quarta-feira, novembro 19, 2025

#TOLERÂNCIA 325 - NÃO AGUENTO MAIS ESTA PESSOA!

 #TOLERÂNCIA 325 - NÃO AGUENTO MAIS ESTA PESSOA!

"Não há pessoa que seja mais intolerável, e que menos seja tolerada na sociedade, do que a pessoa intolerante." A frase, ou aforismo, é de Giacomo Leopardi (autor italiano, que teve uma vida curta, entre 1798 e 1837), e está no seu livro Zibaldone (pode-se traduzir por Miscelânea). Encontrei a frase quando folheava uma revista digital brasileira (Humanitas, n.º 190).

Penso que basicamente a frase quer dizer que a coisa que mais nos irrita nos outros, nalguns outros, é o facto de eles se irritarem com tudo. Quando encontramos alguém que não aceita falhas, opiniões diferentes ou pequenos erros, isso torna-se, para nós, uma característica muito difícil de aceitar. Ou seja, é difícil ter paciência para quem não tem paciência.

Sim, faz lembrar o paradoxo da Tolerância que há muitas etapas atrás visitámos.

O problema, ou melhor, o perigo da afirmação de Leopardi está em que a intolerância alheia, da pessoa que consideramos intolerante, aparentemente força-nos a nós próprios a sermos... isso mesmo, intolerantes. É possível que alguém à nossa volta ou nós mesmos pensemos que, às tantas, poderíamos ter sido um pouquinho mais tolerantes. Reconheço que é muito difícil manter a calma e a benevolência perante alguém que está constantemente a julgar os outros, a criticar ou a recusar-se a compreender seja quem seja, seja o que seja. Apaziguados no nosso «Basta!», sentindo-nos bem, podemos ser tentados, no futuro, noutra ocasião, a fazer o mesmo, mas sem a mesma dúvida ou hesitação, e assim, sem nos darmos conta, podemos tornar-nos mais intolerantes.

Não é fácil o caminho da Tolerância... Acho que nesta altura da viagem já temos clara consciência disso mesmo. Não são só os bíceps, os peitorais ou os abdominais; ou a atenção e a memória, que há que treinar para manter em boa forma, a Tolerância também precisa de treino regular.

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terça-feira, novembro 18, 2025

#TOLERÂNCIA324 - UM 'SITE' FOCADO NA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA324 - UM 'SITE' FOCADO NA TOLERÂNCIA

Não tive intenção deliberada em escrever o apontamento de hoje a seguir ao de ontem. Posso dizer que são da mesma matriz, mas sucederam-se absolutamente por acaso — ainda bem, fiquei contente! Qual é a matriz? É a colaboração, é a achega que é trazida voluntariosamente.

Ontem, uma amiga minha mandou-me um acróstico que alguém publicou na Net; hoje encontrei um 'site' em que as pessoas são convidadas a escrever sobre a Tolerância e fazem-no voluntariamente.

O 'site' tem origem em Montreal, no Canadá. Afirma-se como sendo um espaço para «Olhar para dentro de nós e para o mundo. Independente e neutro em relação a todas as orientações políticas e religiosas, o Tolerance.ca® tem como objectivo promover a consciência dos principais princípios democráticos nos quais a tolerância se baseia.»(1)

O 'site' tem uma página com o seguinte título: "Tolerância. A tua resposta." A seguir pergunta: «O que é a Tolerância?» E convida assim à participação das pessoas: «Toda a gente fala de tolerância. Porquê? O que tem a tolerância de tão importante? Tem uma opinião sobre a tolerância que gostasse de partilhar? Por que razão devemos ser tolerantes? Conte-nos a sua opinião. Escreva a sua resposta diretamente na caixa abaixo. Mantenha a resposta breve - entre 10 a 15 linhas.»

Estão publicadas 3 respostas. A primeira: "Tem tolerância?" (por Ifrah Iman, em 9 de janeiro de 2018). «Eu costumava ter muita tolerância com as pessoas, há muitos anos. Quanto mais a vida se torna difícil, mais sinto que posso perder facilmente a minha tolerância para com os outros. Pergunto a mim mesma porque hei-de ter muita tolerância com pessoas que não se importam com a minha vida? Não faz sentido ter tolerância com pessoas que estão sempre a fechar-te portas na cara. Elas não gostam de ti ou não gostam do teu sucesso na vida. Estão apenas lá para te usar sem agradecer por tudo o que fazes por elas. Tomei uma decisão sobre a tolerância. Eu importo-me e tenho tolerância apenas com as pessoas que também se importam comigo. Se a pessoa em questão me desrespeitar ou disser algo mau sobre mim, vou dizer-lhe exactamente o que sinto em relação a ela, frente a frente, com tolerância zero.»

A segunda resposta: "Aceitação do Outro" (por Yvonne J., em 25 de agosto de 2008). «Tolerância significa aceitar as pessoas que podemos (inicialmente) considerar diferentes de nós próprios, "viver e deixar viver". A tolerância tende a ser um resultado natural de conhecer os nossos vizinhos, quer morem ao lado ou noutro país. Exige o reconhecimento do facto de que cada um de nós ocupa um pequeno espaço num planeta partilhado. A verdadeira tolerância é um estado activo, não passivo. Exige que projectemos abertura, estendamos as boas-vindas e procuremos valores e interesses comuns. Nasci nos EUA, mas visitei e/ou residi em 12 países diferentes, incluindo vários países muçulmanos. Esta experiência permitiu-me ver para além das diferenças culturais e religiosas, para perceber que a natureza humana é muito semelhante em todo o mundo.»

A terceira resposta: "O que é a Tolerância?" (por carliec, em 29 de maio de 2008). «Para mim, tolerância significa aceitar que, mesmo que não concordemos com as crenças, valores ou estilos de vida dos outros, temos certamente direito a tê-los. Descobri que coisas em que acreditava e que valorizava durante a minha juventude já não fazem parte de quem sou hoje. Acho que é o que nos faz adultos. A tolerância é o que me ajuda a aceitar quem sou, imperfeições e tudo, dentro da nossa humanidade. A tolerância encoraja-me a ser paciente, bondoso e prestativo com os outros. Obrigada. Carol Crocker»

Tenho a certeza de que em breve escreverei alguma coisa nesta página (https://www.tolerance.ca/Article.aspx?ID=10189&L=en); e sugiro a toda a gente que o faça também. Já viram bem o que estas 3 respostas estimulam à reflexão e à discussão? Vá, força!, acedam à página e respondam, mesmo que seja em português. Agora é fácil fazer-se a tradução para outras línguas, qualquer pessoa na Net pode fazê-lo.

