institucional. Qualquer sugestão, entretanto, é bem-vinda.

Vou guardar o livro na estante das segundas prioridades. Não tenho, por agora, disponibilidade mental para avançar neste assunto mais profundamente. Para já, transcrevo para aqui o texto que encontrei num 'site' da Net, texto que tenta ser uma apresentação geral do livro (que, descontando bibliografia e índices, tem cerca de 170 páginas) (2):

«As leis sobre laicidade em França proíbem certas práticas e símbolos religiosos do espaço público em nome da 'laïcité' — a interpretação dinâmica do conceito constitucional de Estado laico. Contudo, leis recentes sobre laicidade, embora descritas pelos seus proponentes como antidiscriminatórias e liberalizadoras, têm tido um impacto desproporcionado sobre as mulheres muçulmanas. Esta intolerância do “Outro”, sancionada pelo Estado, tem uma longa história na Europa e continua a moldar tanto Estados contemporâneos “liberais” como “não-liberais”.

»Na sua recente 'Harney Lecture', a Dra. Marietta van der Tol, investigadora na Universidade de Cambridge, descreveu um 'continuum' de tolerância do início da era moderna (early modern tolerance)

que ainda hoje molda as atitudes em relação ao “Outro”, mas que agora inclui outras formas de diferença, como a diversidade de género e a orientação sexual. As ideias históricas de comunidade na Europa baseavam-se no princípio cristão fundamental do 'corpus christianum' — em que o corpo de Cristo está unido às pessoas, aos espaços em que vivem e ao seu destino. As tentativas de criar esta unidade — que lidavam com questões de ordem e paz públicas, de lealdade em tempos de conflito e de benefícios económicos — podiam incluir uma variedade de atitudes em relação àqueles com práticas minoritárias.

»Num extremo, impunha-se a conformidade absoluta, muitas vezes através do uso — ou da ameaça de uso — da espada. Nalgumas situações, a presença do Outro era tolerada se permanecesse escondida da vista em espaços privados, como confissões religiosas minoritárias que praticavam à porta fechada. Um pouco mais inclusivo era o 'auslauf', um conceito alemão que se traduz por “escape” ou “válvula de escape” e que permitia certas actividades — por exemplo, a venda de bens, alimentos e serviços de outro modo proibidos pela religião predominante — desde que se realizassem fora do espaço público principal. Por fim, ao Outro religioso podia ser concedida paridade visível na vida pública. Questões de visibilidade, invisibilidade e tolerância do outro têm, assim, existido há muito num espectro.

»Segundo a Dra. van der Tol, muitos aspectos da tolerância do início da era moderna foram incorporados nas estruturas do constitucionalismo actual. Tal como antes a intolerância subia e descia, também agora os Estados procuram usar o direito constitucional para definir e conter o Outro, seja a diferença de etnia, género, orientação sexual ou religião. Além disso, esta produção do Outro não pode ser claramente delimitada entre Estados liberais tolerantes e Estados não-liberais mais opressivos. Para demonstrar estes pontos, a Dra. van der Tol apresentou quatro estudos de caso — de França, dos Países Baixos, da Polónia e da Hungria — em que tanto Estados liberais como não-liberais usaram as suas constituições para definir e limitar os direitos de um Outro.

»A política de 'laïcité' em França não foi concebida contra a religião em si, mas contra o poder da Igreja Católica e do alto clero na vida pública. Com efeito, a lei de 1905 que estabeleceu o princípio foi redigida por uma comissão que incluía minorias religiosas como protestantes e judeus. Mais recentemente, as interpretações modernas deste princípio têm sido usadas principalmente para legislar contra o Islão e deram origem a uma série de exigências excessivas que revelam preconceitos institucionalizados. Entre elas contam-se a proibição da burca em espaços públicos em 2010, a subsequente proibição do burquíni em 2016, a proibição da abaya nas escolas em 2023 e até a proibição de atletas francesas usarem véu nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris. Em 2014, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aprovou o uso do conceito de 'vivre ensemble', ou viver em conjunto, como justificação para limitar os direitos de indivíduos franceses (neste caso, quanto à utilização de véus integrais, ou burcas). A 'laïcité', derivada da literatura utópica e das raízes anticlericais da Revolução Francesa, ficou enredada em debates sobre a ordem pública.

»Também deu origem a debates semelhantes noutros países europeus, como os Países Baixos. Aí, o conceito de laicidade foi usado como uma “garantia” de ordem pública, com uma proibição da burca inspirada na lei francesa. Isto aconteceu apesar de uma forte contestação legislativa, da falta de dados sobre problemas de ordem pública e, em vez disso, de apelos ao desconforto emocional em relação ao Islão. A lei foi aprovada depois de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ter validado a lei francesa, justificada pela ideia de incompatibilidade da religião com a identidade nacional holandesa. O apelo ao “viver em conjunto” sobrepôs-se às considerações práticas e foi consagrado em lei pela mera força da vontade política.