(1) https://www.tolerance.ca/

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segunda-feira, novembro 17, 2025

#TOLERÂNCIA323 - UM ACRÓSTICO DA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA323 - UM ACRÓSTICO DA TOLERÂNCIA

Hoje uma amiga de longa data escreveu-me assim no WhatsApp: «Ainda é tema? Retirei do Facebook. Boa tarde, amigo, continuação de bom dia.»

Ela mandou-me um acróstico de Tolerância, em ficheiro de imagem, que transponho para aqui assim:

.............enTender
.................Ouvir
..............faLar
.................Empatia
.................Respeitar
.......perdoAr
............coNviver
................Compreender
.............unIão
.........aceitAr

Agradeço vivamente o contributo da minha amiga e apetece-me discorrer o seguinte:

O acróstico apresentado utiliza a palavra “TOLERÂNCIA” como eixo estruturante para destacar valores, atitudes e comportamentos essenciais para a convivência humana, que se pretende tão harmoniosa quanto possível. Cada letra representa um elemento, digamos, um ingrediente, que, quando praticado, contribui para a construção de relações mais respeitosas e pacíficas.

1. Entender — representará a capacidade de procurar compreender o Outro antes de julgar, dando-lhe atenção. Pode associar-se ao valor da escuta activa e ao esforço para perceber diferentes perspectivas.

2. Ouvir — um comportamento fundamental para qualquer relação saudável. Implica atenção genuína, paciência e disponibilidade emocional. Sobretudo atenção, sempre a atenção, o foco atencional. Quanto melhor se ouvir menos se distorcer-se-á a mensagem, a informação, a comunicação.

3. Falar — comunicar. Comunicar. Comunicar. De lá para cá, de cá para lá. É a falar que a gente se entende, lá diz o ditado. Com clareza e respeito, é a atitude essencial para evitar conflitos e promover a compreensão mútua. (E já vamos à compreensão)

4. Empatia — um dos valores centrais da Tolerância. Refere-se à habilidade de se colocar no lugar do outro, tentando identificar e compreender os seus sentimentos e necessidades.

5. Respeitar — valor essencial nas interacções sociais. A Tolerância nasce do respeito pelas diferenças, sejam culturais, ideológicas ou pessoais; ou outras.

6. Perdoar — gesto-decisão que exige maturidade emocional; e esforço. Perdoar significa vencer zangas, ódios, raivas, decepções, ressentimentos; e significa promover um ambiente de paz e reconciliação.

7. Conviver — Refere-se à capacidade de partilhar espaços e experiências com outras pessoas, aceitando diferenças e esforçar-se em construir relações positivas.

8. Compreender — mais profundo que “entender”, implica uma interpretação mais ampla das razões e emoções do Outro, de mãos dadas com a empatia e o respeito.

9. União — valor que representa cooperação, apoio mútuo e sentimento de pertença. A união fortalece a coexistência pacífica. A união faz a força. Unidos resistimos, divididos caímos.

10. Aceitar — não basta compreender e respeitar; é preciso aceitar que as diferenças fazem parte da diversidade humana. O que se pode construir para bem de muitos, ou mesmo todos, tem na aceitação o momento crítico da obra que se começa.

No conjunto, o acróstico descreve um caminho completo para a prática da tolerância: ouvir, compreender, respeitar, comunicar e conviver são comportamentos que traduzem valores fundamentais como empatia, união e aceitação. O resultado é uma visão de convivência baseada na paz, no diálogo e na valorização da diversidade.

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domingo, novembro 16, 2025

#TOLERÂNCIA322 - DIA MUNDIAL DA TOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA322 - DIA MUNDIAL DA TOLERÂNCIA

É a definição oficial de Tolerância da UNESCO, que a escreve no seu 'site' em 5 línguas.

"Tolerance is respect, acceptance and appreciation of the rich diversity of our world's cultures, our forms of expression and ways of being human." (inglês)

« La tolérance est le respect, l'acceptation et l'appréciation de la richesse et de la diversité des cultures de notre monde, de nos modes d'expression et de nos manières d'exprimer notre qualité d'êtres humains. » (francês)

«La tolerancia es respeto, aceptación y aprecio de la extraordinaria diversidad que caracteriza a las culturas de nuestro mundo, nuestras formas de expresión y maneras de ser humanos». (espanhol)

«Терпимость означает уважение, принятие и правильное понимание богатого многообразия культур нашего мира, наших форм самовыражения и способов проявлений человеческой индивидуальности». (russo)

التسامح يعني الاحترام والقبول والتقدير للتنوع الثري لثقافات عالمنا ولأشكال التعبير وللصفات الإنسانية لدينا”. هذا القول مقتبس من إعلان المبادئ بشأن التسامح الذي" (árabe)

 “宽容是对我们这一世界丰富多彩的不同文化、不同的思想表达形式和不同的行为方式的尊重、接纳和欣赏。” (chinês - mandarim)

"A tolerância é o respeito, a aceitação e a apreciação da diversidade ricamente colorida das culturas do nosso mundo, das diferentes formas de expressão de pensamento e dos diferentes modos de comportamento." (traduzido pelo DeepSeek a partir da forma chinesa, em mandarim)

Foi em 16 de Novembro de 1995 que a UNESCO adoptou a Declaração dos Princípios da Tolerância, e em 1996 a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Resolução 51/95, proclamando o dia 16 de Novembro o Dia Internacional para a Tolerância.

É assim o 1.º artigo da Declaração:

Artigo 1.º – Significado da tolerância
1.1 A tolerância é o respeito, a aceitação e a valorização da rica diversidade das culturas do nosso mundo, das nossas formas de expressão e dos modos de ser humano. É fomentada pelo conhecimento, pela abertura, pela comunicação e pela liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não constitui apenas um dever moral, é também uma exigência política e jurídica. A tolerância, virtude que torna a paz possível, contribui para a substituição da cultura da guerra por uma cultura de paz.

1.2 A tolerância não é concessão, condescendência nem indulgência. A tolerância é, acima de tudo, uma atitude activa, motivada pelo reconhecimento dos direitos humanos universais e das liberdades fundamentais dos outros. Em nenhuma circunstância pode ser utilizada para justificar violações desses valores fundamentais. A tolerância deve ser exercida por indivíduos, grupos e Estados.

1.3 A tolerância é a responsabilidade que sustenta os direitos humanos, o pluralismo (incluindo o pluralismo cultural), a democracia e o primado do Direito. Implica a rejeição do dogmatismo e do absolutismo e reafirma as normas estabelecidas nos instrumentos internacionais de direitos humanos.

1.4 Em conformidade com o respeito pelos direitos humanos, a prática da tolerância não significa tolerar a injustiça social, nem abandonar ou enfraquecer as próprias convicções. Significa que cada um é livre de se manter fiel às suas convicções e de aceitar que os outros se mantenham fiéis às suas. Significa aceitar o facto de que os seres humanos, naturalmente diversos na sua aparência, situação, linguagem, comportamento e valores, têm o direito de viver em paz e de ser tal como são. Significa também que as opiniões de uma pessoa não devem ser impostas aos outros.

Olhando este articulado após mais de 320 etapas pela geografia da Tolerância, em que procurei conhecer, clarificar, aprender, entender; e esclarecer como se pode educar a Tolerância, torna-se claro para mim que o Bem-Estar, a Harmonia, a Paz não se bastam com a Tolerância.

Por outro lado, penso que todos os conceitos de que a Declaração fala (respeito, aceitação, diversidade, convicções, concessão, condescendência, etc.) já foram visitados em algumas das etapas desta viagem.

Por agora, e como é dia de celebração, apenas uma coisa mais: no artigo 4.º a Declaração diz que «A Educação é o meio mais efectivo de prevenir a intolerância». Mas nesta altura da minha viagem não tenho dúvidas nenhumas (nem terá quem regularmente me tem acompanhado) de que é preciso também educar para a Intolerância (por exemplo, da injustiça). Aliás, todo o artigo 4.º é dedicado à Educação.

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sábado, novembro 15, 2025

#TOLERÂNCIA321 - A VIDA POLÍTICA ESTÁ MAIS INTOLERANTE?

 #TOLERÂNCIA321 - A VIDA POLÍTICA ESTÁ MAIS INTOLERANTE?

Parece-me que a jornalista São José Almeida — que actualmente preside ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas —, na edição de hoje do Público alerta os leitores precisamente para isso: a intolerância crescente dos dirigentes políticos. O artigo tem o título "Como a convocação de uma greve geral clarifica a viragem à direita do PSD".

Ora bem, é preciso que as coisas com que se governa a 'Res publica' se clarifiquem, ainda não me parece que seja altura de deitar as ideologias para o lixo, o que o candidato a Presidente da República António José Seguro insistentemente respondeu às jornalistas que o entrevistavam, negando-se a posicionar-se à direita ou à esquerda do espectro partidário (ele que é, sempre foi do Partido Socialista!), é, na minha opinião, lamentável e é espelho das dificuldades que os políticos têm de se definir com clareza. Por isso os movimentos "inorgânicos" radicais e populistas campeiam.

Que escreve São José Almeida? O seguinte:

«A viragem à direita na sociedade portuguesa é um facto. Mas há uma mudança mais profunda em

curso, que vai para além da viragem política à direita. Há um conservadorismo em crescendo, um reaccionarismo mesmo, em paralelo com um escalar de uma mentalidade antidemocrática e de pendor intolerante, até autoritário. Isso tem sido manifesto, por exemplo, nas reacções ao anúncio, pela CGTP e pela UGT, de uma greve geral conjunta, contra a reforma da legislação laboral proposta pelo Governo.

»Por mais radicalização que se vá instalando, a verdade é que aquilo que é a democracia não passa apenas pelo princípio de uma pessoa, um voto. A democracia caracteriza-se também pela existência de diálogo político e de diálogo social. Ora, o que se vive, neste momento, em Portugal, é o início de um processo, aberto pelo Governo, para alterar de forma profunda a legislação laboral. Neste momento, as negociações e o diálogo processam-se em sede de concertação social, após o que, atingido ou não um acordo, o Governo aprovará, em Conselho de Ministros, a legislação para alterar as leis laborais, ao que se segue o processo de debate, negociação e aprovação dos diplomas pela Assembleia da República.

»É nesta fase de negociação, em concertação social, com as confederações patronais e com as
confederações sindicais, que faz sentido ser convocada e realizada uma greve geral. É ignorância ou
má-fé defender que uma greve geral se faz depois das leis aprovadas. Hoje em dia, em democracia, uma greve geral já não é revolucionária, como conceptualizou Georges Sorel, nem é uma forma de protesto, é um método, um recurso, um instrumento negocial dos trabalhadores, é uma forma de fazer pressão durante negociações, de forçar negociações. Mais. A greve tem como objectivo demonstrar o peso do trabalho e logo de quem o produz, os trabalhadores. Daí a lógica desta greve geral convocada para 11 de
Dezembro. [...]

»[...] O primeiro-ministro reagiu ao anúncio da convocação da greve geral vitimizando-se e até
adulterando o conceito de greve geral. Logo no domingo, Luís Montenegro começou por querer
partidarizar a questão, acusando o PCP e o PS de instrumentalizarem as centrais sindicais. [...]»

Todo o artigo me parece claro, bem estruturado, sistematicamente argumentado, bem construído.

Concordo com o "escalar de uma mentalidade antidemocrática e de pendor intolerante". Preocupo-me com o que vou vendo na Comunicação Social e na Vida Pública portuguesa; e mais: sou mais pessimista que a jornalista, esse tipo de mentalidade não marca só a vida política e a governação portuguesa, é assim também em muitos outros países do Mundo.

Que os Governos governem — com ética, com respeito e honestidade. Que os Sindicatos lutem — com firmeza, solidariedade e lucidez.

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sexta-feira, novembro 14, 2025

#TOLERÂNCIA320 - A TOLERÂNCIA COM AS TRADUÇÕES

 #TOLERÂNCIA320 - A TOLERÂNCIA COM AS TRADUÇÕES

«Traduttore, traditore.» [Traduzir é trair] é uma afirmação frequentemente associada a Umberto Eco, muito compreensivamente ligada a Umberto Eco, embora a sua origem pareça ser bem mais antiga, aliás, como serão também mais antigas a grande maioria das citações que enchem os discursos, as redes sociais, os tantos livros que há de citações, sejam de um autor só ou de vários autores.

Isto vem a propósito de hoje ter "tropeçado" neste aforismo de Karl Kraus, depois duma breve passagem pela livraria Buchholz: "How imperiously an idiot deals with time! He beguiles it or kills it. And time puts up with it; no one has ever heard of time beguiling or killing an idiot."

A tradução que o Gemini quase automaticamente me entrega é "Com que soberania um imbecil trata o tempo! Ele o seduz ou o mata. E o tempo tolera isso; nunca se ouviu falar que o tempo tenha seduzido ou matado um imbecil." (Pergunto-me se não ficaria melhor sobranceria em vez de soberania, mas adiante...) É claro, assim que apareceu a palavra Tolerância, eu fiquei agarrado.

Fui à procura da forma original, em alemão da Áustria. Encontrei assim: "Wie souverän doch ein Dummkopf die Zeit behandelt! Er vertreibt sie sich oder schlägt sie tot. Und sie läßt sich das gefallen. Denn man hat noch nie gehört, daß die Zeit einen Dummkopf vertrieben oder totgeschlagen hat."