»Apesar da suposta natureza liberal destas duas democracias da Europa Ocidental, existe uma clara e identificável continuidade entre as suas políticas e as das democracias “não-liberais” como a Hungria e a Polónia.

»Na Hungria, o governo usou a identidade constitucional como instrumento político; ao formular a narrativa da nação como sendo etnicamente húngara, estabeleceu uma nova constituição que distingue entre os húngaros e as “nacionalidades que vivem connosco”. O governo híbrido-autoritário do país instrumentalizou a constituição para exercer controlo sobre as igrejas, privilegiando aquelas que demonstram lealdade ao governo e consolidando-as como parte central da identidade nacional húngara.

»O quarto estudo de caso, a Polónia e as suas declarações pseudo-constitucionais, foi notável pela ausência inicial de legislação. Com o partido Lei e Justiça (PiS) a usar a linguagem da identidade polaco-católica para promover sentimentos anti‑LGBTQ+, várias autarquias controladas pelo PiS interpretaram a retórica constitucional sobre a “família adequada” e o “bom casamento” para declararem as suas áreas “zonas livres de LGBT”. Isto remete para as questões da primeira modernidade sobre visibilidade: se uma sociedade podia ser considerada tolerante e unificada sem ser “ameaçada” pela perspectiva de uma diferença visível, e se tais declarações locais contavam sequer como leis. O Supremo Tribunal polaco decidiu subsequentemente que, por produzirem consequências tangíveis, tais declarações constituíam retórica jurídica e linguagem pseudo‑constitucional.

»Para a Dra. van der Tol, elementos de extrema-direita têm, cada vez mais, recuperado a noção de liberdade religiosa, tanto em Estados liberais como iliberais. No período do início da era moderna, a tolerância era um poder discricionário, um privilégio concedido aos outros, não um direito inerente. Ter o direito de usar a espada mas abster-se de a brandir difere do constitucionalismo contemporâneo, em que os direitos podem ser consagrados, mas também codificados de forma a possibilitar a produção do Outro. Van der Tol mostrou que a vulnerabilidade à intolerância não é uma anomalia, mas antes parte das próprias estruturas do direito em sociedades liberais e não-liberais.»

São desafiantes estas questões teóricas, doutrinárias e ideológicas, mas a Educação não as pode dispensar. São muito necessárias para reflectir sobre a prática pedagógica e para enquadrar a acção educativa em modelos sistemáticos e coerentes. É o meta-conhecimento que protege os educadores de andarem à deriva, ao sabor do vento da inspiração, por muito bem informada que seja pela longa experiência pessoal e o dom da intuição.

(1) É o livro "CONSTITUTIONAL INTOLERANCE, The Fashioning of the Other in Europe's Constitutional Repertoires», de Mariëtta D. C. van der Tol, Ed. Cambridge, 2024.

(2) https://munkschool.utoronto.ca/harney/stories/constitutional-intolerance-fashioning-other-europes-constitutional-repertoires

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

quarta-feira, dezembro 10, 2025

#TOLERÂNCIA346 - CARTÃO BRANCO, 'FAIR PLAY', TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA346 - CARTÃO BRANCO, 'FAIR PLAY', TOLERÂNCIA

Hoje fizemos um 3 em 1 lá na escola. Sim, fizemos, eu estava lá, mesmo que esteja aposentado há mais de 2 meses. Eu tinha-me comprometido a colaborar com os meus colegas na celebração do Dia do Patrono(25NOV25) e na celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos (hoje). Entretanto, aproveitámos e celebrámos também os Valores e a Ética no Rugby e no Desporto, em geral, com o contributo notável de 3 antigos alunos, dois que se tornaram jogadores de rugby (ambos já representaram a selecção nacional nos seus escalões) e o outro está a começar uma carreira muito promissora de árbitro internacional de rugby. Esta terceira celebração foi, afinal, a primeira, no dia 20 de Novembro.

O colega Pedro Araújo, que já foi embaixador do Cartão Branco, uma iniciativa do Plano Nacional de

Ética no Desporto, do Instituto Português do Desporto e Juventude, partilhou uma série de slides sobre o Cartão Branco e o 'Fair Play', e em dois deles dizia o seguinte:

«O respeito é a base de todos os direitos humanos, bem assim como outros valores e princípios que são caros ao ‘fair play’ e que o Cartão Branco premeia: a verdade, a cooperação, a imparcialidade, a tolerância, a ajuda, a coragem, a determinação, a justiça e a honestidade.»