A seguir peguei nesta frase original e pedi a 3 'chatbots' que ma traduzissem.

Gemini: "Com que soberania um imbecil trata o tempo! Ele passa-o ou mata-o. E o tempo deixa que isso aconteça. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tenha afastado ou matado um imbecil."

ChatGPT: "Como é soberano um parvo ao lidar com o tempo! Ele mata-o ou distrai-se com ele. E o tempo aceita isso. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tenha expulsado ou morto um parvo.»

DeepSeek: "Eis como um imbecil domina o tempo com soberania! Ele entretém-se ou mata-o. E o tempo deixa-se maltratar. Pois nunca se ouviu dizer que o tempo tivesse entretido ou morto um imbecil."

Repare-se: o tempo "tolera", "deixa que aconteça", "aceita", "deixa-se". Noutros lados encontrei "suporta", "resigna-se". (Estamos a tocar em coisas que já tocamos noutras vezes, noutras estações da viagem, não é? Isto tem a ver com a a proximidade e a diferenciação entre conceitos — que deve ser sempre aprofundada)

Fui um pouco mais longe, mas sem sair da exploração ligeira, e que encontrei eu:

1 - Na versão que encontrei na Internet do "Sprüche und Widersprüche", de 1909, a palavra Tolerância nunca aparece. O Gemini diz-me que Karl Kraus "não era um defensor da tolerância passiva; pelo contrário, era notoriamente intolerante para com o cinismo, a estupidez e a vulgaridade da sua época."

2 - A edição americana de que me servi é de 2001 e é a tradução da edição revista de 1923, mais extensa que a original de 1909. Tem o título "Dicta and Contradicta". Nesta edição em língua inglesa a palavra Tolerância (ou intolerância) aparece 9 vezes. Cá estará o «Traduttore, traditore.»

3 - A edição portuguesa é de 2018 e tem como título "Aforismos - Ditos e contraditos. Pro Domo Et Mundo. À noite"

Ora bem, o que escrevi antes são apenas notas para noutra altura ir mais longe, procurar mais fundo. Uma das coisas que certamente farei é pôr lado a lado os aforismos ingleses que contêm a palavra Tolerância, os portugueses e, evidentemente os originais em língua alemã. Para já, por hoje, ficamos só com estas notas que nos põem a pensar — espero que tolerantemente — nas questões da tradução da Tolerância e da Intolerância.

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quinta-feira, novembro 13, 2025

#TOLERÂNCIA319 - O BUDISMO É UMA RELIGIÃO PACIFISTA?

 #TOLERÂNCIA319 - O BUDISMO É UMA RELIGIÃO PACIFISTA?

O texto “Le bouddhisme est-il une religion pacifiste ?”, de Bernard Faure, professor na Universidade de Stanford, Califórnia) é publicado pela revista "Sciences Humaines" (edição de 15 de outubro de 2025).

(Eu servi-me da edição digital, de que sou assinante, que saiu hoje)

É um texto que confirma que, em todo o lado, em todas as geografias, culturas e filosofias do Mundo, a Tolerância é atitude, é um comportamento que se adquire, que se aprende, que se educa. Que pede empenho constante.


O budismo é uma religião pacifista?

Monges combatentes, assassinatos, guerras… O budismo é realmente uma religião pacifista?

Desde a sua origem, o budismo insiste na compaixão para com os outros: o primeiro budismo, chamado 'theravāda', ainda presente no Sudeste Asiático e no Sri Lanka, dá ênfase a uma introspecção pessoal que deve permitir compreender a natureza das nossas relações com o outro.

Não existe um dogma fundamental, para além de algumas noções herdadas do hinduísmo. Também não existe uma autoridade eclesiástica suprema. Estes dois traços tornam, à primeira vista, difícil falar em ortodoxia, e ainda mais em fundamentalismo budista. Os budismos, por natureza plurais, souberam acolher no seu seio as doutrinas mais diversas.

Todos os seres merecem compaixão

Mais tarde, o budismo 'mahāyāna' (“grande veículo”), hoje em dia difundido na China, Coreia, Japão e Vietname, preconiza a compaixão para com todos os seres, mesmo os piores. Esse sentimento de comunhão baseia-se na crença na transmigração das almas, que leva os seres a renascer em diferentes formas de existência, humanas e não humanas. O 'mahāyāna' insiste na presença de uma “natureza de Buda” em todos os seres.

Quanto ao budismo 'vajrayāna' (esotérico, tântrico), originário do 'mahāyāna' e actualmente praticado sobretudo no Tibete e na Mongólia, oferece uma visão grandiosa do Universo inteiro, que não é senão o corpo do Buda cósmico. Na época contemporânea, compaixão e tolerância tornaram-se, em parte graças à figura mediática do atual dalai-lama — ícone moderno do budismo tibetano —, a imagem de marca do budismo como um todo.

Os pensadores budistas elaboraram rapidamente conceitos próprios para explicar diversos graus de verdade. O próprio Buda, segundo um ensinamento que foi depois sintetizado, em particular pelo 'mahāyāna', ensinava assim uma verdade convencional (acessível a todos), adaptada às faculdades limitadas dos seus ouvintes, reservando a verdade última a uma elite espiritual. Este recurso constante a expedientes salvíficos ('upāya'), que marcam vias diferentes e mais ou menos complexas de acesso à salvação, torna o dogmatismo difícil, pois todo dogma pertence ao domínio da palavra, portanto, da verdade convencional.

Um sincretismo militante

As teorias budistas favoreceram diversas formas de sincretismo, como as de Zhiyi (538-597) e Guifeng Zongmi (780-841) na China, Kūkai (774-835) no Japão, e Tsongkhapa (1357-1419) no Tibete. Muitas vezes trata-se de uma espécie de sincretismo “militante”, em que os cultos rivais (como o bön tibetano, o confucionismo e o taoísmo na China, ou o xintoísmo no Japão...) são integrados num plano subalterno dentro de um sistema cujo ponto culminante é a doutrina do autor.

Estas elaborações conduziram rapidamente o budismo a tornar-se num politeísmo, que assimila e mistura nos seus panteões os deuses das religiões que o precederam (do hinduísmo, do bön, do taoismo…).

Na prática, porém, a harmonia teórica nem sempre se confirmou. Entre os séculos VIII e XIII, no budismo chinês e japonês, surgiu a tendência para privilegiar uma prática única (como a meditação sentada ou a recitação do nome do Buda Amida), que se supõe subsumir todas as outras.

É o caso de certas escolas da corrente do amidismo, chinês e japonês, que postulam que aquele que recita simplesmente uma fórmula cultual no momento de morrer tem garantida a sua reencarnação no paraíso da Terra Pura.

O budismo e a violência

Mas é sobretudo devido à sua evolução histórica que o budismo é levado a cometer infracções aos seus grandes princípios. O principal obstáculo reside nas relações desta religião com as culturas que encontra ao longo da sua expansão. A atitude dos budistas para com as religiões locais é frequentemente descrita como um exemplo clássico de tolerância. Trata-se, na realidade, de uma tentativa de controlo: os deuses indígenas mais importantes são convertidos, os outros são rejeitados nas trevas exteriores, rebaixados à categoria de demónios e, se for o caso, submetidos ou destruídos por ritos apropriados.

É certo que o processo é frequentemente representado nas fontes budistas como uma conversão voluntária das divindades locais. Mas a realidade é frequentemente bem outra, como testemunham certos mitos, que sugerem que o budismo por vezes procurou erradicar os cultos locais que lhe faziam obstáculo.

Foi assim que o Tibete foi «pacificado» no século VIII pelo mestre indiano Padmasambhava, quando este submeteu todos os «demónios» locais (na realidade, os antigos deuses) graças aos seus formidáveis poderes. Um século antes, o primeiro rei budista, Trisong Detsen, já tinha submetido as forças telúricas (energias terrestres de natureza «mágica» que influenciam indivíduos e habitats), simbolizadas por uma demónia, cujo corpo cobria todo o território tibetano, ao «pregar» esta ao solo por meio de 'stûpa' (monumentos comemorativos e muitas vezes centros de peregrinação) fincados nos doze pontos do seu corpo. O templo de Jokhang em Lassa, local sagrado do budismo tibetano, seria o «pio» cravado na parte central do corpo da demónia, o seu sexo.

Budistas conquistadores

Este simbolismo, que descreve a «conquista» budista como uma espécie de submissão sexual, encontra-se num dos mitos fundadores do budismo tântrico, a submissão do deus Maheshvara por Vajrapâni, emanação aterradora do buda cósmico Vairocana.

Maheshvara é um dos nomes de Shiva, um dos grandes deuses da mitologia hindu. Este último, rebaixado pelo budismo à categoria de demónio, não cometeu outro crime senão o de se julgar o Criador e de recusar submeter-se a Vajrapâni, em quem não vê senão um demónio. A sua arrogância vale-lhe ser espezinhado até à morte ou, segundo um piedoso eufemismo, «libertado», apesar da branda intercessão do buda Vairocana para travar a fúria destrutiva do seu avatar Vajrapâni. Tomados pelo medo, os outros demónios (deuses hindus) submetem-se sem resistência.

Numa versão ainda mais violenta, o deus Rudra (outra forma de Shiva) é empalado pelo seu temível adversário. O mito da submissão de Maheshvara encontra-se no Japão, embora, neste último país, as coisas aconteçam, em geral, de forma menos brutal. Certamente, também aqui se vêem numerosos relatos de conversões mais ou menos forçadas dos deuses autóctones. Mas, em breve, é encontrada uma solução mais elegante, com a teoria dita «essência e vestígios» ('honji suijaku'). Segundo esta teoria, os deuses japoneses ('kami') são apenas «vestígios», manifestações locais cuja «essência» ('honji') reside em budas indianos. Não há, portanto, mais necessidade de conversão, uma vez que os kami já são reflexos dos budas.

O budismo, as mulheres e as “heresias”

Paradoxalmente, a noção de absoluto libertada pela especulação budista irá permitir aos teóricos de uma nova religião, o chamado «antigo» xintoísmo, questionar a síntese budista em nome de uma reforma purificadora e nacionalista. A prazo, este fundamentalismo xintoísta levará à «revolução cultural» de Meiji (1868-1873), durante a qual o budismo, denunciado como religião estrangeira, verá grande parte dos seus templos destruídos ou confiscados.

Até à Segunda Guerra Mundial, a religião oficial japonesa reinveste os mitos xintoístas e organiza-se em torno do culto do Imperador divinizado, descendente do kami nacional mais importante, a deusa do Sol. Por sua vez, o budismo refugia-se num purismo tingido de modernismo, que rejeita como «superstições» as crenças locais.

Como vimos, a metáfora que inspira os relatos de conversões das divindades locais é frequentemente a da submissão sexual. Nestes relatos, o budismo é fundamentalmente masculino, enquanto as divindades locais são frequentemente feminizadas.

A questão das relações do budismo e das mulheres constitui outro caso de dissonância entre a teoria e a prática. A história começa assim: a tradição relata que o Buda aceitou na ordem monástica que acabava de fundar a sua própria tia e mãe adoptiva, Mahaprajapati.

Foi após a intervenção reiterada do seu discípulo e primo bem-amado Ânanda que o Buda teria finalmente consentido em aceitar a ordenação das mulheres, não sem lhes impor algumas regras particularmente severas (devido à extrema imperfeição feminina). Além disso, ele previu que, devido à sua presença, a Lei (Dharma) budista estaria condenada a declinar ao fim de cinco séculos.

Uma igualdade entre as mulheres e os homens?

Em teoria, o princípio de não-dualidade tão caro ao budismo maaiana parece, no entanto, implicar uma igualdade entre homens e mulheres. Na realidade monástica, as monjas permanecem inferiores aos monges, e são frequentemente reduzidas a condições de existência precárias. Com o acesso das culturas asiáticas à modernidade, as monjas reivindicam uma maior igualdade. Contudo, as suas tentativas esbarram em fortes resistências por parte das autoridades eclesiásticas.

O budismo, por outro lado, impôs durante muito tempo às mulheres todo o tipo de tabus. A misoginia mais crua exprime-se em certos textos budistas que descrevem a mulher como um ser perverso, quase demoníaco. Vistas como fundamentalmente impuras, as mulheres eram excluídas dos locais sagrados e não podiam, por exemplo, fazer peregrinações nas montanhas. Pior ainda, devido à poluição menstrual e ao sangue derramado durante o parto, eram condenadas a cair num inferno especial, o do Charco de Sangue.

O clero budista oferecia, é claro, um remédio, neste caso, os ritos, executados, mediante pagamento de taxas, por sacerdotes. Pois o budismo, na sua grande tolerância, deve salvar até mesmo os seres mais vis...

Menos «heresias» do que nas religiões ocidentais

A noção de «heresia» é raramente empregada no budismo, e não levou aos excessos de fanatismo familiares ao Ocidente. Fala-se por vezes dos «mestres de heresia» vencidos pelo Buda, e em particular da «heresia personalista» ou «substancialista», que questionava o princípio da ausência de eu. Mas estes eventos não deram lugar a autos-de-fé — talvez porque se desenvolveram no seio de tradições orais.