O cartão branco procura fazer o oposto do cartão amarelo, vermelho e azul dos desportos, em geral: estes castões visam sancionar o comportamento anti-desportivo de atletas e dirigentes. O cartão branco visa felicitar, nomeadamente nas seguintes situações: a) assumir voluntariamente uma infração que o atleta, ele próprio, cometeu durante o decorrer do jogo/prova; b) repor a verdade caso o árbitro tenha sido induzido em erro, ajuizando incorretamente a situação; c) reconhecer o valor do adversário, felicitando-o na sequência de uma/um boa/bom jogada/resultado/atitude; d) ajudar o adversário numa situação em que ele necessite de ajuda; e) qualquer outro comportamento ético relevante em contexto desportivo.

O desporto tem um potencial educativo tremendo! Mas a vida também não está fácil para o desporto: a ambição desmedida com que tantos pais pressionam os filhos, logo desde pequeninos, a imaginá-los Cristianos Ronaldos, Messis, Michaels Jordans ou Usains Bolts; os treinadores das camadas jovens, para que as suas equipas ganhem a todo o custo, é um fenómeno infelizmente mais expandido do que alguma vez se desejaria. Se o Desporto ajuda a Educação, a Educação também tem de ajudar o Desporto.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

terça-feira, dezembro 09, 2025

#TOLERÂNCIA345 - GOVERNAR EM PAZ OU EM GUERRA

 #TOLERÂNCIA345 - GOVERNAR EM PAZ OU EM GUERRA

No livro "História do Mundo", que comprei recentemente a aproveitar mais alguma percentagem de desconto por ser Natal, leio assim na página 103:

«Heródoto [485 a.C. - 425 a.C.] diz também que Sólon, que elaborou o primeiro sistema jurídico unificado para a Atenas clássica, visitou Lidia e advertiu Creso [último rei da Lídia, da dinastia Mermnada, (560 a.C. - 546 a.C.)] de que não poderia considerar-se feliz antes de morrer, pois nunca se sabia o que poderia acontecer de seguida. Quando Creso aguardava para ser executado numa pira de madeira, contou ao rei persa as palavras de Sólon. Ciro [Ciro II, mais conhecido como Ciro, o Grande, foi rei e fundador do Império Aquemênida, que reinou entre 559 e 530 a.C.] ponderou a sua própria situação e compadeceu-se, conservando Creso como prisioneiro e conselheiro. Quando perguntou ao

lidio derrotado se desejara realmente a guerra, Creso respondeu com a frase que é talvez a mais famosa alguma vez escrita por Heródoto: «Ninguém é suficientemente louco para optar pela guerra em lugar da paz — na paz, os filhos sepultam os pais, mas na guerra são os pais que sepultam os filhos».

»O interesse de Heródoto pela cultura persa, partilhado por outros escritores gregos, era prático e urgente. Teria Ciro, e os grandes reis que lhe sucederam, resolvido o problema de como governar bem? Tinham criado um império ligado por estradas rápidas e rectilíneas, e governado através de administradores locais, os sátrapas. A tolerância que cultivavam pelos costumes religiosos locais possibilitava-lhes governar sem uma força opressivamente desmedida e pareciam deveras abertos às ideias de outros povos. Os seus exércitos eram maciços e constituídos por muitos povos diferentes. As suas principais cidades eram admiráveis.

»Heródoto chama a atenção para o facto de as pessoas se beijarem quando se encontram na rua, ao invés de falarem, e admira o costume de até o rei se abster de matar alguém por uma simples transgressão. Abominam mentiras e dívidas. Nunca poluem os rios «com urina ou cuspo», nem sequer lavam as mãos na água que usam para beber. Têm uma maneira interessante de tomar decisões:

»Se é necessário tomar uma decisão importante, discutem a questão quando estão embriagados e, no dia seguinte, quando já estão sóbrios, o dono da casa […] propõe que reconsiderem a decisão tomada. Se continuam a aprová-la, é adoptada; caso contrário, abandonam-na. Inversamente, qualquer decisão que tomem em estado de sobriedade é reconsiderada quando estão embriagados.»

Mais uma vez, cauteloso com a tradução, fui procurar a forma original à Internet. Encontrei-a no 'site' do Internet Archive e é mesmo a palavra tolerância que aparece. O que acho curioso, e é essa a minha impressão, é que a tolerância não me parece estar apenas na atitude dos reis persas perante os costumes religiosos locais, onde aparece explicitada, mas parece-me estar também subjacente ao sentimento de compadecimento pessoal do primeiro parágrafo, e também no último, o das decisões dos embriagados.

Portanto, tolerância do rei vencedor ao rei vencido; tolerância dos governantes vencedores aos povos subjugados; tolerância à expressão pública de afectos; finalmente, tolerância entre pares, aos seus comportamentos desbragados. Será a tolerância enquanto forma de cultura, será?