O budismo chinês caracteriza-se por uma forte tendência sincrética. Uma excepção é a do chan (que se tornará o zen no Japão) da chamada escola do Sul. Esta última rejeita a abordagem doutrinal tradicional, qualificada de gradualista, segundo a qual a libertação só é adquirida após um longo processo de meditação, em nome de um Despertar súbito que postula que a libertação pode intervir a qualquer momento. O líder da escola do Sul, Shenhui (670-762), ataca violentamente os seus rivais da escola chan do Norte em 732. O seu activismo, excepcional entre os budistas chineses, vale-lhe o exílio.

No Japão, onde as correntes doutrinais tenderam a endurecer em «seitas», encontram-se exemplos de intolerância mais familiares a um observador ocidental. Assim, a seita da Terra Pura (Nembutsu), fundada por Hônen Shônin (1133-1212), cujos discípulos, na sua devoção exclusiva ao buda Amida, consideram inúteis os antigos cultos (a outros budas, mas sobretudo aos kami japoneses) – minando assim os fundamentos religiosos da sociedade medieval. É para reagir contra esta intransigência, que levou alguns dos adeptos desta seita ao iconoclasmo, que os seus rivais a denunciam e procuram a sua interdição. Hônen Shônin é enviado para o exílio em 1207, e o seu túmulo é profanado alguns anos mais tarde.

Um mestre desperto, mas veemente

Quanto ao mestre zen Dôgen (1200-1253), fundador da seita Sôtô, ele ataca a «heresia naturalista», expressão sob a qual designa, de forma indiscriminada, o hinduísmo, o taoísmo, o confucionismo, e uma corrente rival da sua, a escola de Bodhidharma ('Darumashû'). Os termos pelos quais ele condena dois monges chineses, alegados assassinos do patriarca indiano Bodhidharma, qualificando-os nomeadamente de «cães», são característicos de um novo estado de espírito polémico.

Tal atitude é surpreendente num mestre em princípio «desperto», que se quis apresentar como um dos principais filósofos japoneses.

Este espírito encontra-se em Nichiren (1222-1282), fundador da seita com o mesmo nome, que se toma por um profeta perseguido. Nichiren denuncia em particular o zen como uma «falsa doutrina» que só atrai os degenerados. Mas nenhuma das outras escolas do budismo japonês encontra graça aos seus olhos.

Segundo ele, «os sábios do Tendai e do Shingon lisonjeiam e temem os patronos do nembutsu e do zen; são como cães que abanam a cauda diante dos seus mestres, como ratos que têm medo dos gatos» (Georges Renondeau, La Doctrine de Nichiren, Puf, 1953).

Finalmente, é preciso mencionar as lutas intestinas que opõem, no seio da seita Tendai (tendência maioritária do budismo japonês do século VIII ao XIII), as fações do Monte Hiei e do Miidera. Em diversas ocasiões, os mosteiros dos dois protagonistas são destruídos pelos «monges-guerreiros» do rival. Os ataques periódicos destes exércitos monacais sobre a capital, Kyôto, preenchem as crónicas medievais. É só por volta do fim do século XVI que um guerreiro sem paciência, Oda Nobunaga (1534-1582), decide arrasar estes templos e passar a fio de espada os causadores de distúrbios.

Fundamentalismos budistas

As relações do budismo e da guerra revelam-se complexas. Nos países onde constituía a ideologia oficial, foi obrigado a apoiar o esforço de guerra. Existe também no budismo tântrico um arsenal importante de técnicas mágicas que visam submeter os demónios. Foi sempre tentador assimilar os inimigos a hordas demoníacas, e procurar submetê-los pela espada e pelo fogo ritual.

Com a ascensão dos nacionalismos no século XIX, o budismo viu-se confrontado com uma tendência fundamentalista. É certo que a coisa não era totalmente nova. No Japão do século XIII, durante as invasões mongóis (elas próprias legitimadas pelos mestres budistas da corte de Kublai Khan), os budistas japoneses invocaram os «ventos divinos» ('kamikaze') que destruíram a armada inimiga. Também realçaram a noção do Japão «terra dos deuses» ('shinkoku'), que assumirá uma importância crucial no Japão imperialista do século XX.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os budistas japoneses tiveram de apoiar o esforço de guerra, colocando a sua retórica ao serviço da mística imperial. Mesmo Daisetz Suzuki (1870-1966), o principal propagador do zen no Ocidente, tornar-se-á o porta-voz desta ideologia belicista.

Budismo e reivindicações de independência

Mais recentemente, é no Sri Lanka que este aspecto agonístico prevaleceu, com a reivindicação de independência da minoria tâmil, que levou, desde 1983, a sangrentos confrontos entre as etnias sinhala e tâmil. O discurso dos Sinhaleses constitui o exemplo mais próximo de uma apologia budista da guerra santa. É certo que se trata de um fundamentalismo um pouco particular, pois baseia-se num grupo étnico e não num texto sagrado. Existe, de facto, uma autoridade escritural, o 'Mahâvamsa', crónica mito-histórica onde são descritas as viagens mágicas do Buda ao Sri Lanka, bem como a luta vitoriosa do rei Duttaghâmanî contra os 'Damilas' (Tâmeis) ao serviço do budismo.

O 'Mahâvamsa' serve assim de aval à crença segundo a qual a ilha e o seu governo têm sido tradicionalmente sinhaleses e budistas. É nomeadamente nas suas páginas que aparece o termo «Dharma-dîpa» (ilha da Lei budista). Restava apenas um passo, rapidamente dado, para fazer do Sri Lanka a terra sagrada do budismo, que é preciso defender a todo o custo contra os infiéis. Este fundamentalismo é, antes de mais, uma ideologia política.

O Dalai Lama e os seus partidários assassinos

Mencionemos, por fim, um caso significativo, já que põe em causa a própria pessoa do Dalai Lama, a figura que, aos olhos da maioria, encarna a imagem da tolerância budista. Trata-se do culto de uma divindade tântrica chamada Dorje Shugden, espírito de um antigo lama, rival do quinto Dalai Lama, e assassinado pelos seus partidários, adeptos dos Gelugpa, no século XVII. Por um estranho retorno dos acontecimentos, esta divindade tinha-se tornado a protectora da seita dos Gelugpa, e mais precisamente do actual Dalai Lama, até que este, com base em oráculos proferidos por outra divindade mais poderosa, Pehar, veio a proibir o seu culto aos seus discípulos.

Esta decisão suscitou um levantamento entre os fiéis de Shugden, que reprovaram a intolerância do Dalai Lama. Escusado será dizer que os Chineses souberam explorar esta disputa para todos os fins úteis de propaganda. A história foi trazida para o primeiro plano após o assassínio de um apoiante do Dalai Lama por um dos seus rivais, há alguns anos. Para além das questões de pessoa e das dissensões políticas, este facto sublinha as relações sempre tensas entre as diversas seitas do budismo tibetano.

Mesmo que não se possa negar a existência, no coração do budismo, de um ideal de paz e de tolerância, fundado em numerosas passagens escriturais, estes são contrabalançados por outras fontes segundo as quais a violência e a guerra são permitidas quando o 'Dharma' budista é ameaçado por infiéis. No 'Kalacakra-tantra', por exemplo, texto ao qual o Dalai Lama se refere frequentemente, os infiéis em questão são muçulmanos que ameaçam a existência do reino mítico de Shambhala. Àqueles que sonham com uma tradição budista monológica e pacificada, convém opor, por uma questão de verdade, esta parte de sombra.

NOTAS

Kami: Termo japonês que designa uma divindade venerada no quadro do xintoísmo. Diz-se de bom grado que existem oitocentas miríades de 'kami', que são o espírito de fontes, rochas, árvores, fenómenos naturais, antepassados divinos, mas também divindades de um ou outro lugar cujo alcance pode estender-se a todo o Japão...

Dharma: Termo sânscrito utilizado nas religiões derivadas do vedismo. No hinduísmo, ordem sociocósmica que o brâmane tem o dever de manter pelos seus actos sacrificiais. No budismo, ensinamento do Buda, frequentemente definido por extensão como a Lei budista, explicando o funcionamento do cosmos e do espírito.

Despertar: Finalidade do budismo, pela qual o sábio atinge um estado de compreensão do mundo que lhe permite escapar ao 'samsâra' e dissolver a sua individualidade no 'nirvâna' (libertação).

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quarta-feira, novembro 12, 2025

#TOLERÂNCIA318 - A BIOÉTICA DA PAZ

 #TOLERÂNCIA318 - A BIOÉTICA DA PAZ

Ontem fizemos uma breve visita à estação da tolerância do sofrimento humano. Hoje, como que em jeito de acrescentar alguma coisa mais ao assunto, e olhando o futuro, focamo-nos numa coisa que faz parte de algumas das muito modernas tentativas de aliviar o sofrimento humano.

No número que saiu hoje da revista "As Artes e as Letras", na página da Ciência, a 23, é publicada uma entrevista que tem por título "A reflexão bioética é essencial".

Lê-se assim na primeira parte da entrevista:

«Liubliana, capital da Eslovénia, recebe de 24 a 26 de Novembro próximo a 17.ª Conferência Mundial de Bioética. Co-presidida pelo Professor Doutor Rui Nunes, que também preside à respectiva cátedra por
si criada na Faculdade de Medicina do Porto, esta Conferência reúne durante 3 dias especialistas do mundo inteiro, desde a Austrália à Índia, com forte representação portuguesa, francesa, alemã, brasileira e eslovena. Também a Argentina, a Bélgica, Itália, Paquistão, Croácia, Malásia, Israel, Bósnia/Herzgovina e Países Baixos estarão presentes.

Pergunta: »Confirmada que está a importância do tema “Bioética”, sobretudo em contexto internacional de várias guerras e de tantas violações aos direitos humanos, o que espera desta Conferência?

Resposta: »A 17th World Conference in Bioethics, Medical Ethics & Health Law é o maior evento

mundial de bioética e conta com participantes de mais de uma centena de países de todos os continentes. Ao pretender ser as “Nações Unidas da Bioética” a conferência tem diferentes eixos de actuação. Por um lado, a promoção do ensino da bioética, e dos seus valores, a nível transversal. Ou seja, em todos os países e culturas da humanidade. Naturalmente que este é o fórum indicado para a comunidade internacional se mobilizar em torno de valores essenciais, como os direitos humanos, a igualdade e a não discriminação, a sustentabilidade ambiental, ou os direitos das futuras gerações. Mas, por outro lado, este é também o espaço ideal para — com tolerância e respeito — promover a paz mundial e a harmonia entre os diferentes povos. Hoje, falar de bioética é falar de “bioética da paz”.»

Repare-se que o que, na opinião do Professor Rui Nunes, é a pedra de toque, que faz toda a diferença, é a «tolerância» e o «respeito».

Mais à frente, em resposta a outra pergunta, o Professor Rui Nunes diz assim: «a reflexão bioética é essencial para auxiliar a sociedade a tomar as melhores opções legislativas em áreas complexas, por vezes
mesmo disruptivas, como a interrupção de gravidez, a eutanásia, a transplantação de órgãos, as novas técnicas de reprodução assistida, tal como a gestação de substituição. Em todo o caso, o que importa é informar e esclarecer a sociedade para que cada cidadão tome decisões informadas e esclarecidas. E para que a medicina seja mais humanizada.»

Anoto: "Educação: da Tolerância e do respeito. Pedagogia: do informar e do esclarecer.

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terça-feira, novembro 11, 2025

#TOLERÂNCIA317 - A TOLERÂNCIA AO SOFRIMENTO

 #TOLERÂNCIA317 - A TOLERÂNCIA AO SOFRIMENTO

Estou seguro de que a geografia deste lugar é uma geografia difícil e o que nela se encontre e identifique será sempre pouco em relação ao que possamos caminhar, espreitar e escavar para a ver na sua totalidade. Por isso não me importo da insuficiência do registo de hoje.

No n.º 268 (Novembro de Dezembro de 2025) da revista OMBRES & LUMIÈRE, o grande tema de debate é o seguinte: "Deve-se aceitar ser um peso para os outros?" Respondem Zidrou (argumentista, autor de Virgile (Le Lombard)) e Claire Dierckx (autora de O Amor Custe o que Custar (Cerf))

Eles são assim apresentados: "Claire Dierckx, portadora de uma doença neurodegenerativa, guarda na memória a violência da eutanásia do seu pai, que não queria ser um peso para os que o rodeavam. Benoît Drousie, conhecido como Zidrou, acaba de publicar a banda desenhada Virgile, sobre um personagem tetraplégico que pede para ser eutanasiado. Estes dois belgas cruzaram as suas experiências para falar de vida e morte, mas sobretudo da gritante necessidade de solidariedade, numa altura em que o suicídio assistido ameaça os mais vulneráveis."

Ambos são confrontados com a seguinte questão: «Ambos viveram a morte do seu pai num contexto doloroso, com duas escolhas opostas. Ambos estão profundamente marcados pelo tema da vulnerabilidade. Contem-nos...» Respondem assim:

Claire Dierckx: «Tenho 31 anos e sou casada com Marc há dois anos, vivemos na Bélgica. Tenho uma doença neurodegenerativa que ataca o meu cérebro, e cujos principais sintomas são a perda de equilíbrio, da marcha, da fala, da visão… Muitas faculdades motoras estão afectadas, mas felizmente não ataca nem o meu coração, nem a minha mente. O meu pai tinha a mesma doença que eu, e pediu a eutanásia após quinze anos de luta.»