Parece-me que temos aqui mais uma dinâmica histórica e cultural-gatilho muito interessante para o projecto de formação de longa duração à volta da Tolerância.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

segunda-feira, dezembro 08, 2025

#TOLERÂNCIA344 - TOLERÂNCIA E NATAL

 #TOLERÂNCIA344 - TOLERÂNCIA E NATAL

Não sei quando, decidi para mim mesmo que a época natalícia começa no dia 8 de Dezembro. A influência para assim autodeterminar vem certamente do lado materno da família, num já distante 8 de Dezembro nasceram a minha irmã e o primo Pedro Jorge, filhos das irmãs Maria de Lourdes e Beatriz.

Pus-me à procura na Internet de textos natalícios que referissem explicitamente a palavra Tolerância. Encontrei este, pequenino: «Sugestões de presentes para o Natal: Para o seu inimigo, perdão. Para um oponente, tolerância. Para um amigo, o seu coração. Para um cliente, serviço. Para tudo, caridade. Para toda a criança, um bom exemplo. Para si próprio, respeito.» O autor é Oren Arnold (1900-1980), jornalista e escritor norte-americano.

Calejado com as vicissitudes e as idiossincrasias das traduções, fui à procura do texto na língua original, a ver se continha mesmo a palavra Tolerância. Confirmei que sim, ela lá estava: «Christmas gift suggestions: To your enemy, forgiveness. To an opponent, tolerance. To a friend, your heart. To a

customer, service. To all, charity. To every child, a good example. To yourself, respect.»

Sim senhor, gostei do que encontrei. E já estou a imaginar uma sessão de trabalho sobre a Tolerância em que entrego aos participantes 7 cartões de presentes e 7 cartões de presenteados. Cada participante distribui os presentes pelos presenteados; depois cada um apresenta ao grupo os emparelhamentos que fez; depois faz-se a discussão dos argumentos e esclarecimentos entre todos; e finalmente o grupo tenta descobrir qual foi a escolha que o autor Oren Arnold fez.

É verdade, se tivesse oportunidade de dar uma última aula às minhas turmas de Setembro, do 7.º e do 9.º ano, faria com eles esta natalícia actividade. Quem sabe, ainda...

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس 

domingo, dezembro 07, 2025

#TOLERÂNCIA343 - OU A OCIOSIDADE OU O INTOLERÁVEL

 #TOLERÂNCIA343 - OU A OCIOSIDADE OU O INTOLERÁVEL

Quem nos confronta com esta opção, ou a ociosidade ou o intolerável, é Miguel de Cervantes no D. Quixote de La Mancha:

Ó tu que és honra e glória dos que vestem
túnicas de aço e rútilo diamante,
luz e fanal e mestre e norte e guia
daqueles que, deixando o torpe sono
e os ociosos leitos, só se empregam
no rude, intolerável exercício
das sangrentas, fatais, pesadas armas!

O Cavaleiro da Triste Figura escuta esta fala no castelo dos Duques que acolheram D. Quixote e Sancho

Pança com a intenção de se divertirem à custa da loucura do famoso cavaleiro, e quem profere estas palavras é uma personagem (o mordomo dos Duques) mascarada de Merlin, o famoso mago das lendas do Rei Artur. O objectivo é levar o escudeiro Sancho Pança a ser açoitado 3300 vezes — determinará Merlin a seguir — porque só assim se conseguirá "desencantar" Dulcineia del Toboso.

É com as artes e artimanhas dum assim tão pomposo e exagerado elogio a D. Quixote que o "mago" pretende levar por diante o maroteiro divertimento à custa do cavaleiro e do escudeiro.

Forçado pelo próprio cavaleiro a suportar o fardo do desencantamento da amada Dulcineia, Sancho Pança, ardiloso, consegue convencer o amo que se autoflagelou mesmo com as 3300 açoitadelas. O ardil foi de tal forma que ainda ganhou algum dinheiro com ele.

No elogio ficcional do mago Merlin, intolerante tem o sentido de insuportável, do sacrifício pessoal valoroso do sofrimento por uma boa causa.

Entretanto, é na figura de Sancho Pança que fico a pensar, a tolerância que ao longo da narrativa ele vai mostrando em relação ao seu amo. Não é uma tolerância passiva, o escudeiro acaba por se deixar fascinar pelos ideais loucos do seu amo, e é com muita astúcia que ele vai desembrulhando comportamentos que a ambos são úteis, que a ambos ajudam a desenvencilharem-se. Ele aprende a "gerir" a loucura do amo para sobreviver. Sancho Pança, no princípio de tudo, começará por se sentir seduzido; aos poucos vai vendo crescer nele o sentimento da compaixão; a compaixão alimenta a tolerância; a tolerância faz crescer a cumplicidade; a cumplicidade aprofunda a amizade.

Conclusão quase em jeito de ocioso pensamento domingueiro: a Educação tem mesmo de se ocupar com a pedagogia — a boa pedagogia! — dos afectos positivos, não é?

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التس