Benoît Drousie, também conhecido como Zidrou: «Sou um "boomer" de 63 anos, pai de quatro filhos,
com um casamento feliz, e vivo na Andaluzia. Fui professor do ensino primário, antes de me tornar
argumentista de banda desenhada. Para além dos assuntos sérios, gosto de leveza, e sobretudo de humor, porque é um sistema de defesa. Sempre fui marcado por temas fortes, como o nascimento e o luto, o fim da vida. Também tive um filho gravemente doente. Assisti a festas de eutanásia, e o meu sogro partiu assim. O meu pai, por outro lado, devido à sua fé, preferiu não recorrer a ela, apesar de ter uma doença horrível. Respeitei completamente a sua escolha, mas disse a mim mesmo que talvez ele devesse ter pensado na minha mãe, para quem esse fim foi tão penoso. Lembro-me, ao mesmo tempo, das brincadeiras do meu pai com os seus velhos amigos, das emoções positivas…»

Claire Dierckx: «Quando o meu pai disse: "Tenho vontade de morrer", ele estava a pensar nos outros, para não ser um peso para eles. No entanto, dou-me conta de que, ao longo da sua doença, havia uma enorme quantidade de coisas que mudavam nele, belos momentos de consciência. Achei tão lamentável que ele tenha desistido tão cedo… Eu tinha vontade de lhe dizer: "Não abandones o barco, nós estamos aqui!". Tantos momentos grandiosos podem ser vividos com tão pouco. Tantas coisas belas acontecem
quando aceitamos a nossa vulnerabilidade. Eu própria, depois de ter negado a minha doença durante vários anos, aceitei-a, depois de ter colocado a Deus a questão da fidelidade do seu amor: compreendi então até que ponto, apesar do sofrimento, podia haver muito amor.»

Zidrou: «Penso que é muitas vezes nos momentos muito difíceis, e a Claire ilustra-o bem, como um luto, um filho doente ou com deficiência, que as coisas importantes vêm à tona e que vemos os nossos verdadeiros amigos, os laços que perduram. O facto de se estar doente ou em grande sofrimento tem uma vantagem, quer se escolha ou não, que é esta possibilidade de abrir o coração ou de curar as suas feridas. Vi isto com o meu pai, e com amigos quando eles perdem os seus pais: na doença, pode-se fazer as pazes, e isso acontece mesmo com muita frequência. Esses momentos em que se está em total sinceridade e em que não se usa uma máscara. Mas depois, há esses momentos em que o sofrimento é tão intolerável, em que os doentes vivem um verdadeiro martírio…»

«em que o sofrimento é tão intolerável». Fica a dúvida, hesita-se, os afectos cruzam-se, os laços de humanidade são desafiados... Por agora não quero aproximar-me de nenhuma conclusão, só ficar a pensar.

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segunda-feira, novembro 10, 2025

#TOLERÂNCIA316 - E A SOLUÇÃO É A EDUCAÇÃO

 #TOLERÂNCIA316 - E A SOLUÇÃO É A EDUCAÇÃO

Ainda não tinha avançado por caminhos que me levassem ao que acerca da Tolerância se diz, nos dias que correm, em alemão. As facilidades de busca e de chegada, seja onde seja, na Internet, são cada vez maiores.

Hoje encontrei um texto interessante, daqueles em que se vê uns aos olhos dos outros. Neste caso, um jornalista alemão a falar dos franceses; e duma muito importante experiência de educação social: aconteceu uma tragédia e a resposta foi um projecto de educação.

O artigo, da edição de hoje do jornal "Süddeutsche Zeitung"de hoje, do jornalista germano-francês Nils Minkmar, titula "Deixa-te abraçar." E logo a seguir subtitula: "Dez anos após os atentados islamistas em Paris, os franceses recolheram-se à sua vida privada. Aí, são inundados por programas de debate que anunciam o fim dos tempos. Mas também há consolo e ajuda."

A meio da terceira parte do artigo, o autor (jornalista e historiador) escreve assim: «Também os socialistas sob François Hollande desiludiram. Não tinham conseguido impedir os atentados de 2015 e,

sobretudo, faltaram-lhes, no período posterior, ideias políticas para desenvolver, a par da repressão constante, uma prevenção abrangente. Uma boa resposta aos atentados teria sido uma nova política urbana, um urbanismo político que bloqueasse as vias de recrutamento dos jihadistas. Embora a sua ideologia seja de origem globalizada e transmitida digitalmente, os jovens terroristas vêm dos subúrbios de França, por vezes da Bélgica. Um plano nesse sentido, elaborado pelo popular político socialista Jean-Louis Borloo, dorme há anos numa gaveta do Eliseu.

»Em vez disso, o então Presidente da República, François Hollande, lançou-se no endurecimento das regras sobre a dupla nacionalidade. Assim, os terroristas deveriam poder perder a sua cidadania francesa — mas, para tipos que matam em massa frequentadores de concertos e cafés e procuram, com um colete explosivo, uma glória póstuma como mártires, a perda da cidadania talvez não seja algo particularmente determinante. Uma obra educativa e esclarecedora como a de Latifa Ibn Ziaten(1), mãe de uma vítima do terrorismo islamista (o filho foi uma das vítimas do atentado em Toulouse em 11 de Março de 2012), que visita as escolas dos subúrbios para falar sobre Islão, violência e tolerância, continua a ser uma excepção.»

A Educação como excepção?... Seja, mas que não se desista da Educação. A Educação é o caminho que vale sempre a pena.

O documentário de Latifa Ibn Ziaten teve lançamento público em 4 de Outubro de 2017. Vou tomar nota. Um dia vou visitá-lo. Passaram 8 anos, quero saber se foi excepção ou semente.

(1) Latifa Ibn Ziaten é uma ctivista franco-marroquina de 61 anos (publicado em 11/15/2022). Trabalhou no domínio da luta contra o extremismo e da promoção da tolerância. Tornou-se instantaneamente conhecida após um trauma profundo em 2012, quando perdeu tragicamente o seu filho, soldado do exército francês, num atentado terrorista perpetrado por um francês de origem argelina. Esse acontecimento despertou nela uma determinação firme em dedicar-se seriamente à luta contra o extremismo em França e noutros países, combatendo a intolerância ideológica e todas as formas de discriminação baseadas na religião, na raça, na língua, no género ou na cor, e promovendo a cultura do diálogo, da convivência e da harmonia. Em poucos anos, passou de mãe enlutada a ícone da tolerância e da luta contra o extremismo. (https://www.imctc.org/en/eLibrary/Magazine/Topics/Pages/topicM15112022.aspx)

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